(1)
Entre 1569 (fim da dinastia dos Jagiellos) e 1795 (início da partilha do território da Polónia
pelos russos, austríacos e prussianos), a monarquia electiva polaca foi, na realidade, uma autêntica república nobiliária:
Par le traité de Lublin (1569), la noblesse polonaise et les princes lituaniens créèrent un
État unique mais double dans lequel la Korona (royaume) et le grand-duché conserveraient leurs lois et
leurs administrations distinctes, mais seraient gouvernés par un roi élu et une diète commune. Ils appelèrent leur création
Respublica ou Rzeczpospolita, République unie de Pologne-Lituanie.
[In Norman Davies, Histoire de la Pologne,
pp. 324.]
O processo de tomada de decisão política e legislativa demonstra, aliás, a fragilidade do monarca
polaco e o extraordinário poder dos nobres:
Dans tous les conseils, la szlachta [designação da nobreza polaca] donnait une grande place au principe de l'unanimité.
Ni la diète centrale, ni les diétines locales ne pouvaient voter une résolution si tous les présents n'étaient pas d'accord
et les résolutions de la première n'avaient force de loi que si elles étaient confirmées par les secondes. A la base de ce
principe et de son aboutissement logique, le liberum veto, il y avait la conviction qu'une bonne loi devait avoir l'approbation
de tous ceux qui seraient chargés de l'appliquer. Comme on pouvait le prévoir, la mise en oeuvre de ce principe donna lieu
à d'interminables débats et, trop souvent, à des retards et des impasses. Mais il avait aussi des aspects positifs. Il incitait le noble à respecter sa parole une fois donné, et à défendre
l'engagement pris comme une affaire d'honneur.
[In idem, ibidem, p. 364.]
Este contexto sócio-político permite-nos compreender as razões por que a nobreza polaca, nos
séculos XVII e XVIII, reforçou os seus privilégios, exerceu um férreo domínio sobre os servos e impediu a nobilitação dos
burgueses enriquecidos:
L'acroissement des privilèges légaux de la noblesse coincida presque exactement avec
l'ascension des serfs. La szalachta soulignait toujours en effet l'égalité devant la loi de tous les membres d'un même
ordre, quelles que fussent leur fortune ou leur puissance et ses membres ne faisaient pas de distinction entre les grand magnats,
la couche moyenne de la noblesse terriene, ou la masse grossissante des nouveaux pauvres de l'aristocratie sans terres.
Dans le même temps, ils insistaient sur la nature exclusive de leurs privilèges,
détenant un droit absolu de vie et de mort sur les serfs attachés à la glèbe. Le clergé, les bourgeois des villes et les juifs
dont les statuts distincts étaient protégés par des chartes royales, formaient des états sociaux différents, jouissant d'une
large mesure d'autonomie ainsi que d'une large exemption au contrôle direct de la noblesse; mais ils ne formaient qu'une petite
partie de la population et, à l'exception des nobles évêques du sénat, ne jouaient pas um grand rôle dans les institutions
du gouvernement central de la république.
[...]
Les membres de la szlachta estimaient
certainement être une race à part. Nulle part ailleurs en Europe la mystique du sang bleu n'était entretenue avec plus
de soin et certains commentateurs ont parlé par la suite d'un racisme de la noblesse. Cette vanité de la naissance,
écrivait Daniel Defoe, est poussée [en Pologne] jusqu'à une mostrueuse extravagance. De grands efforts étaient à la fois
pour protéger le noble état des impuretés de la mésalliance et pour éliminer les imposteurs bourgeois ou juifs.
[In idem, ibidem, p. 325-327 e 361-363.]
(2)
As decisões políticas tomadas pela imperatriz austríaca Maria Teresa nos momentos imediatamente
seguintes à morte do seu pai, ocorrida em 20 de Outubro de 1740, mostram que a sucessão electiva no Sacro Império Romano-Germânico
era para a filha do defunto Carlos VI um simples pró-forma, pois ela estava convencida de que a tradição reservara aos Habsburgos
alemães a herança da coroa imperial:
Maria Theresa (1740-1780) was twenty-three
when she came to the throne. Only a few hours after the death of Charles VI she was standing beneath the throne canopy to
receive her ministers. In an informal speech she thanked them for their services to her father and confirmed them in office.
On the following day, with her husband Francis Stephen, Grand Duke of Tuscany, at her side, she presided over the secret
meeting, the Council of Ministers.
[In Friedrich Heer, The Holy Roman
Empire, p. 246.]
A atitude de Maria Teresa de Áustria, é certo, também significava uma tentativa de levar os
renitentes príncipes eleitores alemães a aceitarem a Pragmática Sanção promulgada em 1713 por Carlos VI, que permitia
a sucessão feminina, embora o imperador austríaco ainda desconhecesse então que não teria herdeiro varão (Maria Teresa nasceu
em 1717).
Essa intenção de Maria Teresa não surtiu o efeito desejado, dado os príncipes eleitores haverem
preferido designar o eleitor da Baviera (marido de uma filha de José I, antecessor de Carlos VI e seu irmão) imperador germânico
com o nome de Carlos VII (1741). A morte deste passados quatro anos (1745), tornou possível a eleição do marido da imperatriz,
uma situação que ficou definitivamente resolvida em 1748 quando os austríacos e prussianos assinaram o Tratado de Aquisgrano.
Maria Teresa dividiu formalmente as responsabilidades de governo com o seu marido até à morte
deste (1765), embora detivesse o poder de facto, situação que continuou a partir de 1780 quando o seu filho primogénito,
José II, se sentou no sólio romano-germânico.
[Vide Michèle Fogel, Unificações e conflitos na Europa central e oriental: Rússia e Prússia,
in História Universal. Europa - Séculos XVI-XVIII, vol. 6º, pp. 304-307.]
Repare-se, porém, que a Guerra da Sucessão de Áustria (1740-1748) não teve origem na vontade
dos príncipes-eleitores arrebatarem o título imperial aos Habsburgos, mas sim à sua renitência em aceitarem a sucessão feminina,
uma posição liderada por Frederico II da Prússia que foi acoimada de misógina pelos seus detractores vienenses. O rei prussiano
foi, de facto, criticado pela sua arrogância - nomeadamente pelo filho mais novo de Maria Teresa (futuro imperador Leopoldo
II) e por Isabel de Parma (primeira mulher do imperador José II) -, mas esta sua postura visava retirar dividendos político-militares
(obter maior autonomia em relação ao governo de Viena e conquistar territórios sob administração austríaca) além de pretender
cativar os protestantes alemães, por norma desconfiados da perfídia do sexo feminino:
Playing on the psychology of German Protestant masculinity, Frederick in his propaganda
spoke derisively of the petticoat conspiracy against him of Maria Theresa, Elizabeth of Russia and Mme. de Pompadour
[suspeitava-se que Maria Teresa escrevera à amante de Luís XV para persuadí-la a convencer o rei de França a deixar de
apoiar a Prússia]. The impression Prussian ultra-masculinity
left on a romantic young woman of ultra-feminine sensibility emerges from a sketch entitled The Prussians wich Joseph's
young wife, Isabella of Parma, left among her papers at her early death.
[In Friedrich Heer, The Holy Roman
Empire, pp. 254-255.]
(3)
O historiador francês Albert Sorel, reflectindo sobre os modelos institucionais vigentes na
Europa setecentista, concluiu que coexistiam todas as formas de governo [...] e todas elas eram igualmente legítimas,
uma afirmação correcta do ponto de vista da retórica política mas não necessariamente verdadeira, porque desvaloriza as já
referidas similitudes entre a prática governativa das repúblicas aristocráticas e a das monarquias, ao mesmo tempo que tende
a sobreestimar as diferenças puramente formais existentes entre estes dois tipos de regimes.
[Vide Georges Rudé, A Europa no século XVIII, pp. 135-136.]
A Suécia foi a única monarquia continental que, durante algumas décadas (entre 1720 e 1772),
adoptou o sistema constitucional, existindo uma Dieta cuja legitimidade democrática suplantava a do parlamento britânico.
Os dois partidos suecos mais influentes - os Bóinas (pró-russo) e os Chapéus (pró-francês) - opuseram-se com
êxito às sucessivas tentativas de restaurar o absolutismo feitas pelo rei Adolfo Frederico (1751-1771), resolutamente apoiadas
pela mulher (a rainha Luísa Ulrica, à semelhança do seu irmão Frederico II da Prússia, era uma inimiga jurada do sistema representativo).
Pouco depois do falecimento de Adolfo Frederico, o novo soberano Gustavo III (1771-1792), apoiado
pela diplomacia francesa (desejosa de neutralizar a influência russa sobre o governo sueco), reimplantou a monarquia absoluta,
pondo termo à chamada "Era da Liberdade".
[Vide Isabel de Madariaga, Catarina a Grande, pp. 48-49 e 52-53.]
(4)
A situação só se alterou significativamente após a promulgação do Acto de Reforma de 1832, defendida
pelo jovem parlamentar Thomas Macauley e que tornou menos restritivo o censo eleitoral, viabilizando desse modo o reforço
da Câmara dos Comuns.
No período georgiano, embora geralmente se pense o contrário, os reis ingleses estiveram mais
afastados dos seus súbditos do que os monarcas absolutos do continente, como percebeu nitidamente Montesquieu ao explicar
que o príncipio da liberdade política dos britânicos (inerente à natureza da separação dos poderes prevista
nas suas tradições políticas), por estar institucionalmente enquadrada, acabava na prática por restringir a capacidade de
o povo condicionar o poder real na condução dos negócios públicos:
In 1756 Louis XV commissioned a report
on the power and resources of his rival George II. His spy left him in no doubt about the nature of royal authority in England:
The king does all he wants, peace, war, treaties and alliances, he can levy troops, equip fleets providing it is at is
own expense and not the people's... He disposes of all the ecclesiastical dignities, of all offices civil, political, and
military and justice is done in his name. Throughout the period French and English monarchs tried to promote a beatific
vision of prerogative affairs (matters of state). They were presented as arcane mysteries beyond the intellectual grasp of
mere mortals. In France it was in effect lèse-majesté to take an interest in politics without the king's express invitation:
Calonne once apologised to Louis XVI for mentioning the dreaded word. British historiography has long chosen to believe that
the conduct of government was, at least after the 1688 Revolution, a matter of legitimate public interest. It was not. The
role of the press and public opinion has invariably been exaggerated to make Georgians sound more comfortably like Victorians.
Black and Clark have begun to replace wishful thinking with historical accuracy. As late as the 1750s politics were too private
to permit accurate popular scrutiny. the court at St Jame's and parliament at Westminster were hermetically sealed worlds
of which few signals were intercepted outside. Political reporting in newspapers was confined to a sparse record of changes
of office: comment and speculation was minimal. Parliamentary debates could not be reported until the 1770s. Most politicians
deplored public discussion of issues wich were too subtle for common people to understand.
[In Nicholas Henshal, The myth of
absolutism, pp. 82-83.]
(5)
A condenação do diabólico exemplo inglês foi um dos motes políticos utilizados em França
contra os partidários da Fronda dos Príncipes (1650) [ver nota 52].
Dès 1648, pour les partisans du roi et de la cour, la Fronde apparut comme le prolongement continental des événements d'Angleterre. Mazarin en était
convaincu au point d'assimiler le Parlement de Paris au Parlement d'Angleterre. Forte de l'exemple anglais, Henriette de France
[esposa do malogrado Carlos I] prophétisait la ruine de la monarchie française. Omer Talon, d'Aligre craignaient que les troubles ne conduisent à l'instauration de la république. La morte de Charles
I confirma leurs craintes. Après le régicide, le parallèlle entre les événements de France et ceux d'Angleterre s'imposa avec
une netteté plus grande encore. Mazarin accusa Retz et Beaufort
d'être les Cromwell et Fairfax du royaume. De tous côtés on dénonça le diabolique exemple anglais."
[In Jean Marie Goulemont, Le règne
de l'Histoire. Discours historiques et révolutions XVIIe-XVIIIe siècle, p. 41.]
No final do século XVII, Denis de Sainte-Marthe - Entretiens touchant l'enterprise du prince
d'Orange sur l'Angleterre (1688) - Pierre Bayle - Avis important aux Réfugiez (1690) - Raguenet - Histoire d'Olivier
Cromwell (1691) - e o italiano Gregorio Leti - La vie d'Olivier Cromwell (1694) -, todos eles antagonistas da Glorious
Revolution (1688), viam no Lord Protector a encarnação do mal ("hipócrita", "velhaco", detentor de uma "ambição"
sem limites...), considerando-o um "usurpador" que atentara contra todas as "leis humanas e divinas".
[In idem, ibidem, pp. 78-79.]
(6)
O cronista Frei Cláudio da Conceição transcreve integralmente no quarto tomo do Gabinete
Histórico, editado em 1819, o discurso proferido pelo príncipe D. Teodósio na reunião do Conselho de Estado convocada
para aconselhar D. João IV sobre a resposta a dar à exigência feita por uma armada afecta a Cromwell, fundeada ao largo da
costa de Lisboa, de lhe serem entregues o duque de Cumberland, Rupert, e o seu irmão Maurice (sobrinhos em segundo grau de
Carlos I de Stuart e comandantes do exército realista), ambos refugiados na corte portuguesa. A resposta de D. João IV a este
ultimato foi negativa, tendo os navios ingleses acabado por se retirar sem cumprir a ameaça de entrar na barra do Tejo e atacar
a cidade.
Apesar dos estrondosos êxitos militares obtidos pelos Cabeças Redondas sobre os Cavaleiros
(nas terríveis batalhas de Long Marston Moor [1644], Naseby [1645] e Worcester [1651]), a fragilidade
do poder do Parlamentários era inquestionável para o príncipe D. Teodósio, porque ele sabia que o regime republicano inglês
carecia de unidade no plano interno e estava isolado a nível diplomático:
Afligis-vos com o temor dos parlamentários, que amanhã se há-de desvanecer, e grangeais por
inimigos El-rei da Grã-Bretanha, os reis de França, Dinamarca e Suécia; e pode ser que provoqueis contra vós as armas da Holanda.
Certo, que sereis dignos de vos reputarem por doidos, se tal executardes: pois não será possível acharem-se outros, que sigam
igual desatino. A prova desta verdade é evidente. Os franceses têm denunciado guerra aos parlamentários: El-rei da Dinamarca
é primo segundo de El-rei da Grã-Bretanha: ajuda-o a raínha da Suécia com dinheiros, e armas, e é voz pública, que determina
casar com o príncipe Maurício: os holandeses tiveram muito tempo em sua companhia El-rei de Inglaterra, e é notório o estreito
parentesco que tem com o príncipe de Orange: clama o povo que se defenda os príncipes que estão debaixo das sombras do nosso
rei sereníssimo, e que se não bastarem os termos suaves, se defendam com ferro, e fogo.
[Citado por Frei Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico, p. 146 e 147]
Desconhece-se hoje o paradeiro do documento original redigido pelo príncipe, restando-nos aceitar
a informação de Frei Cláudio da Conceição que revela ter descoberto o documento original no arquivo de manuscritos que pertencera
ao 2º conde da Ericeira (D. Fernando de Meneses). Parece-nos, contudo, não existirem razões de monta para duvidar da autenticidade
histórica deste elóquio, pois as afirmações de D. Teodósio sobre os desatinos da república inglesa proclamada em 1648
condizem, no essencial, com as opiniões expressas em França pelos adversários da Fronda [ver nota anterior].
(7)
Partiendo de la hipótesis de que las sociedades
primitivas fueron monárquicas, Mariana estudia [em Do rei e da
instituição da realeza] las ventajas de la monarquía en comparación con las otras formas politicas tradicionales
para concluir en un juicio favorable a la monarquía: es la forma más conveniente por razones funcionales, antiguedad, seguridad,
estabilidad. En la disyuntiva entre monarquía electiva o hereditária, Mariana toma partido por esta última: la elección no
garantiza mayor calidad en el rey, mientras que el rey hereditario induce a mayor obediencia porque tiene el prestigio de
la tradición y del linaje.
[In Fernando Prieto, História de las ideas
y de las formas políticas. III Edad Moderna (1. Renacimiento y Barroco), p. 342.]
(8)
O estado misto (diz ele [D. Teodósio]) perturba, se não for
temperado no modo, que convém, como perturbam a harmonia da música algumas vozes dissonantes; se quiserem, e puderem mais
que os outros, aqueles que não convém, se forem excessivas as causas, que deviam ser moderadas, se elevadas as que deviam
ser iguais. Considerai, vos peço, que vozes há mais dissonantes, que as dos parlamentários. Sendo infiéis, pedem aos ingleses
juramento de fidelidade: mandam ao Sumo Pontífice uma ridícula embaixada, pedindo-lhe que ordene aos hibérnios [irlandeses]
se unam com eles, e que lhes concederão liberdade de consciência. Pretendem do sereníssimo rei de Portugal, contra o direito
Divino, Natural, e das Gentes, livre entrada neste porto, como inimigos contra os príncipes Roberto, e Maurício, dando-lhe
título de obra justa: prática vergonhosa de se dizer, quanto mais de se executar. Estas três vozes dissonantes se contêm no
trítono. O que indica que pouco mais durará de três anos a vida desta desordenada república.
[Citado por Frei Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico, tomo IV, pp. 150-151.]
(9)
A diferença entre essas três espécies de governo [monarquia, aristocracia e
democracia] não reside numa diferença de poder, mas numa diferença de conveniência, isto é, de capacidade para garantir
a paz e a segurança do povo, fim para o qual foram instituídas. Comparando a monarquia com as outras duas, impõem-se várias
observações. Em primeiro lugar, seja quem for que seja portador do povo, ou membro da assembleia que dela é portadora, é também
portador da sua própria pessoa natural. Embora tenha o cuidado, na sua pessoa política, de promover o interesse comum, terá
mais ainda, ou não terá menos cuidado de promover o seu próprio bem pessoal, assim como o da sua família, seus parentes e
amigos. E, na maior parte dos casos, se por acaso houver conflito entre o interesse público e o interesse pessoal, preferirá
o interesse pessoal, pois em geral as paixões humanas são mais fortes que a razão. De onde se segue que, quanto mais intimamente
unidos estiverem o interesse público e o interesse pessoal, mais se beneficiará o interesse público. Ora, na monarquia o interesse
pessoal é o mesmo que o interesse público. A riqueza, o poder e a honra de um monarca provêm unicamente da riqueza, da força
e da reputação dos seus súbditos. Porque nenhum rei pode ser rico ou glorioso, ou pode ter segurança, se acaso os seus súbditos
forem pobres, ou desprezíveis, ou demasiado fracos, por carência ou dissenção, para manter uma guerra contra os seus inimigos.
Ao passo que numa democracia ou numa aristocracia a propriedade pública contribui menos para a fortuna pessoal de alguém que
seja corrupto ou ambicioso do que, muitas vezes, uma decisão pérfida, uma acção traiçoeira ou uma guerra civil.
[In Thomas Hobbes, Leviatã, pp.
158-159.]
(10)
En el gobierno de muchos, que es el popular,
falta la prudencia, la experiencia, el secreto y el orden; porque, si bien en algunos se hallarán estas cualidades, no en
los más; y como las consultas no se resuelven por la calidad, sino por el exceso de los votos, pocas salen acertadas. Con
el pueblo es muy poderosa la pasión, y la mayor elocuencia, lisonjeando a la comunidad, dispone a proprios fines las resoluciones
públicas; aspira la multitud a una suma libertad y a un sumo poder. Con la libertad aborrece y desprecia a los ricos y nobles,
y con el poder violenta las leyes; de lo primero nacen las disensiones y tumultos; de lo segundo, el desconcierto del gobierno,
y déste la tiranía de la república.
En el gobierno de pocos, aunque sean los
mejores, crece con la autoridad la soberania, la ambición y la cudicia, y no se pudiendo sustentar en igualdad, se dividen
en bandos y parcialidades, desprecian al pueblo; y éste, desdeñado con la tiranía de tantos, pretende violentamente su libertad,
y las más veces halla su servidumbre en los mismos medios con que pensó sacudir el yugo, valiéndose de algún poderoso que
con especiosos titulos de libertad le reduce a la tiranía.
El imperio de uno fué el que primero admitieron
las gentes en aquel principio y primer origen del mundo, cuando, menos despierta la malicia, obraba naturalmente la razón.
Después lo aprobaron las naciones, enseñadas de la misma naturaleza, por quien las abejas reconocen un príncipe que las gobierne:
indeterminado se hallaría en sus acciones un cuerpo con dos cabezas. Por esto el orden natural los redujo todos a una unidad,
de quien dependiesen las partes. El corazón reparte los espiritus vitales, obedecen al entendimiento las demás operaciones;
de un sol reciben luz las estrellas, y una primera causa produce y gobierna a las demás.
Todos los gobiernos padecen achaques. Éste
menores, porque, reducida a uno la suma de las cosas, ni emula ni cudicia (males extrínsecos de las demás repúblicas), y libre
de pasiones, ejercita la justicia; en uno están más unidas las fuerzas y con mayor majestad y respeto. La autoridad en este
imperio y gobierno (si es como el de España) tienen el rey, los nobles y el pueblo, mezclada y unida entre si su potestad:
el rey, su dignidad; los nobles, su poder, y el pueblo, su libertad.
[In Diego de Saavedra Fajardo, Introducciones
a la política, in Obras completas, pp. 1234-1235.]
(11)
Aristotle, in his books of Politics,
when he comes to compare the several kinds of government, he is very reserved in discovering what form he thinks best. He
disputes subtly to and fro of many points, and judiciously confutes many errors, but concludes nothing himself. In all those
books I find little in commendation of monarchy. It was his hap to live in those times when the Grecians abounded with several
commonwealths, who had learning enough to make them seditious. Yet in his Ethics he hath so much good manners as to
confess in right down words that monarchy is the best forme of government, and a popular estate the worst. And though
he be not so free in his Politics, yet the necessity of truth hath here and there extorted from him that wich amounts
no less to the dignity of monarchy. He confesse it to be the first, the natural, and the Divinest form of government, and
that the gods themselves did live under a monarchy. What can a heathen say more?
[In Robert Filmer, Patriarcha and
other political works, p. 85.]
(12)
Para Filmer, a superioridade da monarquia repousava na unicidade do poder real, única forma
de garantir, em benefício exclusivo dos vassalos e não do interesse particular dos príncipes, a estabilidade social:
In a well-ordered state, the sovereign
power must remain in one only, witthout communicating any part thereof unto the state (for in that case it should be a popular
government and no monarchy). Wise politicians, philosophers, divines and historiographers, have highly commended a monarchy
above all other commonweals. It is not to please the prince, that they hold this opinion; but for the safety and hapiness
of the subjects.
[...]
A pure absolute monarchy is the surest
commonweal, and without comparison, the best of all. Wherein are abused, who maintain that an optimacy is the best kind of
government; for that many commanders have more judgment, wisdom and counsel than one alone. For there is a great difference
betwixt counsel and commandment.
The counsel of many wise men may
be better than of one; but to resolve, determine, and to command, one will always perform it better than many: he which hath
advisedly digested all their opinions, will soon resolve without contention; the which many cannot easily perform: it is necessary
to have a sovereign prince, which may have power to resolve and determine of the opinions of his council.
[In idem, ibidem, pp. 325 e 326]
(13)
Indeed, the world for a long time
knew no other sort of government but only monarchy. The best order, the greatest strength, the most stability and easiest
government are to be found in monarchy, and in no other form of government. The new platforms of commonweals were first hatched
in a corner of the world, amongst a few cities of Greece, wich have been imitated by very few other places. Those very cities
were first for many years governed by Kings, until wantonness, ambition or faction made them attempt new kinds of regiment.
All wich mutations proved most bloody and miserable to the authors of them, happy in nothing but that they continued but a
small time.
[In idem, ibidem, pp. 85-86.]
(14)
Sir Robert Filmer alude à revolta dos Gracos, às rebeliões dos proletários, à insurreição
dos escravos comandados por Espartaco, à guerra civil entre os partidários de Mário e Sila, à traição de Catilina e aos dois
triunviratos, para concluir que todas essas desordens civis derramaram um mar de sangue no interior da Itália e nas ruas
de Roma.
[In idem, ibidem, p. 87.]
(15)
Let it be allowed that for some part
of this time it was popular, yet was it popular as to the city of Rome only, and not as to the dominious, or whole empire
of Rome. For no democracy can extend further than to one city. It is impossible to govern a kingdom, much less many kingdoms,
by the whole people, or by the greatest part of them.
[In idem, ibidem, p. 87.]
Aristóteles tem a mesma opinião, conforme já afirmámos no passo do segundo capítulo correspondente
à trigésima nota.
(16)
But, you will say, yet the Roman
Empire grew all up under this kind of popular government, and the city became mistress of the world. It is not so. For Rome
began her empire under kings, and did perfect it under Emperors; it did only increase under the popularity. Her greatest exultation
was under Trajan, as her longest peace had been under Augustus. Even at those times when the Roman victories abroad did amaze
the world, then the tragical slaughter of citizens at home deserved commiseration from their vanquished enemies. What though
in that age of her popularity she bred many admired captains and commanders (each of which was able to lead an army, though
many of them were but ill requited by the people) yet all of them were not able to support her in times of danger. But she
was forced in her greatest troubles to create a Dictator (who was a King for a time), thereby giving this honourable
testimony of monarchy, that the last refuge in perils of states is to fly to regal authority. And though Rome's popular estate
for a while was miraculously upheld in glory by a greater Providence than her own hands. Suis et ipsa Roma viribus ruit,
for the arms she had prepared to conquer other nations were tourned upon herself, and civil contentions at last settled the
government again into a monarchy.
[In idem, ibidem, p. 87.]
(17)
Vide Fernando Prieto, História de las ideas
y de las formas políticas. III Edad Moderna (1. Renacimiento y Barroco), p. 415.
(18)
Os três maiores benefícios da monarquia absoluta, hereditária e sálica, são os seguintes para
Bossuet (veja-se o livro II, artigo I, proposição 9ª):
- Maior durabilidade, pois o regime perpetua-se a si mesmo, evitando a anarquia.
- Garantia de maior conservação do estado, permitindo ao príncipe governar sem tentações despóticas
e em exclusivo proveito dos vassalos.
- Asseguração do prestigio das casas reais e dignidade das dinastias reinantes.
A vantagem para o bispo de Meaux em afastar o sexo feminino da sucessão ao trono - Lei Sálica
- (veja-se o livro II, artigo II, proposição 11ª), era evitar a possibilidade de o reino poder vir a ser governado por um
príncipe estrangeiro. O prelado estava convencido de que as mulheres haviam nascido para obedecer, não colocando sequer a
hipótese de ser a rainha e não o seu marido a exercer o poder efectivo, como o aceitavam as leis fundamentais das monarquias
inglesa, portuguesa ou espanhola (esta última adoptou a Lei Sálica francesa após a subida ao trono de Filipe V, cuja
vigência se manteve até à promulgação da Pragmática Sanção por Fernando VII em 1830).
(19)
Tout le monde donc commence par des
monarchies; et presque tout le monde s'y est conservé comme dans l'état le plus naturel.
Aussi nous avons vue qu'il a son
fondement et son modèle dans l'empire paternel, c'est-à-dire, dans la nature même.
Les hommes naissent tous sujets:
et l'empire paternel qui les accoutume à obéir, les accoutume en même temps à n'avoir qu'un chef.
[In Bossuet, Politique tirée des propres paroles de l'Écriture Sainte, p. 69.]
(20)
As monarquias instituídas por direito de conquista foram, admite Bossuet, impostas de modo tirânico,
mas rapidamente se legitimaram, como o atesta a Bíblia, porque os monarcas vitoriosos adoptaram uma atitude pacificadora em
relação aos povos vencidos (veja-se o livro II, artigo I, proposição 4ª e artigo II, proposições 1ª e 2ª).
(21)
Vide Bossuet, Politique tirée des propres paroles de l'Écriture Sainte, livro I, artigo
I, proposições 1 a 5.
Resulta evidente da leitura desta obra que Bossuet ele não aceita as teses contratualistas da
origem do poder real, defendidas pelos monarcómacos e jesuítas [ver nota 28]. Em seu entender, bem como no do seu rival
Fénelon, nunca as sociedades humanas viveram realmente em estado de natureza, porque desde o início os homens sempre se mostraram
sociáveis, sendo impensável conceber a humanidade sem a existência de sociedade. Tanto Bossuet como Fénelon apenas consideram
possível a existência nos tempos pristinos de uma comunidade única vivendo numa espécie de paraíso, que se tornou impossível
de manter devido à multiplicação do género humano.
Au-delà des nuances qui les séparent, Bossuet et Fénelon se rattachent à la tradition la plus
strictement absolutiste de l'origine du pouvoir souverain. Ni l'un ni l'autre ne reconnaissent un contrat politique originel;
et par suite ils refusent l'existence de la clause d'annulation qu'impliquait ce contrat: Les contractants sont toujours
en droit de le rompre quand l'un d'eux manque au conditions stipulés. Il ne peut donc exister de légitimation de la révolution
d'instauration ou de dissolution du pouvoir puisqu'il ne peut exister de rupture de contrat.
[In Jean Marie Goulemont, Le règne
de l'Histoire. Discours historiques et révolutions XVIIe-XVIIIe siècle, p. 208.]
(22)
Vide idem, ibidem, livro I, artigo II, proposição 1ª.
(23)
Vide idem, ibidem, livro I, artigo II, proposições 2ª e 3ª.
(24)
Vide idem, ibidem, livro I, artigo III, proposições 1 a 3.
(25)
Vide idem, ibidem, livro I, artigo III, proposição 4ª.
(26)
Vide idem, ibidem, livro I, artigo III, proposição 6ª.
(27)
As is well known, Bossuet conceded
different sorts of legitimate government in conformity with his Augustinian view of politics, but preferred monarchy as the
most natural, and consequently the most enduring, and therefore also the strongest. This government should be absolute,
a state in the person of the prince, but it should not be arbitrary for that is barbaric and odious.
The specially important attribute of absolute government was in respect to constraint (la force coactive) in right
and in fact. Through the powers of a king such force could be exercized not only legitimately but, as it were, sacrally, as
a commission from the God. Moreover, ...public peace (repos) obliges kings to keep everyone in fear, the
great even more than the simple citizens... The king, as a lieutenant of God and cast in God's image, must cultivate relentlessness
as well as great mercy. And as for God; He lives eternally; his wrath is implacable and always lively; his power is invincible;
he never forgets; he never grows weary; nothing escapes him.
[In George Armstrong Kelly, Mortal
politics in eighteenth-century France, p. 3.]
(28)
CONCLUSION - Nous avons donc établi par
les écritures, que la royauté a son origine dans la divinité même:
Que Dieu aussi l'a exercé visiblement sur
les hommes dés les comencements du monde.
Qu'íl a continué cet exercise surnaturel,
et miraculeux sur le peuple d'Israel, jusqu'au temps de l'établissement des rois:
Qu'alors il a choisi l'état monarchique,
et hereditaire, comme le plus naturel, et le plus durable:
Que l'exclusion du sexe né pour obéir,
était naturelle à son souveraine puissance.
Ainsi nous avons trouvé, que par l'ordre
de la divine providence, la constitution de ce royaume était dés son origine le plus conforme à la volonté de Dieu, selon
qu'elle est déclarée par ses écritures.
Nous n'avons pourtant pas oublié: Qu'il
parait dans l'antiquité d'autres formes de gouvernements, sur lesquelles Dieu n'a rien prescrit au genre humain: en sorte
que chaque peuple doit suivre comme un ordre divin, le gouvernement établi dans son pays; parce que Dieu est un Dieu de paix,
et qui veut la tranquillité des choses humaines.
Mais comme nous écrivons dans un état monarchique,
et pour un prince que la sucession d'un si grand royaume regarde; nous tournerons dorênavant toutes les instructions que nous
tirerons de l'Écriture, au genre de gouvernement où nous vivons: quoique par les choses qui se diront sur cet état, il sera
aisé déterminer ce qui regarde les autres.
[In Bossuet, Politique tirée des propres paroles de l'Écriture Sainte, pp. 79-80.]
(29)
Numa narração histórica (publicada no ano de 1846) de um torneio-real realizado em 1795 na corte
de Lisboa, destinado a festejar o nascimento do príncipe D. António (herdeiro presuntivo da coroa), encontramos uma passagem
onde o autor da relação, decerto um idoso e fútil cortesão, revela o seu fascínio pela monarquia hereditária, apesar de fazer
questão em não indicar se está mais afeiçoado à realeza absoluta ou à constitucional. Contudo, é bem possível que preferisse
a primeira, seja pela natureza do assunto abordado no seu escrito, mas também devido ao facto bem esclarecedor de omitir qualquer
referência à revolução setembrista de 1836 (talvez por a achar ofensiva da majestade do trono):
Em 1795 em tão fausta, e solene ocasião agradou a ideia de um festejo português, e desusado,
e que pelo seu custo, brilhantismo e raridade excitasse a curiosidade, e admiração pública: e aprovada a ideia lembraram-se
de um torneio real, a que também chamaram cavalhadas, que fazem o objecto desta resumida relação histórica, nas quais eu entrei
e fui um dos 32 cavaleiros.
A continuação da descendência real da Casa de Bragança reinante, o nascimento de um príncipe
foi o grande e poderoso motivo deste estraordinário festejo. A monarquia hereditária, seja constitucional, seja absoluta é
a melhor forma de governo; assim o demonstraram os melhores publicistas, os veneráveis professores de Direito Público; assim
o confirmaram os inovadores franceses, arrependidos e envergonhados dos atentados a que os arrastou a anarquia, que bem cara
lhes custou, porque quase todos eles pagaram com a vida nos patíbulos os seus crimes, as suas loucuras; assim o prova a canonização
política, deste alicerce estabelecido como lei fundamental em toda a Europa, nas monarquias absolutas, como nas constitucionais,
como nas despóticas; e assim o proclamou Portugal em 1143, em 1640, em 1820, em 1826, 1833, e em 1842. Sessenta anos de sujeição
à Espanha foram uma lição mestra para a nação portuguesa, sempre fiel à família reinante, por moralidade religiosa, por afinco
à sua independência nacional, e por força de entendimento, e bom senso prudencial.
[In José Sebastião de Saldanha Oliveira e Daun (Senhor de Pancas), Relação histórica (resumida)
das cavalhadas ou torneio-real que se fez na corte e cidade de Lisboa no ano de 1795, pp. 8-9.]
(30)
Embora exceda os limites cronológicos deste estudo, parece-nos essencial aludir às esperanças
acalentadas pelos monárquicos portugueses nas décadas de trinta, quarenta e cinquenta do presente século, porque isso nos
ajuda a perceber o afã editorial em republicar as obras de autores monarquistas do Antigo Regime português.
Em 1932, durante a redacção da constituição plebiscitada no ano seguinte, os realistas portugueses,
mau grado a inesperada morte de D. Manuel II, persistiram no seu intento de restaurar a monarquia, mas Salazar, cauteloso,
frustrou as esperanças dos seus antigos correligionários e proferiu um discurso onde declarava, a dado passo, que fechado
e piedosamente abrigado na terra da Pátria, o túmulo do último rei, não será o momento de rever a ordem de precedência das
ideias e das coisas.
[Vide A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal, vol III, p. 416.]
O revés não esmoreceu os realistas radicais, imbuídos das ideias de Sir Charles Petrie e de
Charles Maurras, cujas obras - a Monarquia e o Pequeno manual do inquérito sobre a monarquia, respectivamente
- foram editados em português na década de quarenta. Entre eles militavam personalidades como Hipólito Raposo (Nos caminhos
da esperança), António Sardinha (Seara de esperança), Fernando Amado (Estrada Real), Pequito Rebelo (Pela
dedução da monarquia), Luís de Almeida (Sob o pendão real), Rolão Preto (A monarquia é a restauração da inteligência),
Alfredo Pimenta, Cabral Moncada, Fernando de Sousa e Mário de Figueiredo.
Este último, uma das personalidades mais influentes do regime, chegou a ponderar na Comissão
Executiva da União Nacional (reunida logo após o falecimento do marechal Carmona em 1951), se a morte do Presidente da República
e a circunstância de nesse momento a Assembleia Nacional estar a discutir os poderes do chefe do estado no âmbito da revisão
constitucional em curso, não deveria ser encarada como um facto providencial para decidir se continuamos em república
ou se restauramos a monarquia.
[Vide Marcelo Caetano, Minhas memórias de Salazar, citado por Fernando Rosas, in Nova
História de Portugal - Portugal e o Estado Novo [1930-1960], cap. III - "As relações entre as forças armadas e o regime
(1933-1960)" -, vol. 12º, p. 185.]
O ultra-montanismo dos monárquicos portugueses do século XX, próximo da monarquia tradicional
e crítico da constitucional, explica em larga medida as várias reedições de obras do Antigo Regime defensoras da realeza absoluta.
Alguns desses livros (quase todos com a chancela das Edições Gama - colecção "Clássicos do Pensamento Político") encontram-se
citados na bibliografia do nosso trabalho; a saber:
- Sebastião César de Meneses (Bispo conde de Coimbra), Suma Política, editada em 1649
e reeditada em 1945 com um estudo introdutório de Rodrigues Cavalheiro.
- Frei Jacinto de Deus, Braquilogia de Príncipes, editada em 1671 e reeditada em 1956
com um estudo introdutório de Hipólito Raposo.
- Frei João dos Prazeres, Abecedário real e régia instrução de príncipes lusitanos, composto
de sessenta e três discursos políticos e morais, editada em 1692 e republicada em 1943.
- Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses (3º marquês de Penalva, Dissertação a favor da
monarquia, escrita em 1799 e editada em 1942.
- António Joaquim de Gouveia Pinto, Os caracteres da monarquia, editada em 1824 e publicada
em 1944 na colecção Cultura Política da editora Pro Domo.
(31)
In António Carvalho de Parada, Arte de reinar, Livro I, Discurso II.
(32)
In Sebastião César de Meneses, Suma política, p. 6.
(33)
Suponho, não disputo, a necessidade de governo. Se o corpo não vive sem alma, nem o mundo sem
governo. Divide-se em monarquia, aristocracia e democracia. Não disputo da melhoria, ofereço as espécies. Cada uma tem patronos.
Não há pecado que não tenha seu doutor.
Plutarco, Licurgo, Aristóteles, Séneca e Platão, defendem a monarquia. Jerónimo, Hilário e Santo
Tomás a engrandecem. Heródoto a não condena, afeiçoado mais à aristocracia. Esta aprovaram os atenienses na criação dos seus
éforos. Os romanos e lacedemónios julgaram que a democracia era de maior utilidade. Cada um defenda e sustente a parte que
mais puxa por sua afeição, que eu sigo meu fim, que é mostrar as condições dos príncipes.
[In Frei Jacinto de Deus, Braquilogia de Príncipes, pp. 15-17.]
Parece-nos importante precisar que este trecho está recheado de equívocos e erros históricos.
Antes de mais, já o demonstrámos na primeira parte do segundo capítulo, não se nos afigura indiscutível a preferência de Aristóteles
ou Platão pelo regime monárquico; depois, é necessário ter em consideração que os cinco éforos não fazem parte da constituição
ateniense decretada por Sólon no início século VI a.C. (entre 594 e 560) - reformada por Clístenes no biénio de 509-5O7 -,
mas sim das instituições oligárquicas espartanas - "lacedemónias" - (Frei Jacinto de Deus confunde-os, aliás, com os dois
reis nelas previstos).
(34)
Sempre em Direito as provas tiradas da antiguidade foram de um grande peso na balança
da justiça; e é por isto que se indica a Antiguidade como o primeiro carácter, por que se distingue a monarquia (considerada
ela relativamente a si mesma) como a melhor forma de governo; e a história, e a razão o comprovam do modo o mais sensível,
e palpável; pois que sendo em todos os tempos a antiguidade das coisas um móvel, que nos inclina, por meio do amor, e da opinião
a respeitar os objectos, que no-la inculcam é preciso, que prestemos ao governo monárquico as honras e veneração, que pela
sua antiguidade merece.
[In António Joaquim de Gouveia Pinto, Os caracteres da monarquia, pp. 61.]
(35)
A Justiça, o prémio, e as boas leis serviriam mui pouco, e seriam seus nomes um aparato vão,
se não fosse observada a virtude, cujo domínio se estende não só às acções exteriores, mas também a ordenar os ânimos e seus
efeitos.
Sem virtude como haveria fé nos contratos, e como viveria o cidadão seguro da violência e capricho
de outro mais forte e malicioso? Mas paremos aqui... pois que tendo nós a felicidade de termos um monarca tão virtuoso, como
(ou mais ainda) foram seus Augustos Progenitores, que todos tiveram um verdadeiro conhecimento da Lei de Deus, origem pura
e eficaz de toda a virtude...
[In idem, ibidem, pp. 125-126.]
Numa monarquia os homens são mais virtuosos, porque aprendem desde a infância a ser leais ao
legítimo soberano e obebedientes às suas leis:
Os vassalos de uma monarquia nem sempre são perfeitos, nem se livram de paixões. Os zelos, a
inveja, a avareza, a ambição, a hipocrisia, são vícios que atormentam, e castigam frequentemente as monarquias: mas a reforma
é tão fácil, e suave nestas, como é difícil nos governos populares.
Os vassalos de um monarca, nascidos à sombra de um trono, a cujas leis começaram a obedecer
desde o primeiro uso da sua razão, e que apenas conheceram a sociedade logo ouviram com respeito o nome augusto do seu rei,
acharam em seus corações gravados, antes do sentir, as ideias de lealdade, e submissão fiel à majestade.
[In idem, ibidem, p. 80.]
(36)
Nas repúblicas os objectos mais indiferentes deixam de o ser. O modo de viver, a escolha de
comidas, os vestidos, o número de criados, e quanto pertence às comodidades da vida; as sociedades particulares, a amizade,
as conversações, suas maneiras, e enfim o que é menos importante no homem moral, e que se olha com indiferença, em uma monarquia
está ali ordenado, como princípio de costumes.
[In idem, ibidem, p. 96.]
(37)
A desigualdade de títulos, de distinções e de honras, é um estímulo, que esforça a obrar bem
aos particulares, segundo a inclinação do amor próprio. Os trens, os espectáculos, e o esplendor pessoal, que fazem parte
da grandeza do reino, são bens permitidos, que concorrem a dar honra à nação.
Usar com franqueza dos próprios bens, aspirar à honra, e desejar um distintivo, é uma permissão
justa, que a mesma natureza sugere, e esta faz uma lei na monarquia.
[In idem, ibidem, pp. 96-97.]
Premiar a virtude dos súbditos é, sem dúvida, uma das principais obrigações dos reis:
Assim como as penas são necessárias para a guarda das leis, e conservação do governo; assim
também o são os prémios, e recompensas, como um meio acessório, auxiliar. útil, e agradável.
Premiar a virtude é um acto de Justiça Distributiva. Que maior bem se pode contemplar sobre
a terra, que ver por uma parte castigadas a traição, a violência, a rapina etc. e por outra exaltado, e premiado o merecimento,
erigidos à sua memória estátuas, e templos? A mão que premeia, imita a acção da Divindade em recompensar a virtude, e deprimir
o delinquente.
Ora o conhecimento prático dos homens, que serve para dirigir com acerto a mão que recompensa,
é mais óbvio, e contínuo nas monarquias, que nas repúblicas; porque a verdade naquelas encontra menos obstáculos para subir
ao trono do monarca; e porque os vassalos descobrem desde a educação as inclinações, que nos períodos sérios da vida têm de
dominar o seu carácter.
[In idem, ibidem, pp. 103-104.]
António Joaquim de Gouveia Pinto sustenta que a escolha e justa recompensa dos melhores vassalos
- Homens Grandes -, realiza-se mais facilmente nas monarquias absolutas do que nos regimes populares, sempre temerosos
do arrojo individual:
Um rei absoluto pois, acha diante de si mais meios para desenvolver as qualidades de espírito
de seus vassalos, para as pôr no caminho da glória humana, e as alentar, que o governo popular.
Um senado popular detesta a ambição, por mais moderada que seja: e uma monarquia alenta-a, deixa-lhe
um livre vôo nos espaços da fortuna, e ainda a inflama, a autoriza, a celebra, e a recompensa.
[In idem, ibidem, p. 108.]
(38)
Mil causas concorrem para que as eleições dos representantes do povo não sejam conformes. As
relações de sangue, de amizade, de agradecimento, etc., influem muito depois nas deliberações dos eleitos. E nós outros, que
vimos as eleições de deputados para as nossas denominadas cortes, para camaristas constitucionais... que diremos! Não é preciso
avivar essas chagas, que parece ainda estarem a verter sangue! Que subornos, que intrigas, que astúcias, que calúnias... Que
homens!... Deixemos isto à consideração dos que viram, e presenciaram.
Em uma monarquia porém há uma distância tão grande do vassalo ao príncipe, que se não pode unir
a sua soberania, nem humilhar-se confundindo-se com aquelas relações, que ligam os cidadãos entre si.
[In idem, ibidem, pp. 100-101.]
(39)
Quem for versado na história facilmente há-de conhecer, que sempre floresceram os estados à
proporção que neles floresceram as letras: e parece que as repúblicas desde a sua origem se têm proposto a sufocar as ciências,
as artes, e a indústria, detestando sua profissão, ou inclinando o ânimo dos povos, que governam, para objectos frívolos.
(Que glória mais sólida, que a que resulta aos homens da sabedoria, origem do nosso bem, base da política, apoio da sociedade,
e consolação dos homens!)
Platão, esse espírito popular, não separou do seu governo os poetas? Rousseau, esse filósofo
republicano, não se enfureceu com bílis exaltada contra as ciências, e as artes?
[In idem, ibidem, p. 105.]
(40)
Se a antiguidade, como fica exposto [ver nota 33], justifica ser a monarquia
o governo, que melhor quadra aos povos, também a posse, e um pleno exercício do poder, que em todo o governo denota quem é
o soberano, põem nas mãos do monarca absoluto uma autoridade independente, como essencial na monarquia: porque dividir a autoridade
em diversas potências, comunicando-a a muitos indivíduos, como acontece nos governos mistos, para fixar pela dependência de
uns com outros o justo equilíbrio, é um meio muito débil para conter o abuso do poder posto na soberania de um só: porque
a divisão, que então se faz da soberania, comunicando-a a diversos membros, é o princípio activo do abuso: porque concede
a cada um deles o direito de prestar o seu consentimento a todos os actos do poder legislativo; e como eles são homens e sujeitos
por isso a paixões particulares, em mais perigo fica o abuso do poder repartido por muitos, que residindo em um só.
[In idem, ibidem, pp. 71-72.]
À exclusiva competência legislativa do rei absoluto, decorrente da sua Independência política,
junta-se o "carácter" da Unidade, que lhe atribui o pleno exercício do poder executivo, embora este não seja arbitrário, como
sucede nos regimes despóticos:
Sendo um princípio certo de que o homem não pode viver sem sociedade, que esta sociedade não
pode existir sem forma de governo, e que a forma de governo preferível a todas as mais é a monarquia, como fica dito, e mostrado;
assinando-se dois principais motivos desta preferência nas monarquias; isto é, por haver nelas mais unidade, e porque a sua
acção é mais executiva, segue-se que um dos seus principais caracteres é a mesma unidade.
É verdade, que o governo monárquico convém com o arbitrário na unidade; porém três são os principais
caracteres por que se destingue o despotismo das outras formas de governo da Europa: - 1º que no arbitrário não se conhece
outra lei mais que a vontade do soberano, que atropela, e passa por cima de todas as leis civis, positivas, e divinas; e pelo
contrário no monárquico, como o nosso, em que o cidadão, ainda que seja o mais obscuro e desconhecido, goza da protecção das
leis, e estas sendo conhecidas do povo as têm como regra, para regular suas acções; nele são respeitadas as leis antigas,
sagradas, positivas, e civis; editam aos vassalos sua defesa, e segurança, sendo nulo de direito tudo o que se obra contra
a forma das mesmas.
O 2º carácter do governo despótico é ofender, e destruir a propriedade dos bens. Nada
possuem os miseráveis em um país, onde o acaso, e o favor são os que decidem; e onde não há direito legítimo de sucessão:
pelo contrário no monárquico, como o nosso, aonde a bondade, e a justiça guardam o rei, e o seu trono está fundado sobre a
clemência. - Misericordia et veritas custodiunt regem, et roboratur clementia thronus ejus [Provérbio de Salomão,
Cap. 20, v. 28]. É a vista dos monarcas uma espécie de encanto para os vassalos, quando eles são justos: e então cada
cidadão goza da sua propriedade, e direito de a deixar a seus filhos.
O 3º carácter do despotismo é que o príncipe, ou estado, dispõem não dos bens, mas da vida,
e honra de seus vassalos, só pela sua vontade; e pelo contrário nas monarquias, em que tudo está sujeito à lei."
[In idem, ibidem, pp. 75-77.]
(41)
E finalmente se recorremos à história dos governos, achamos sem dúvida, que os monárquicos têm
tido maior duração que os republicanos, ou populares.
Que república houve jamais tão permanente como a monarquia dos Assírios? Durou sem
interrupção 1400 anos, segundo Diodoro, Eusébio, e Justino. O reino dos Citas parecia eterno. Lacedemónia, Atenas, Esparta,
Siracusa e quantas repúblicas floresceram, na antiguidade, nem gozaram de uma existência tão durável, nem resistiram tão fortemente
aos motivos que as aniquilaram. Roma, essa famosa e sábia nação, não pôde permanecer mais de 480 anos como república: quando
pelo contrário o domínio dos imperadores no Oriente permaneceu desde Júlio até Constantino 1483 anos; e no ocidente desde
César até Augusto durou mais de 500, e até Carlos Magno passou de 800. E que diremos da república francesa e da nossa monarquia,
e do governo constitucional [note-se que António Joaquim de Gouveia Pinto compara o regime monárquico-constitucional
vintista a uma república], nela estabelecido? Todos sabem qual foi a sua efémera duração: e por isso concluo este primeiro
ponto com este princípio de verdade inegável: -Todo o governo em que domina a ambição, e a licença, não é durável.
..... Ubi non est pudor, nec cura juris, sanctitas, pietas, fides, instabile regnum est: - (disse Séneca)."
[In idem, ibidem, pp. 85-86.]
A longevidade das monarquias é uma consequência da transmissão hereditária da coroa, que obriga
os soberanos a preservarem intacto o seu poder, além de estimular a deferência dos súbditos pela legitimidade dinástica:
Assim como é princípio incontestável, que os reis, como ministros de Deus, e depositários do
seu poder, o devem sempre conservar sem nunca o alienarem, sendo como uns usufrutuários da autoridade real, que a devem conservar
intacta para o seu sucessor; assim é também princípio inegável, que o vassalo jamais tem direito de se opor à sucessão do
trono, ou seja hereditário ou electivo; e que a sua obrigação sagrada é, como membro da sociedade, obedecer e respeitar a
pessoa que o ocupa; pois que sendo legitimamente aclamada, recaem nele os direitos primitivos e essenciais da soberania.
[In idem, ibidem, pp. 112-113.]
(42)
O cidadão, ou vassalo, que prestou o seu consentimento a um representante do povo, por que há-de
ser mais livre, que o outro que entregou a um monarca a sua vontade?
Nas monarquias não há magistrados sábios, zelosos e prudentes, que distinguem com mais tino,
e circunspecção que o povo, os inconvenientes de uma lei, que se oponha aos direitos do cidadão? A sua consciência, a sua
honra, o seu estado, o seu interesse, o seu nascimento, os obrigaria naquele caso a representar ao soberano tais prejuízos.
E assim concluirei este artigo dizendo que, se a Liberdade bem entendida é a faculdade
de dispormos, segundo as leis, de nós mesmos, e de quanto nos pertence, seremos mais livres, segundo o maior número de coisas
que as leis nos permitam fazer, sem agravo de nós mesmos, e de nossos semelhantes.
[In idem, ibidem, p. 93.]
(43)
Se o monarca não fosse o legislador, que coisa se obraria no reino em que não tivesse influxo
o interesse, e as intenções pessoais, que seriam o único móvel do Estado?
Os legisladores, que vissem atadas as mãos do príncipe, estariam sempre em oposição, para abater
a majestade; e esta oposição tenaz, e descontente, faria infrutuosos os desejos mais rectos, e saudáveis de procurar o bem
da sociedade.
O legislador cioso de outro cargo, que tem a autoridade de executar, está sempre disposto a
deixar perecer a pátria antes do que opor-se às máximas inflexíveis dos seus aderentes.
[...]
O rei para poder concorrer para o bem do seu povo, precisa uma autoridade completa, livre, e
independente; uma autoridade que possa servir-lhe, sem restrição, sem contradição, sem respeitos humildes; uma autoridade
pronta, poderosa e activa, que obre sem obstáculos, que detenham sua força, quando o exigem a conservação, e os bens do povo.
Sem o príncipe ser o legislador poderão unir-se estas qualidades essenciais a todo o governo? Digam-no os portugueses e espanhóis,
que acabam de ver o que praticaram os seus legisladores constitucionais!... Quem lhes daria a eles, ou antes aos revolucionários
de 24 de Agosto de 1820, o poder e autoridade de alterar a nossa antiga forma de governo?
[In idem, ibidem, pp. 116 e 117.]
(44)
A legislação é a ciência mais exposta a sofrer os rigores da razão humana, talvez porque é a
mais necessária; e em nenhuma são tão temíveis as opiniões novas, como naquela, que serve de regra, ou de freio às operações
do homem.
As noções que se bebem em os modernos publicistas (que enganam facilmente aos incautos, e que
até me iam iludindo em tempo de menores estudos) devem ser olhadas como perigosas; porque não tendo por base os costumes,
os princípios da religião, o Direito Natural, e o das Gentes, formam um novo sistema, e uma nova legislação, a qual sem princípios
certos, sem prevenir inconvenientes futuros, e sem nenhuma uniformidade, despreza quanto tem relação com as máximas, e vidas
dos passados. Que erro!
[...]
Não digo também, que se não devam fazer leis novas; mas o que impugno é a sua multidão, que
origina confusão, serve de peso à memória, e talvez que se contradigam entre si. Que é necessária, e mui necessária, uma pronta
reforma nas nossas leis, ninguém o ignora; mas é de notar que esta reforma deverá só versar as leis civis, e criminais, e
não quanto às fundamentais da monarquia, para que se não altere a antiga forma de governo, estabelecida por Deus em Portugal,
já que felizmente a vemos restabelecida, como por um pródigo.
[In idem, ibidem, pp. 122 e 123]
(45)
Em 1959 os norte-americanos French e Raven, partindo de uma perspectiva psicossocial dos fundamentos
da autoridade, propuseram na sua obra The bases of social power um modelo de análise que distingue cinco bases do poder,
frequentemente concomitantes nos diferentes sistemas sócio-políticos.
Para estes dois sociólogos, o poder de recompensa é uma capacidade de influência que
se traduz no facto de dar o direito a um indivíduo de distribuir recompensas a outros e nisso manifesta o seu poder; o
poder coercivo consiste em reforçar a legitimidade daqueles que o possuem através da capacidade de sancionar aqueles
que não obedecem às suas ordens; o poder legítimo resulta da capacidade de influência de um indivíduo em virtude
da posição que ocupa numa estrutura hierárquica que lhe confere uma autoridade determinada pelo seu estatuto; o poder
de referência encontra-se baseado nas características de um indivíduo que levam outro a imitar as suas condutas,
uma relação mimética só possível porque ele [o detentor do poder] é idealizado; o poder do perito
assenta no ascendente obtido por alguém que adquiriu um conjunto de conhecimentos ou uma perícia que os outros não têm
e que lhe confere um domínio e uma habilidade caracterizadas num domínio.
[In Gustave-Nicolas Fischer, A dinâmica social. Violência, poder, mudança, pp. 103-106.]
(46)
O temor da opinião pública europeia em relação aos possíveis excessos da tirania real foi convenientemente
explorado pelos opositores da monarquia absoluta. Numa gravura seiscentista de um anónimo holandês, por exemplo, critica-se
frontalmente a política expansionista de Luís XIV na Flandres, qualificada de usurpadora (a imagem do soberano francês assemelha-se
a um puzzle onde as peças representam as cidades flamengas subjugadas pelo Rei Cristianíssimo [Fig. 110]).
Nem sempre, devemos reconhecê-lo, a recriminação do belicismo do Rei-Sol significou uma refutação
pura e simples do absolutismo. Um caso bem elucidativo é o Mars Christianissimus (1693) de Leibniz, obra em que o filósofo
alemão satirizou o imperialismo francês, apesar de ter sido um apoiante convicto da administração de Luís XIV a nível interno
e admirador da sua política mecenática:
Leibniz perceived that the Sun King's
aggressions were provoked by unadmitted fears. In a memorandum entitled Consilium Aegyptiacum, wich he adressed to
Louis XIV in 1672, Leibniz advises the French king to abandon his plans for attacking Holland and the Empire and to turn his
attention to Egypt - the Holand of the East - as a more attractive goal. Napoleon would take this road, but the Sun
King, continental to the core, stayed in Europe. In 1683, the year the Turks besieged Vienna, Leibniz published an exposé
of Louis' designs for the conquest and dismemberment of Europe under the title Mars Christianissimus, wich echoes Erasmus'
description of Pope Julius II. Leibniz was familiar with the work of the third force, political thinkers and theologians
in the circle of Charles V and Ferdinand I, and continued where they left off.
[In Friedrich Heer, The Holy Roman
Empire, p. 225.]
Poucos autores do Antigo Regime, na verdade, denunciaram tão corajosamente a tendência dos reis
absolutos para serem déspotas como o fez Alfieri no Tratado da Tirania (1777), um poeta e dramaturgo italiano de origem
nobre que não distinguia a monarquia da tirania, precisamente porque os reis monopolizavam todos os poderes (legislativo,
executivo e judicial):
Monarquia é o termo melífluo que a ignorância, a bajulação e o temor davam e dão
a semelhantes governos. Para lhe demonstrar a incongruência, creio que basta a simples análise lógica do termo. Ou monarquia
quer dizer autoridade exclusiva e preponderante de um só, e nesse caso é sinónimo de tirania; ou quer dizer autoridade
de um só vinculado por leis, as quais, para poderem refrear a autoridade e a força devem necessariamente ter uma força
e uma autoridade que, pelo menos, igualem a do monarca; e logo que num governo se encontrem duas forças e autoridades em equilíbrio,
deixa manifestamente de haver monarquia. Esta palavra de origem grega outra coisa não significa, em suma, senão o governo
e autoridade de um só. Subentende-se que esse governo se faz com leis porque nenhuma sociedade pode existir sem possuir algumas
normas que a disciplinem; mas subentende-se ao mesmo tempo que se trata de uma autoridade de um só sobre as leis porque
ninguém é monarca onde existe uma autoridade superior ou igual à sua.
[In Vittorio Amadeo Alfieri, Tratado
da Tirania (Della Tirannide), pp. 58-59.]
(47)
In every well-constituted kingdom
the officers of the kingdom, princes, peers, patricians, magnates, and others chosen by the different estates are of this
type. Both the ordinary and the extraordinary councils - the parliament, diet, and other assemblies which have different names
in different regions - were drawn from them; and in these provision is made lest either the commonwealth or the church should
suffer damage. As individuals [ut singuli] the
officers are inferiors to the king, but all together as a whole [universi] they are superiors.
[In Vindiciae, contra tyrannos:
or, concerning the legitimate power of a prince over the people, and of the people over a prince, p. 47.]
(48)
For those princes who are not content
with that jurisdiction which Almighty God has bestowed upon them, break the bounds, and attempt to usurp by force that supreme
jurisdiction which He has retained for Himself over all. It is not, I say, enough for them to use the goods and bodies oh
their subjects in accordance with their own whim and pleasure, unless they also arrogate to themselves the souls of the wretched,
wich are the absolute preserve [peculium] of
Christ. Nor are they content with the earth, but they even advance daringly on heaven itself and try to seize it with scaling
ladders. Evidently, as the poet Ovid says: By every lawful means they try to win the heavens. Quirinus, Liber, Alcides,
and now Caeser have their temples.
[In idem, ibidem, p. 15.]
(49)
Os católicos franceses já defendiam sem rebuço as ideias monarcómacas desde 1625, quando o governo
de Luís XIII se incompatibilizou com a Santa Sé e declarou o núncio apostólico persona non grata. Dois meses após a
expulsão do delegado pontifício, circulavam em Paris dois panfletos denominados Misteria Politica e Theologii ad
Ludovicum decimum tertium (este último foi traduzido para vernáculo e publicado sob o significativo título de Advertissement
au roi) incitando à insubordinação popular contra o poder régio, sendo voz pública de que seriam ambos obra dos jesuítas:
Au-delà de la dénonciation, précise mais ponctuelle dans les Mysteria, des alliances
impies du roi de France qui avait signé l'année précédente un traité avec les Provinces-Unies, il s'agissait, surtout dans
l'Advertissement, d'un appel à la révolte ouverte d'abord sous une formulation interrogative: 1. Scavoir si les Estats du Royaume doivent admonester le Roy publiquement de la confédération
qu'il fait avec les hérétiques [...]. 3: Si le roy faisant
la guerre contre les catholiques et introduisant l'hérésie aux Privinces etrangères, soit de fait excommunié [...].
6: Si l'on peut par moyen d'arme résister au Roy qui afflige et perd son Royaume [...]. Venait ensuite la
menace ouverte: Sa Sainteté voyant que par vos violences la religion s'anéantit dans toute l'Europe, sera contrainte par
son obligation de défendre sa bergerie et de se servir de ses armes qu'il a accoutumé combattre en tels dangers devant la
ruine totale de la religion, vous biffant hors de l'Église et relâchant l'obligation que vos sujets vous doivent. Les
pamphlets ramenaient au jour les menaces et les arguments mêmes qui avaient affaibli le pouvoir monarchique à la fin du siècle
précédent et préparé le meurtre de deux rois.
[In Michèle Fogel, Les céremonies de l'information dans la France du XVIe au XVIIIe siècle, pp. 200-201.]
Os apaniguados do absolutismo régio reprovavam estes incitamentos à desobediência civil. Hobbes
chega mesmo a exortar os súbditos a jamais deixarem de cumprir as ordens do seu legítimo monarca, mesmo que este seja ímpio:
E quando o soberano civil é infiel, todos aqueles seus súbditos que lhe resistam pecam contra
as leis de Deus (pois tais são as leis da natureza) e rejeitam o conselho dos apóstolos, que aconselhavam todos os cristãos
a obedecer aos seus príncipes...
[In Thomas Hobbes, Leviatã, p.
451.]
A desconfiança da opinião pública parisiense em relação aos jesuítas era, na conjuntura política
de 1625, um tanto forçada, embora tivesse algum fundamento. Na verdade, a Companhia de Jesus elogiava abertamente as teorias
tiranicidas expostas por João de Mariana (jesuíta) no De rege et regis institutione e pelo cardeal Belarmino nas Controversiae
(a maioria do clero francês também as perfilhava, embora fosse mais discreta a proclamá-las), baseando-se nelas para exaltar
Jacques Clément por ter apunhalado o tirano Henrique III. Anos depois, também Jean Chastel obteve o aplauso dos inacianos
quando atentou contra a vida de Henrique IV, chegando Jean Boucher (cura de Saint-Benoit) a exaltá-lo em duas obras intituladas
De justa Henrici tertii abdicatione Francorum regno e Apologie pour Jean Chastel).
No reinado de Luís XV subsistiam as suspeições que recaíam sobre os inacianos. No interrogatório
de Damiens, que esfaquera o braço do monarca em 5 de Janeiro de 1757, os investigadores da polícia esmiuçaram as ligações
entre os padres da Sociedade e o réu, pois Damiens trabalhara durante largo tempo no colégio jesuíta de Louis-le-Grand.
[Vide Pierre Chevalier, Les régicides.
Clément, Ravaillac, Damiens, pp. 115-119 e 328-329.]
(50)
Ce discours [refere-se à argumentação histórica utilizada pelos panfletários
monarcómacos para demonstrarem que a tirania é a negação da função real] que l'on trouve à l'état d'ébauche dans les
Mazarinades est systématiquement repris dans le Recueil de Maximes Véritables et Importantes pour l'Institution du Roy
contre la fausse et pernicieuse polítique du Cardinal Mazarin... publié en 1652 et paradoxalement réédité en 1663. Ni
factieux ny républicain, Joly [advogado, membro do Parlamento de Paris e autor dos textos mais interessantes escritos
durante a Fronda dos Parlamentares], son auteur, se veut monarchiste fidèle, et il se propose, pour l'instruction
du roi, de mettre au jour les institutions fondamentales de la monarchie. Il s'attache d'abord à définir l'origine de l'autorité
royale. La monarchie est l'oeuvre du peuple. Les Roys, écrit-il, n'ont esté faits que pour les peuples. Car de tous tems
il y a eu des peuples sans Roys, mais jamais il n'y eut de Roys sans peuples. La souveraineté passe donc du peuple au
roi par une délégation que Dieu approuve. De cette origine du pouvoir dérivent les lois fondamentales: lois de succession,
limites données au pouvoir royal, qui reposent sur une sorte de pacte implicite entre le souverain et les sujets. Un tel pacte permet de reconnaitre aux sujets, en cas de violation des lois fondamentales,
le droit de s'insurger contre l'autorité. Cette résistance à l'autorité légitime ne vise pas instaurer une nouvelle
forme de souveraineté: elle tend à ramener la tyrannie aux conditions initiales du pacte.
[In Jean Marie Goulemont, Le règne
de l'Histoire. Discours historiques et révolutions XVIIe-XVIIIe siècle, pp. 46-47.]
(51)
Maria de Médicis, na sua qualidade de chefe do conselho (a maioridade de Luís XIII já fora declarada),
convocou os Estados Gerais em 27 de Outubro de 1614 na sequência da assinatura do Tratado de Saint-Menehould em 15 de Maio,
que pusera termo à revolta liderada por Henrique II de Bourbon (Príncipe de Condé). Este acordo não pôs fim à rebeldia nobiliárquica,
pois, em 1615, o príncipe tornou a sublevar-se, vindo a ser nomeado chefe do conselho após a celebração da Paz de Loudun em
Maio de 1616.
Decorridos onze meses sobre esta data, em 24 de Abril de 1617, Concini, valido florentino da
rainha-mãe, foi assassinado pelos sequazes de Condé.
[Vide Pierre Deyon, La France
baroque, 1589-1661, Histoire de la France, pp. 267-268.]
(52)
A reivindicação da convocação dos Estados Gerais, apresentada com o objectivo de manter o poder
real sob tutela, foi retomada na insurreição nobiliárquica de 1650 (Fronda dos Príncipes):
C'est la rivalité entre Gondi [Cardeal de Retz], Mazarin et Condé
[Luís II de Bourbon], terminée par l'arrestation de Condé, Conti et Longueville le 18 janvier 1650, qui ouvrit la
seconde phase de l'histoire de la Fronde. Les partisans
des princes emprisonnés s'organisèrent dans l'Aquitaine et la région de Sedan, mais ils furent défaits par l'armée royale.
Les événements confus de la Fronde des princes n'auraient
guère d'importance s'ils n'avaient servi de pretexte aux initiatives collectives des deux ordres privilégiés. L'Assemblée
du clergé, qui siégeait à Paris depuis mai 1650, s'opposa à la Cour
et demanda la libération des princes. Elle accepta d'entrer en relations avec une assemblée de noblesse, réunie elle aussi
à Paris, et, après la mise en liberté de Condé, les représentants des ordres privilegiés réclamèrent, en mars 1651, la convocation
des états généraux. À cette exigence, la noblesse joignit une série de doléances et de propositions qui rappellent celles
qu'elle avait formulées en 1614: excès de la fiscalité royale, exactions des agents des gabelles, suppression de la venalité
des charges et création d'un conseil du roi où seraient représentés les trois ordres du royaume. C'était bien d'une réforme fondamentale de l'État qu'il était question.
[In idem, ibidem, pp. 275.]
Estas reclamações dos nobres não traduzem uma completa sintonia entre eles e os parlamentares
parisienses quanto aos motivos que levavam uns e outros a oporem-se ao poder real (a alta nobreza francesa condenou desde
a primeira fronda, segundo revelam as Memórias do Cardeal de Retz, o Parlamento de Paris por só se preocupar em defender
os seus interesses corporativos). Em 1651, a nobreza
de sangue esperava que a convocação dos Estados Gerais proporcionasse a restauração de uma monarquia limitada - imaginada
a partir da sua mítica concepção da realeza medieval -, embora os acontecimentos políticos tenham provado a falta de unidade
entre os príncipes e a total impossibilidade de se entenderem com os magistrados:
Ce sera dans ces États [escreve o Cardeal de Retz em La Conjuration du comte Jean-Louis de Fiesque] que
le clergé trouvera la conservation des privilèges de l'Église gallicane, la noblesse, le retablissement de ses anciennes prérogatives
et immunités, la justice, un appui pour l'observation des lois et le châtiment des crimes, le pauvre peuple, le soulagement
de ses misères, toute la France, la sureté de la liberté
publique, le roi, cette autorité juste et tempérée qui fait également aimer et craindre le souverain de ses sujets, et toute
l'Europe enfin cette bienheureuse paix.
Em mars de 1651, la régente [Ana de Áustria] accepta la convocation d'états généraux; la date du 1er
octobre est proposée. Mais la désunion augmente entre les frondeurs, en particulier entre le Parlement et les princes. Le
24 mars, Monsieur, qui soutient le Parlement, cesse de défendre les revendications de la noblesse et il invite les nobles
à interrompre leurs réunions au couvent des cordeliers: les états généraux n'auront jamais lieu. L'échec de l'assemblée de
la noblesse qui rêvaient d'instituer en France une monarchie tempérée.
[In Joel Cornette, A bas l'État Absolu!,
in L'Histoire, nº 194, p. 34.]
(53)
Spinoza considera absurda a ideia de que o rei pode governar sozinho, pois necessita de ter
assessores (ministros e conselheiros). Estes, no entanto, se acaso merecem a confiança do monarca, transformam-se de imediato
numa espécie de aristocracia camuflada e, nesse sentido, bastante perigosa. Se o soberano, pelo contrário, desconfia por sistema
dos seus coadjutores, então torna-se um tirano.
Assim, para evitar estes perigos, Spinoza opta pela monárquia constitucional, porque neste regime
os orgãos supremos de poder estão devidamente institucionalizados. Note-se, contudo, que esta crítica ao absolutismo não pode
ser confundida com a dos partidários da monarquia tradicional, pois é já precursora do liberalismo oitocentista, embora o
filósofo de Amsterdão não fosse um simpatizante da monarquia, mas sim do governo aristocrático vigente em várias cidades-estado
da civilização helénica:
La aristocracia es un régimen más eficaz
que la monarquia porque garantiza mejor la racionalidad de las decisiones. Con mentalidad muy propria de la Grecia clásica Spinoza nos dice que lo característico de este régimen es que manden
varios y que sean elegidos. La elección es el procedimiento especificamente aristocratico. La verdadera aristocracia
es aquella en que hay verdaderas elecciones.
[In Fernando Prieto, História de las ideas
y de las formas políticas. III Edad Moderna (1. Renacimiento y Barroco), p. 373.]
O poder ilimitado do príncipe, na opinião de Spinoza, desrespeitava as leis de Deus e da natureza,
pondo em perigo os fundamentos da própria sociedade civil:
Os reis da Pérsia eram venerados como deuses e, contudo, não tinham o poder de alterar
as leis estabelecidas, como se verifica pelo livro de Daniel, capítulo V [nº 9]. Em parte nenhuma, que eu saiba,
o monarca é eleito sem que haja condições expressas impostas ao exercício do poder. Isto, na verdade, não é contrário nem
à razão, nem à obediência absoluta devida ao rei, pois os princípios fundamentais do Estado devem ser encarados como decretos
eternos do rei, de tal maneira que, os seus servidores, na realidade, lhe obedecem quando recusam executar as ordens dadas
por ele, porque são contrárias aos princípios fundamentais do Estado.
[Spinoza, Tratado Político, p. 67.]
Estas concepções políticas, como é sabido, trouxeram inúmeros dissabores a Spinoza. O ultra-conservador
governo aristocrático das Províncias-Unidas não apreciava juízos tão heterodoxos, passando-se o mesmo com a comunidade sefardita
de Amsterdão (que o acusou de heresia e o expulsou da sinagoga), cúmplice em todos os aspectos com as autoridades e não menos
reaccionária:
Obedience of Dutch Jews finds its
roots in the early period of Jewish settlement in the Dutch Republic, when the local authorities required obedience of the
communities as such and demanded the jewish governing bodies to confine conflicts and problems of and with their membership
as much as possible to themselves. This demand was finally formulated in the famous draft regulation, that remained a concept,
was by and large effectuated, but never formally adopted by the Estates of Holland, The Remonstrantie nopende de Ordre
etc. written by Hugo de Groot.
[In Joel Cahen, Roots of modernisation
and conservantism in 18th century Dutch Jewry, in O judaísmo na cultura ocidental, p. 48.]
(54)
Leibniz almejava um estado avesso à arbitrariedade, cujas decisões fossem regidas pela razão
e dentro da estrita observância das leis. Essa aspiração do filósofo alemão não estava directamente dependente de uma visão
própria do exercício da soberania, um problema para ele de somenos importância, pois manifestou sempre a convicção de que
a formação da sociedade civil se processara por mero acidente - unum per accidens.
Restringindo-se à realidade política alemã, Leibniz propugna o reforço do poder dos príncipes
alemães, mas tem o cuidado de que esse desiderato não afecte a lealdade devida por cada um deles ao imperador romano-germânico.
Nesta conformidade, recusa o conceito de soberania de Bodin e define esta como o exercício efectivo do poder sobre um determinado
território, secundarizando a questão de o detentor deste múnus temporal estar ou não submetido a qualquer outro tipo de autoridade
terrena:
Se trata de una soberanía que quiere hacer
compatible con la maiestas del Imperio. Durante toda su vida creyó que la idea medieval del Imperio era un sistema
mucho mejor que el moderno sistema de Estados.
[In Fernando Prieto, História de las ideas
y de las formas políticas. III Edad Moderna (1. Renacimiento y Barroco), p. 501.]
Neste contexto, Leibniz rejeita o parecer negativo de Pufendorf sobre os efeitos perversos resultantes
da falta de unidade política do Império Alemão,bem como as ideias de Hobbes acerca da indivisibilidade da soberania:
La falacia de Hobbes consiste en que
piensa que las cosas que lleven consigo algún inconveniente no deberían de existir de ningún modo. Leibniz entiende que este tipo de razonamiento no es correcto en los asuntos humanos.
Aunque es verdad que existen esos inconvenientes, que la soberanía dividida puede ser absolutamente ineficaz, la experiencia
nos enseña que no es así, porque la prudencia humana tiene un papel que jugar. Por exemplo, en el caso de las Provincias Unidas,
aunque basta que una ciudad vote en contra para que no se pueda tomar una decísion, la experiencia enseña que el gobierno
funciona.
Leibniz atacó a Pufendorf, que había llamado
monstruo al Imperio. La argumentación de Leibniz es un recurso a las limitaciones que de hecho tienen los soberanos
de las mayores potencias europeas, Francia, Inglaterra, España.
[In idem, ibidem, p. 501.]
Apesar de ser um assunto estranho ao nosso tema, permita-se-nos que consideremos, a propósito
destas afirmações de Leibniz, ser o sistema de tomada de decisão vigente na Comunidade Europeia (estatuído no Tratado de Roma)
o mais apropriado, não sendo por definição paralisante, como aventam muitos analistas políticos. A dificuldade de encontrar
soluções consensuais é indesmentível, mas uma vez encontradas estas, as resoluções tornam-se muito mais vinculativas do que
o seriam caso houvessem sido aprovadas por maioria e não pela totalidade dos estados membros.
(55)
John Locke atribui ao voto maioritário do poder legislativo, na sua qualidade de máximo representante
do Estado, a capacidade de decidir sobre a forma de governo. Os parlamentares podem optar pelas três formas clássicas de organização
política - democracia, oligarquia e monarquia -, mas é-lhes interdito alienar a soberania que detêm e delegá-la num soberano
absoluto, porque essa atitude resultaria em prejuízo dos inalienáveis direitos civis dos súbditos.
Hence it is evident, that Absolute
Monarchy, wich by some Men is counted the only Government in the World, is inded iconsistent with Civil Society,
and so can be no Form of Civil Government at all. For the end of Civil Society, being to avoid, and remedy those inconveniences
of the State of Nature, which necessarily follow from every Man's being Judge in his own Case, by setting up a known Authority,
to wich every one of that Society may Appeal upon any Injury received, or Controversie that may arise, and which every one
of the Society ought to obey; where-ever any persons are, who have not such an Authority to Appeal to, for the decision of
any difference between them, there those persons are still in the state of Nature. And so every Absolute Prince
in respect of those who are under his Dominion."
[In John Locke, An essay concerning
the original, extent, and end of civil government, in Two treatises of government, p. 326.]
Seguindo este raciocínio, o empirista inglês desdiz com veemência as teses do Leviatã
e, conquanto não o nomeie expressamente, introduz uma nova concepção de legitimidade política; não a que respeita à origem
do poder civil, desde sempre pensada pelos teóricos políticos, mas a referente ao exercício deste:
Locke implicitamente ha añadido una nueva
categoría, la legitimidad de forma: hay formas politicas ilegítimas, al menos la monarquía absoluta.
[In Fernando Prieto, História de las ideas
y de las formas políticas. III Edad Moderna (1. Renacimiento
y Barroco), p. 473.]
(56)
If the innocent honest Man must quietly
quit all he has for Peace sake, to him who will lay violent hand upon it, I desire it may be consider'd, what a kind of Peace
there will be in the World, which consists only in Violence and Rapine; and which is so to be maintain'd only for the benefit
of Robbers and Oppressors. Who would not think it an admirable Peace betwixt the Mighty and the Mean, when the Lamb, without
resistance, yelded his Throat to be torn by the imperious Wolf? Polyphemus's Den gives us a perfect Pattern of such
a Peace, and such a Government, wherein Ulysses and his Companions had nothing to do, but quietly to suffer themselves
to be devour'd
[In John Locke, An essay concerning
the original, extent, and end of civil government, in Two treatises of government, p. 417.]
Para contraditar os seus opositores, que o acusavam de favorecer a insurreição popular ao legitimar
o direito de resistência dos súbditos, Locke argumenta:
...such Revolutions happen
not upon every little mismanagement in public affairs. Great mistakes in the ruling part, many wrong and inconvenient
Laws, and all the slips of humane frailty will be born by the People, without mutiny or murmur. But if a long
train of Abuses, Prevarications, and Artifices, all tending the same way, make the design visible to the People, and they
cannot but feel, what they lie under, and see, whither they are going; 'tis not to be wonder'd, that they should then rouze
themselves, and endeavour to put the rule into such hands, which may secure to them the ends for which Government was at first
erected; and without which, ancient Names, and specious Forms, are so far from being better, that they are much worse, than
the state of Nature, or pure Anarchy; the inconveniences being all as great and as near, but the remedy farther off and more
difficult.
[In idem, ibidem, p. 415.]
(57)
The same themes were reharsed in
the Assembly of Notables which was summoned in 1626. This time Marie de' Medici and her younger son, Gaston d'Orléans, brother
and heir to the childless Louis XIII, led a dissident faction against Cardinal Richelieu, who gradually became chief minister
after 1624. France was involved in the Thirty Years War and the regime was about to launch an attack on the Huguenots, who
were Protestant heretics with the bad habit of calling on foreign powers or rebel princes to protect them against Bourbon
Catholic initiatives.
[...]
The Notables [os oficiais da coroa - juízes - e não tanto os nobres] roundly condemned the
princes and Huguenots for raising private armies and erecting fortifications, dominating high offices of state, negotiating
with foreign powers and levying unauthorised taxes. These prerogatives were deemed to lie with the king and the ministers
of his choice.
[In Nicholas Henshal, The myth of
absolutism, pp. 22 e 23.]
Anos depois (algures entre 1630 e 1638), o Cardeal Richelieu, recordando estes acontecimentos
nada dignificantes para a instituição real, escrevia no Testamento político terem sido as medidas enérgicas do seu
governo que haviam posto termo aos desmandos contra a autoridade do rei:
Lors que Votre Majesté se resolut de me donner en même temps et l'entrée de ses conseils, et
grand part en sa confiance pour la direction de ses affaires, je puis dire avec verité que les Huguenots partagaient l'État
avec elle, que les Grands se conduisaient comme s'ils n'eussent pas été ses sujets, et les plus puissants gouverneurs des
provinces comme s'ils eussent été souverains en leurs charges.
Je puis dire que le mauvais exemple des uns et des autres était si préjudiciable à ce royaume,
que les Compagnies les plus reglées se sentaient de leur déreglement, et diminuaient en certains cas votre legitime autorité
autant qu'il leur était possible, pour porter la leur au delà des termes de la raison.
Je puis dire que chacun mesurait son mérite par son audace: qu'au lieu d'estimer les bienfaits
qu'ils recevaient de V. M. par leur propre prix, ils n'en faisaient cas qu'autant qu'ils étaient proportionnés au derèglement
de leur fantaisie: et que les plus entreprenans étaient estimez les plus sages, et se trouvaient souvent les plus heureux.
Je puis encore dire que les aliances étrangères
étaient méprisées; les interêts particuliers preferés aux publiques; en un mot la dignité de la Majesté Royale était tellement ravalée, et si diferente de ce qu'elle devait être
par le défaut de ceux qui avaient lors le principale conduite de vos affaires, qu'il était presque impossible de la reconnaitre.
[In Cardeal Richelieu, Testament
politique, pp. 5-6.]
(58)
No ano de 1615 teve lugar a rebelião do Príncipe de Condé [ver nota 51] e em Agosto de
1620 eclodiram duas sublevações nobiliárias na Guyenne e na Normandia, lideradas por d'Épernon e Longueville.
(59)
Puis donc (Messieurs) [dirige-se à nobreza francesa] que vostre fidelité
a faict consigner à vostre vaillance la garde des puissances et le depost de nos Roys, tenir ces maximes [alude à defesa
do princípios galicanos na França medieval], que nostre Roy est Souverain et son temporel affranchy de toute domination
[...]. Qui soigneux de l'honneur de la France, le conservez
inviolable contre tous attentat et entreprises [...] qui prenez à gloire de relever d'un Roi qui ne reletre que de Dieu; maintenant
que l'on va publiant une doctrine detestable, contraire à ceste creance vraiment Chrestienne, Catholique et Françoise, tendant
à la Subversion de l'Estat et extermination de vous mesmes,
des Princes, et de nos Roys, d'où depend la seureté publique, le salut du Royaume, et l'espoir des subiects.
[...]
Par vostre valeur incomparable et magnanimes courages, terreur de l'Univers; cref par l'honneur
de vous-mesmes et de vostre profession, que vous preniez garde de faire faux adveu, et mettre vostre feauté en commise, mais
que vous demouriez et mouriez en ceste ferme resolution de vos dignes ancestres, QUE LE ROY N'A POINT DE SUPERIEUR QUE DIEU,
QUE SON ROYAUME N'EST SUBIECT A AUCUNE PUISSANCE SPIRITUELE ET TEMPORELE, en luy rendant tout service, subiection et obeissance.
[In Jean Savaron, Traité de la souveraineté
du roi et de son royaume, pp. 21-23.]
(60)
Socorrendo-se de vários exemplos históricos (menciona o cativeiro de Francisco I de França na
capital espanhola para demonstrar a nulidade do Tratado de Madrid, porque o rei fora coagido a assiná-lo), Jean Savaron enuncia
as seguintes primícias da soberania real: 1º O soberano detém sobre o território um domínio imprescritível e inalienável;
2º O poder do rei é pessoal e intransmissível; 3º A jurisdição régia não está sujeita a qualquer outra autoridade, temporal
ou espiritual.
[Vide Jean Savaron, De la souveraineté du roi et que Sa Majesté ne la peut soumettre à qui
que ce soit ni aliener son domaine à perpetuité, p. 167.]
(61)
Sire.
Le tout puissant, le Roy des Roys, Souverain des Souverains, vous a fait naistre Roy, puissant
et Souverain, vous ayant estably son Vicaire au temporel de vostre Royaume, constitué comme un Dieu corporel pour estre respecté,
servi obey de tous vos Subjects, et donné tout pouvoir et auctorité suprémes, et affranchis de toute Domination autre que
de la sienne, à condition que vous ne pourriés souzmettre ou ceder vostre souveraineté à qui que ce soit, ny aliener le sacré
Domaine de vostre Coronne.
[...]
La Souveraineté est la chose la plus
sacree des choses sacrees, à laquelle il ne faut point toucher, partant elle ne peut entrer au commerce des Princes sans sacrilege,
que les Roys Tres-Chrestiens ont en abomination.
Le depost est inviolable, Dieu vous
ayant consigné sa souveraineté, vous ne la pouvez sousmettre ny communiquer, sans violer la sacré depost et offenser le Souverain.
[...]
Dieu vous a seul delegué avec tout
pouvoir au gouvernement et regime de vostre Monarchie, V. M. ne le peut abdiquer, resigner, deleguer, ou subdeleguer, suivant
la raison des loix civiles et canoniques, et formele dispositions des Gallicanes. La loy Royale, loy d'Estat, loy fondamentale,
loy du Royaume, loy Salique (selon aucuns des Docteurs François) que vostre Majesté est tenue par serment de garder, veult
et ordonne que vostre souveraineté et Domaine soient inalienables, doncques elle ne peut les aliener sans enfreindre ces loix
Augustes et inviolables.
[In idem, ibidem, pp. 3, 5 e 8.]
(62)
Hanté par le souvenir des troubles du siècle précédent, soumis a la pression de l'opinion catholique
volontiers accusatrice, le discours politique du protestantisme va poser le problème de l'autorité et de l'histoire dans des
termes qui, s'ils convenaient aux guerres de religion, s'inscrivent en un porte-à-faux idéologique apparent dans l'histoire
présente.
A cet égard, le Discours de la souveraineté des Roys que domine la condamnation
de toute atteinte à l'autorité royale est exemplaire. La
Révolution Anglaise [refere-se aos acontecimentos de 1648-1649 que conduziram à instauração de um
regime republicano após a execução do rei Carlos I] y étend son ombre naissante. Et il est symptomatique que son auteur, Moise Amyraut, situe son analyse dans une perspective étroitement monarchique,
évitant toute allusion au gouvernement populaire. Sa réflexion vise à montrer qu'à l'intérieur du système monarchique la souveraineté
est nécessairement et naturellement absolue, se qui rend toute rébellion illégitime.
Car la souveraineté consiste premièrement
à n'estre à aucune puissance politique pour lui rendre compte de ses actions: puis après avoir quelques sujets sur lesquels
on commande absolument, et à qui on donne les loix de leur gouvernement avec pleine authorité d'en exiger l'obéissance; ce
qui enclôt nécessairement le pouvoir du châtiment en cas de rébellion.
Il s'agit de prouver, non la supériorité
de la monarchie sur l'aristocratie ou la démocratie, mais de démontrer que le pouvoir monarchique est par essence absolu,
et que son autorité ne peut, même partiellement, être mise en doute. Double mouvement qui vise à innocenter les protestants
de l'accusation de régicide mais qui prouve aussi que, la leçon anglaise ayant déjà porté ses fruits, les contemporains sont
conscients que la moindre résistence au pouvoir menace en profondeur le régime monarchique.
[In Jean Marie Goulemont, Le règne
de l'Histoire. Discours historiques et révolutions XVIIe-XVIIIe siècle, p. 52.]
(63)
A propósito do poder absoluto dos reis, Bossuet diz que os soberanos, na sua qualidade de juízes
supremos, estão desobrigados de prestar contas das suas decisões. Por esse motivo são irresponsáveis, não se achando sujeitos
a nenhum poder terreno, embora possuam a obrigação moral de respeitarem as suas próprias leis (veja-se o livro IV, artigo
1º, proposições 1º à 4ª):
Les rois sont donc soumis comme les autres à l'équité des lois, et parce qu'ils doivent être
justes, et parcequ'ils doivent au peuple l'exemple de garder la justice; mais ils ne sont pas soumis aux peines des lois:
ou comme parle la teologie, ils sont soumis aux lois, non quant à la puissance coactive; mais quant à la puissance directive.
[In Bossuet, Politique tirée des propres paroles de l'Écriture Sainte, p. 125]
Os súbditos, por seu turno, seja qual for a sua importância na hierarquia social, não devem
contestar a autoridade real, devendo mesmo temê-la, pois só assim esta se torna invencível (veja-se o livro IV, artigo 1º,
proposições 5ª à 8ª):
S'il y a dans un état quelque autorité
capable d'arrêter le cours de la puissance publique, et de l'embarasser dans son exercise, personne n'est en sureté.
[In idem, ibidem, p. 130.]
A firmeza, por conseguinte, é um dos apanágios do poder régio, devendo o monarca utilizá-la
para evitar os abusos de poder dos seus ministros e conselheiros (veja-se o livro IV, artigo 1º, proposições 9ª e 10ª):
Tenez-vous donc ferme, ò prince: Plus il vous est facile d'executer vos desseins, plus vous
devez être difficile à vous laisser ébranler, pour les prendre.
C'est à vous principalement que s'adresse cette parole du sage: Ne tournez pas à tout vent,
et n'entrez pas en toutes voies. Le prince aisé à mener, et trop prompt à se resoudre, perd tout.
[In idem, ibidem, p. 139.]
Esta constância impede que o rei titubeie nas suas decisões ou mude amiúde de opinião, afastando-o
das pechas da indolência e da irresolução (veja-se o livro IV, artigo 1º, proposição 11ª e artigo 2º, proposição 1ª):
La negligence abat les toits; les mains
languissantes font entrer la pluie de tous cotés dans les maisons.
Tout est faible sous un paresseux. Soyez
pronts dans tous vos ouvrages, et la faiblesse ne viendra jamais au devant de vous, pour traverser vos desseins.
Les affaires en effet sont difficiles, on n'en surmonte la difficulté que par une activité infatigable.
[In idem, ibidem, p. 141.]
A verdadeira firmeza, porém, difere da intransigência, devendo o monarca aprender a não ceder
às suas paixões (veja-se o livro IV, artigo 2º, proposições 2ª à 4ª):
L'opiniatreté invincible de Pharaon le
fait voir. C'était endurcissement, et non fermeté. Cette
dureté est fatale à lui et à son royaume. L'Écriture en fait foi dans tout le livre de l'Exode.
[In idem, ibidem, p. 142.]
(64)
Considerando o governo como uma obra de razão e inteligência, Bossuet exige aos monarcas
que ajam com sabedoria. O príncipe sábio, cauteloso e respeitador, torna o seu povo feliz, porque é a sapiência e não o furor
a única garantia da prosperidade dos reinos (veja-se o livro V, artigo 1º, proposições 1ª à 6ª):
Dieu donna la sagesse à Salomon, et une
prudence exquise, et une étendue de coeur (c'est-a-dire, d'intelligence), comme le sable de la mer.
Il lui donna la sagesse, pour l'inteligence
de la loi et des máximes; la prudence pour l'application; l'étendue de connaissance, c'est-à-dire, une grande capacité, pour
comprendre les dificultés, et toutes les minuties des affaires. Dieu seul donne tout cela.
[In idem, ibidem, pp. 163-164.]
(65)
[...] há na monarquia o inconveniente de ser possível a soberania ser herdada por uma criança,
ou por alguém incapaz de distinguir entre o bem e o mal. O inconveniente reside no facto de ser necessário que o uso do poder
fique nas mãos de um outro homem, ou nas de uma assembleia, que deverá governar pelo seu direito e em seu nome, como curador
e protector da sua pessoa e autoridade.
[In Thomas Hobbes, Leviatã, p.
160.]
(66)
Hobbes afirma sem qualquer ambiguidade a índole absoluta do poder soberano:
De modo que aparece bem claro ao meu entendimento, tanto a partir da razão como das Escrituras,
que o poder soberano, quer como nos Estados populares e aristocráticos, é o maior que é possível imaginar que os homens possam
criar. E, embora seja possível imaginar muitas más consequências de um poder tão ilimitado, apesar disso as consequências
da falta dele, isto é, a guerra perpétua de todos os homens com os seus vizinhos, são muito piores. Nesta vida a condição
do homem jamais poderá deixar de ter alguns inconvenientes, mas num Estado jamais se verifica qualquer grande inconveniente
a não ser os que derivam da desobediência dos súbditos, e o rompimento daqueles pactos a que o Estado deve a sua existência.
E quem quer que considere demasiado grande o poder soberano procurará fazer que ele se torne menor, e para tal precisará submeter-se
a um poder capaz de o limitar; quer dizer, a um poder ainda maior.
[In idem, ibidem, p. 173.]
Por conseguinte, a supremacia do sumo imperante, mormente nas monarquias, dever ser incontestada
e indivisível. Nas regências, porém, isso não sucede, porque a soberania é exercida em nome do legítimo rei por interposta
pessoa, situação que redunda na fragilização do poder real, como reconhece Saavedra Fajardo (contemporâneo de Hobbes) no quinto
capítulo do livro segundo das Introduções à política:
El mayor peligro de la sucesión consiste
en haber de estar suspenso el reino y en poder de otro cuando el príncipe sucede en edad pupilar. Qué guerras civiles, qué
muertes y desconciertos no padescieron los reinos de España en la menor edad de don ramiro el Tercero, de don Alonso el Quinto,
don Enrique el Primero, don Alonso el Onceno y don Enrique el Tercero.
[In Diego de Saavedra Fajardo, Introducciones
a la política, in Obras completas, p. 1238.]
O diplomata murciano, parece antever a instabilidade política que, a breve trecho, virá a ter
lugar em Espanha durante a menoridade de Carlos II. A regente D. Mariana, viúva de Filipe IV e mãe do rei, viu-se confrontada
com a rebeldia da nobreza liderada por D. João de Áustria (filho natural do falecido soberano), que a constrangeu a afastar
da corte o padre Nithard, confessor e valido da rainha:
En todos estos turbulentos acontecimientos
de la caida de Nithard y el triunfo de don Juan de Austria conviene subrayar [...], que el decreto de la expulsión de Nithard
le es arrancado a Doña Mariana contra su voluntad. No es en realidad ella quien destituye al P. Everardo, sino don Juan de
Austria, que le obliga a ello con amenazas y coacciones. El Consejo Real y la
Junta de Gobierno [esta última havia sido instituída
por Filipe IV no seu testamento para coadjuvar a regente] también influyeron en la decisión final, haciéndose cargo
de la situación peligrosa creada por don Juan. Ello quiere decir que Nithard es el primer valido depuesto contra la voluntad
real, por la fuerza de don Juan de Austria y por la fuerza de la opinión.
[In Francisco Tomás Valiente, Los validos
en la monarquía española del siglo XVII, p. 23.]
(67)
No vigésimo-primeiro capítulo do Leviatã, intitulado "Da liberdade dos súbditos", Hobbes
prova que a liberdade é compatível com o medo e a necessidade. Assim, o vassalo é mais livre se as leis
forem respeitadas, e estas só o são quando o poder soberano é legítimo e forte.
[In idem, ibidem, pp. 175-183.]
(68)
O início da regência de Philippe d'Orléans (1715-1720), caracterizou-se pela desorientação política
e, sobretudo, por uma situação de avidez financeira que atingiu proporções alarmantes e conduziu a França a uma gravíssima
depressão económica, só comparável à que ocorrera nas Províncias-Unidas em 1636-1637, quando a "Tulipomania" teve um desfecho
ruinoso para a maioria dos holandeses.
Num pequeno livro redigido na altura em que estalou na bolsa de Nova Iorque o escândalo financeiro
das junk bonds administradas pela Drexel Burham Lambert (recorde-se que, na ocasião, o Banco de Portugal chegou a averbar
alguns prejuízos resultantes de alguns investimentos em ouro feitos nesses duvidosos "produtos financeiros"), o conhecido
economista norte-americano Galbraith descreve-nos o processo especulativo desencadeado pelo escocês John Law que levou à falência
o recém-fundado Banco Real francês, seguindo de perto as copiosas informações contidas nas memórias de Saint-Simon
sobre este acontecimento.
O "caso Law", em tudo semelhante ao recente investimento realizado pelo jovem corretor Nicholas
Leeson sobre a produção futura de bens agrícolas japoneses (uma "aposta" falhada que em 1995 infligiu ao venerável banco britânico
Barings o astronómico prejuízo de um bilião de dólares), resultou da extravagante ideia de vender acções de uma companhia
de mineração aurífera denominada Mississipi Company, que detinha o privilégio real de explorar uma vasta região da
América do Norte, erradamente considerada como rica em ouro.
A desmedida confiança depositada pelo Regente de França em John Law, que chegou a ser nomeado em 1720 "contrôleur général" da Banque Royale, agravou,
sem dúvida, os danos decorrentes do colapso monetário, provocando o descontentamento geral e pondo em perigo a solvência do
próprio estado:
Next came the predictable anger,
the search for the individual or institution to be blamed. The search did not have far to go. In the preceding months a grateful
sovereign [refere-se ao duque de Orleães] had raised
the foreigner, gambler, and escaped murderer John Law [este fugira em tempos do Reino Unido por impender sobre ele
uma acusação de assassínio] to the highest public post in the kingdom, where, in fact, he instituted some useful economic
and tax reforms: idle lands of clergy were given to the peasants, local tolls were abolished, and tariffs reduced. He had
also become Comptroller General of France and had been made the Duc d'Arkansas, a title one wishes might have survived. Now
John Law became the object of the most venomous condemnation. Protected by the Regent, he got out of France and spent four
years in England, where he was granted amnesty on the murder charge against him.
[...]
In the aftermath, as in Holland after
the tulips, the French economy was depressed, and economic and financial life was generally disordered - in the slightly exaggerated
words of Saint-Simon, with a tiny minority enriched by the total ruin of all the rest of the people. But, as in Holland
and as with superb consistency throughout history, blame did not fall on the speculation and its gulled participants. It was,
as already indicated, John Law who was deemed responsible, as was his Banque Royale, and for a century in France banks would
be regarded with suspicion.
[In John Kenneth Galbraith, A short
history of financial euphoria, pp. 40-41 e 42.]
A afirmação de Saint-Simon, considerada exagerada por Galbraith, é corroborada por Montesquieu
na Carta CXXXVIII das Lettres Persanes, que denúncia as terríveis consequências político-sociais decorrentes da depressão
económica resultante da hecatombe do projecto de John Law:
La France,
à la mort du feu Roi [Luís XIV], était un corps accablé de mille maux. N*** [o marechal Noailles]
prit le fer à la main, retrancha les chairs inutiles, et appliqua quelques remèdes topiques. Mais il restait toujours un
vice intérieur à guérir. Un étranger [John Law] est venu, qui a entrepris cette cure. Après bien de remèdes
violents, il a cru lui avoir rendu embonpoint, et il l'a seulement rendue bouffie.
Tous ceux qui étaient riches il y a six mois sont à présent dans la pauvreté, et ceux qui n'avaient
pas de pain regorgent de richesses. Jamais ces deux extrémités ne se sont touchée de si près. L'étranger a tourné l'État comme
un fripier tourne un habit: il fait paraitre dessus ce qui était dessous, et, ce qui était dessous, il le met à l'envers.
Quelles fortunes inespérées, incroyables même à ceux qui les ont faites! Dieu ne tire pas plus rapidement les hommes du néant.
Que de valets servis par leurs camarades et peut-être demain par leurs maitres!
[Montesquieu, Lettres Persanes (1721), in Oeuvres Complètes, p. 136.]
(69)
O mal-estar da grande nobreza manifestou-se abertamente nos últimos cinco anos do reinado de
Luís XIV. Os adeptos de um retorno puro e simples à monarquia tradicional rodearam o duque da Borgonha, (neto do rei e herdeiro
presuntivo da coroa), conseguindo alguns obter uma grande ascendência sobre o jovem príncipe, nomeadamente o preceptor Fénelon,
o duque de Saint-Simon e o de Chevreuse.
Louis de Rouvroy criticava nos Projects de gouvernement résolus par Mgr. le duc de Bourgogne
o absolutismo de Luís XIV, acusando-o de haver subvertido a antiga sociedade de ordens. Para a restaurar, o duque de Saint-Simon
propunha a criação de um alto-conselho real (composto de cinco nobres pertencentes às famílias mais prestigiadas da "nobreza
de espada"), a convocação quinquenal dos Estados Gerais - para decidir sobre matérias fiscais - e a redução do poder dos parlamentos,
cujas atribuições voltariam de novo a restrigir-se à administração da justiça.
Fénelon e o duque de Chevreuse - este último nas suas Tables de Chaulnes (também designadas
de Plans de gouvernement pour être proposés au duc de Bourgogne) - concordavam que era preciso reformar as instituições
monárquicas, devolvendo à velha nobreza a preponderância política e aos Estados Gerais ou Assembleias Provinciais os poderes
que lhes haviam sido confiscados pela realeza absoluta.
Luís XIV desconfiava da eficácia destes projectos de reforma política, tendo feito todo o possível
para impedir que eles se concretizassem após o seu falecimento. Para o conseguir, o monarca, consciente da proximidade da
morte e da pouca idade do futuro rei, fez um testamento onde criava um conselho de regência apenas presidido por Philippe
d'Orléans, tentando desse modo evitar que este seu sobrinho, um notório "libertino", dispusesse da plenitude do poder. Estas
disposições testamentárias não foram cumpridas (Rei-Sol já suspeitava que o não seriam quando as mandou redigir, tendo-o feito
somente por desencargo de consciência) e as consequências advenientes da implementação parcial das mencionadas reformas foram
realmente desanimadoras:
Ce nouveau type de gouvernement a été en partie mis en place, dès la mort de Louis XIV (1715),
par le Régent: ce qu'on appelle la polysynodie fut un système de conseils aristocratiques qui répondaient partiellement aux
voeux de restauration nobiliaire. Mais l'expérience fut éphémère, et la realité bien éloignée du projet prévu: divisés
par des rivalités de clans, minés par des querelles de préséance et une crispation sur l'étiquette - on imposa aux maitres
des requêtes (ils appartenaient à la vile roture) de lire leurs rapports debout devant ces Messieurs des conseils!
-, affaiblis par le peu d'expérience et de crédibilité de la plupart de leurs membres dans la gestion des affaires, les sept
conseils de la polysynodie se révélèrent assez vite incapables d'efficacité politique, à l'exception du conseil de la Marine, presidé par le comte de Toulouse, bâtard de Louis XIV. A l'automne
de 1718, Philippe d'Orléans abolit ce que Saint-Simon lui-même appelait des pétaudières.
[In Joel Cornette, A bas l'État Absolu!, in L'Histoire, nº 194, pp. 35-36.]
(70)
Todos os monarcas absolutos franceses, desde Luís XIII, procuraram neutralizar politicamente
o poderoso Parlamento de Paris, uma instituição que, por deter um enorme prestígio junto do público, chegava a ensombrar o
poder real, desautorizando-o perante os vassalos:
El pueblo tenía un profundo respeto al
Parlamento, templo de la justicia. Sus sentencias y juicios gozaban de la maxima autoridad, y muchos súbditos del rey, cuando
negaban obediencia al Gobierno o cuando se rebelaban abiertamente, se sentían justificados por la constante critica del Parlamento
de París contra el Gobierno real. Los parlamentos de las provincias presentaron las mismas peticiones, compartieron las mismas
pretensiones y gozaran de la misma autoridad en sus jurisdiciones, donde eran venerados como los padres del país.
[In Roland Mousnier, La Fronda, in Revoluciones y rebeliones de la Europa Moderna, p. 163.]
Procurando anular o poder dos parlamentos, a coroa utilizava os Lit de Justice para impor
a sua vontade e constranger estas assembleias a registarem as leis promulgadas pelo rei. O Parlamento de Paris tentou por
vários modos inviabilizar ou, pelo menos, controlar esta pretensão do poder real, solicitando que nestes casos o rei só pudesse
ser aconselhado pelos seus membros. Além disso, os parlamentares, pretendendo contrariar possíveis abusos por parte do monarca
ou dos seus ministros, reclamavam a prerrogativa de, na ausência do soberano, discutirem, reverem e votarem as leis e éditos
que lhes fossem apresentados pela autoridade régia, principalmente se incidissem sobre questões fiscais.
Estas reivindicações foram liminarmente rejeitadas pelos reis, em particular por Luís XIV:
Un Roi est le bonheur de son Etat, c'est
sur lui qu'est fondé son repos et sa tranquilité; c'est à lui seul à le défendre et à mettre les armes à la main de qui bon
lui semble. Le repos de l'Etat pouvant être troublé en dedans par des factieux ennemis de l'autorité légitime, et au dehors
par les étrangers, un Roi a toujours besoin d'entretenir des troupes réglées, d'avoir des places fortes bien entretenues,
des magasins et des arsenaux bien fournis, des vaisseaux bien équipés; et comme toutes choses demandent de grandes dépenses,
la source en est dans les tributs qui, par conséquent, sont aussi légitimes que la défense de l'Etat, joint à ce qu'il est
juste qu'un Souverain ait de quoi soutenir la Majesté
de l'Empire. Le Peuple, et par obéissance à Dieu, ne peut être le Juge de leur proportion avec les besoins de l'Etat, C'est
vous, mon fils, qui devez toujours observer cette exacte proportion: vous pouvez augmenter les impôts quand les besoins réels
augmentent; aussi les devez-vous diminuer aussitôt que ces besoins réels diminuent. Il est certain que vous ne pouvez pas
juger si les impôts et les besoins de l'Etat sont dans une juste proportion, si vous êtes exactement informé des uns et des
autres. C'est donc pour vous une obligation indispensable d'entrer dans cette discussion et dans ce détail qui, dans les commencemens,
vous donneront quelques peines et quelques soins; l'ordre et la division démêlent, et dans la suite il ne faut plus que parcourir
le plan qu'on c'est fait.
[In Lettre de Louis XIV sur les tributs
et finances, in Réflexions d'un citoyen sur les Lits de Justice, p. 37 e 38.]
A missiva do Rei-Sol é trancrita num interessante texto datado de 30 de Dezembro de 1787, onde
o autor anónimo - que se diz marquês - reprova o seu conteúdo e verbera, numa extensa e esclarecedora introdução, a perversão
do espírito e natureza dos Lit de Justice levada a cabo pelo absolutismo real. Os títulos dos três capítulos desta
memória são, aliás, bem elucidativos neste aspecto:
"I - O Lit de Justice, pela sua natureza, exige uma deliberação livre do Parlamento
II - Antigamente opinava-se em voz alta nos Lit de Justice.
III - Considerava-se não registado, tudo o que tivesse sido decidido num Lit de Justice,
com reclamação do Parlamento.
Este interessante opúsculo, que consultei na Biblioteca do Congresso dos E.U.A., não é mencionado
na extensa bibliografia francesa por mim compulsada durante a realização do presente ensaio, apesar da sua importância para
a compreensão das censuras dirigidas pela grande nobreza francesa ao absolutismo em finais do Antigo Regime.
Parece-me, portanto, plenamente justificada a transcrição integral em apêndice da referida introdução
[Ver Anexo 14].
(71)
Se alguém me acusar de que nesta parte abraço as máximas de Maquiavel, enquanto diz
que o governo monárquico seria o mais perfeito de todos, se o príncipe não tivesse validos, nem confessor, confesso a minha
culpa sem arrependimento, e ainda passo em silêncio a dama, de que aquele refinado político quer que o príncipe seja isento
porque, graças a Deus, entre as muitas virtudes de que dotou V. A. [refere-se ao futuro rei D. José I], tem a de
não querer romper a constância conjugal, e por não autorizar com o seu exemplo a dissolução entre os dois sexos,
como fez Luís XIV em França e Carlos II em Inglaterra que, sem embargo de ser um príncipe muito distraído, tinha muito entendimento
e costumava dizer que o governo das mulheres era o melhor, porque nele governavam os homens; e que o governo dos homens era
o pior, porque nele governavam as mulheres, de que em si mesmo tinha a experiência, porque se deixou governar por madame de
Portsmouth, assim como Luís por Madame de Maintenon.
[In D. Luís da Cunha, Testamento político. p. 23.]
Na época em que D. Luís
da Cunha dedicou o Testamento Político ao Príncipe do Brasil, D. José, o poder dos validos na corte tornara-se desmesurado
devido à doença de D. João V. Frei Gaspar de Moscoso e Alexandre de Gusmão lideravam uma facção que, dominando o ânimo do
monarca moribundo, reservara para si todo o poder de decisão política, uma situação perigosa porque propiciava a agitação
da plebe e concitava a proverbial oposição nobiliárquica (neste caso um grupo de nobres afectos ao herdeiro da coroa e chefiados
pelo marquês de Marialva), normalmente adversa aos favoritos dos reis [Ver Anexo 23, folhas 1-3].
Com efeito, a animadversão da grande nobreza portuguesa contra o valimento tornou-se manifesta
logo após o "restabelecimento" da independência nacional, sendo, por essa razão, quase coetânea das frondas dos príncipes
contra os privados dos monarcas e regentes da dinastia Bourbon [ver notas 50 e 51]. No Tácito Português, D.
Francisco Manuel de Melo revela-nos o rancor que D. Luís de Portugal (sexto conde de Vimioso) tinha a Francisco de Lucena,
valido de D. João IV:
Tocaremos agora a resolução das armas e das calúnias; ou não trocaremos senão as armas porque
as calúnias é o arnês que os homens esgrimem uns contra os outros.
Sebastião César, bispo eleito do Porto e ministro de igual valia, mérito, grandeza
e desgraça, exercia naquelas Cortes [segundas cortes reunidas na capital em 1646] o lugar de secretário da nobreza,
entre os trinta de que se forma. Achava-se em seu tribunal, incitando aos circunstantes arbitrassem tudo o que fosse conveniente
ao serviço do Príncipe, conservação do Reino e aumento do Estado da Nobreza.
Então foi interrompido pelo conde de Vimioso que, com razões de grande gravidade, dizia: Que
em vão os nobres, a Igreja, e Reino se cansavam em buscar meios de suas prosperidades, se tão junto a El-Rei, como se achava
seu secretário e valido, Francisco de Lucena, todos perdiam o valor; que este ministro era o piloto pérfido que, a tempo de
meter pela barra dos ouvidos do Príncipe, os ricos tesouros dos desígnios de seus vassalos, ele mesmo lhe subministrava o
naufrágio. Que este lançava peçonha na fonte do Povo, de que tudo resultava inficionado, introduzindo no ânimo de El-Rei venenosas
informações; e que destas procedia o descrédito em que se odiavam os maiores do Reino.
[In D. Francisco Manuel de Melo, Tácito português, pp. 159-160.]
O ódio devotado aos validos pela nobreza portuguesa ao longo do Antigo Regime, não parece resultar
de uma oposição de princípio à institucionalização do valimento; devia-se, isso sim, ao sentimento de inveja alimentado por
todos aqueles que, considerando-se iguais ou superiores ao privado do rei (sobretudo no plano social e não tanto intelectual),
não suportavam haver sido preteridos pelo monarca, acalentando o secreto desejo de poderem um dia ver cair em desgraça o confidente
do soberano para terem o ensejo de o substituir. Neste aspecto, parece existir alguma similitude entre a situação portuguesa
e a espanhola:
La nobleza, y sobre todo los grandes, adaptaron
siempre una actiud recelosa respecto a cada valido. Era inevitable que éste fuese el objecto de las envidias cortesanas, en
especial de quienes por su ambición, alcurnia y caudal se sentían capaces de ocupar el mismo puesto que el privilegiado. Tales
envidias se mantienen reprimidas mientras cada valido goza de la gran amistad real; pero la animosidad se desbordaba en las
respectivas caídas de los validos; entonces cada noble dividia sus energias en un doble esfuerzo: censurar al antiguo valido
e intrigar para sucederlo o, al menos, para que triunfase en la batalla de la sustitución el noble mas amigo o familiarmente
cercano.
Pero en general la nobleza no atacó al
valido como institución, sino simplesmente a las personas que fueron escalando a tan alto puesto.
[In Francisco Tomás Valiente, Los validos
en la monarquía española del siglo XVII, p. 117.]
Na Península Ibérica os pensadores politicos mostraram-se profundamente divididos sobre a questão
do valimento, que foi aprovado por alguns, tolerado por outros tantos e repudiado por muitos.
Em Espanha, manifestaram-se a favor Frei Pedro Maldonado (confessor do duque de Lerma, valido
de Filipe III) no Discurso del perfecto Privado (esta obra, redigida antes de 1618, não chegou a ser impressa, existindo
dois exemplares manuscritos na Biblioteca Nacional de Madrid), Mártir Rizo em Norte de príncipes (1626), Martínez de
Herrera em El príncipe advertido (1631), Vicente Mut em El principe en la guerra y en la paz (1640), Frei Joséph
Laynez em El Privado cristiano (1641) e
Pedro Navarra y de la Cueva em Logros de la monarquia en
aciertos de un valido (1669) - estes dois últimos títulos plagiam o texto de Maldonado. Contra os validos escreveram Frei
João de Santamaría em Tratado de republica y policía cristianas (1615) e Pedro de Portocarrero y Guzmán em Theatro
monárquico de España (1700). Em defesa da conveniência política do valimento, manifestaram-se Diego Saavedra Fajardo Idea
de un príncipe politico cristiano representada en cien empresas (1640), Salvador Mallea em Rey pacífico y gobierno
del príncipe católico (1646), Juan Baños de Velasco y Acebedo em El ayo y maestro de príncipes (1674) e Francisco
Quevedo em La Politica de Dios y gobierno
de Cristo.
Em Portugal vários publicistas políticos seiscentistas foram avessos aos privados dos reis,
conforme se observa nas obras de Manuel Faria e Sousa - Epítome de las historias portuguesas (1628) -, António de Freitas
- Primores políticos e regalias do nosso rei D. João IV de maravilhosa memória (1641) - e D. Fernando Correia de Lacerda
- Catástrofe de Portugal na deposição de el-rei D. Afonso VI e subrogação do príncipe D. Pedro o único, justificada nas
calamidades públicas (1669). Outros, porém, mostram-se cautelosamente favoráveis à institucionalização da privança, como
é o caso de João Salgado de Araújo - Lei régia de Portugal (1627) -, Diogo Guerreiro Camacho de Amboim - Escola
moral, política, cristã e jurídica (impressa em 1733 mas escrita no século XVII), Manuel Fernandes Vila-Real - Epítome
genealógico del eminentíssimo cardenal duque del Richelieu y discursos politicos sobre algunas acciones de su vida (1641)
- e Frei Manuel dos Anjos - Política predicável e doutrina moral do bom governo do mundo (redigida em meados do século
e editada em 1693).
Na primeira metade da centúria seguinte D. António Caetano de Sousa, reportando-se à meritória
acção do conde de Castelo-Melhor na sua qualidade de privado de D. Afonso VI, admite na História genealógica da casa real
portuguesa (tomo VII, livro VII, capítulo IV) que os validos "prudentes" podem suprir as insuficiências físicas e intelectuais
de alguns monarcas. Após o estabelecimento do consulado pombalino, surgem então opúsculos contendo elogios explícitos ao valimento,
nomeadamente os de José Caetano Mesquita e Quadros - Oração sobre a restauração das belas-letras em Portugal (1759)
-, Jacinto Inácio Rebelo Saldanha - Breve discurso em que se faz uma sucinta reflexão nas obrigações imensas de que os
vassalos de Portugal são devedores ao seu soberano e ao Exmº Marquês de Pombal (1776) - e Luís António de Moura e Lemos
- Elogio à augustíssima e fidelíssima rainha, nossa senhora D. Maria I (1781) -, embora este último escrito, curiosamente,
tenha sido publicado em plena Viradeira,
o que parece ser um indício de não existir na época mariana o propósito de rejeitar liminarmente o valimento em si, pretendendo-se
apenas apostrofar um valido em particular.
(72)
Nenhuma coisa achou mais conveniente para a conservação de uma república Deolazio
lib. 44 que restar depositado em um só o governo dela: o povo ou serve, como baixo, ou manda, como soberbo, Multitudo
aut servit humiliter, aut superbe dominatur. Disse Tito Lívio. E assim é mais fácil achar um bom, do que muitos; e, quando
aconteça, que este seja mau, mais convém o governo nas mãos de um só, que no poder de muitos ruins; verdade que abonam as
coisas dos gregos, bárbaros, e romanos: sempre os povos, e cidadãos conseguiram mais largos benefícios no governo de um, do
que no de muitos: e pelo contrário sempre foram menos os males, que repartiu só uma mão, que o que descarregaram muitas, como
sempre foi menor o golpe, que descarregou um só braço; que o que repartiram muitos [...].
A unidade conserva as coisas do mundo, ao mesmo tempo, que as extingue a divisão, e se acaba
tudo; razão por que disse Homero no liv. 2 das Ilíadas, que não era bom que fosse o domínio de muitos, antes convinha
que fosse de um só.
Non bonum multi domini, sit dominus
unus,
Rex unus, et multos imperare malum est, Rex unicus sto.
[In Diogo Guerreiro Camacho Aboim, Escola moral, política, cristã e jurídica, p. 20.]
(73)
Esta solicitação feita ao regente D. Pedro nas cortes de 1668 por Pedro Fernandes Monteiro,
porta-voz do braço popular, era motivada pela urgência de precatar a defesa do reino e o sossego público:
Entre as razões mais eficazes, era uma que, ficando numa cabeça o governo e noutra a coroa,
ficava o reino um monstro de duas cabeças, cujo parto haviam de ser perpétuas guerras civis, havendo sempre descontentes que
assoprassem fogo de uma e outra parte.
[In Monstruosidades do tempo e da fortuna, vol. 1º, p. 61.]
(74)
El mejor govierno, dize Santo Tomas, Aristoteles,
y Lipsio, Madera, Azor, y Covarrubias, es el de la monarchia, tan repugnante de la multitud de principes supremos, como lo
es auer en el hombre mas que un coraçon, de que dependan los demas movimientos del cuerpo, porque el monarca, es aquel debaxo
cuyo dominio, como fixo, y unico principio, todos los demas gouiernan, segun dizen S. Tomas, y Aristoteles. Y siendo esto
assi, por muy mas excelente se tiene ser el govierno de un mixto resultado de la monarchia, y aristocracia, como es el universal
de la Iglesia Catolica, y el de la monarchia de
España, segun docta, y laboriosamente lo prueva Fray Antonio Perez, y con varios exemplos Gregório Lopez Madera, Luis Mendez
de Vasconcelos, y Simancas, porque supuesto que como dize Aristoteles, no puede la republica permanecer sin magistrados, y
personas que sirvan de arcaduzes de la justicia, y jurisdicion que procede del Principe, y que es cierto, que conviene avellos,
como lo prueva Ciceron, claro es, que quedan con el principe haziendo un tercero modo de govierno, que es de la aristocracia,
y monarchia, un mixtico, y un tercero, fundado en derecho divino, como se colige de la advertencia que Ieptro dio a Moises,
quando como Principe que era del pueblo de Israel oìa, y despachava por si solo los pleitos de todo el pueblo, diziendo: Stulto
labore consumpseris tu, et populos iste, qui teeum est, ultra vires tuas est negotium, solus illud sustinere non poteris,
etc. Y asi es, que por uno, y otro derecho, deve el principe eligir consejos, y magistrados en ayuda de su obligacion.
[In João Salgado de Araújo, Lei régia de Portugal, fls. 25v-26.]
(75)
Cornélio Tácito o funda na razão dizendo: assim como o corpo do império é um, única
deve ser também a alma, que o informa, e anima, como o piloto, que governa o navio: porque sendo muitas as cabeças da república,
arriscada está a ruína, não faltando nela contínuas inquietações, e discórdias, que em breve tempo escureçam sua glória, e
façam retardar a maior felicidade [...]. Além de que, como diz Tácito, dificultosa é a união , e concórdia em poder
igual comunicado a muitos; logo reduzido a um, redunda em paz, e quietação de todos.
[In Frei Manuel dos Anjos, Política predicável e doutrina moral do bom governo do mundo,
Livro I, p. 8.]
(76)
Daqui ò Reis, e Príncipes do Mundo,/ É, que aprender podeis, como contemplo,/ O fazer um reinado
sem segundo.
[In Francisco António de Novaes Campos, Príncipe Perfeito, p. 135 (do fac-simile)]
Esta desconfiança em relação ao excessivo poder político dos mandatários do poder real, em especial
dos nobres da corte (omnipresente nos reinados de D. João V e D. José I), abrandou um pouco no período mariano, levando alguns
publicistas a julgarem vital o predomínio social e institucional da nobreza para a sobrevivência do regime monárquico:
Sem nobreza não pode haver bom monarca. Porque é necessário que haja um poder intermédio que
modifique o absoluto poder do soberano e a grande submissão do povo. A nobreza tem ao pé do soberano um cargo mais elevado
e como uma partícula de soberania, dependente do trono; porque eles têm por infâmia o participar o Governo com o povo, ao
mesmo tempo que têm glória em participarem o do rei.
[In António Ribeiro dos Santos, "Apontamentos sobre a origem e progressos da nobreza de Portugal
e suas diversas ordens e privilégios", citado por José Esteves Pereira, António Ribeiro dos Santos e a polémica do Novo
Código, in Revista Cultura - História e Filosofia, vol. 1º, p. 312.]
Estas afirmações de Ribeiro dos Santos, no essencial, convergem com as que haviam sido defendidas
no século XV por Cristina de Pisa em O livro do corpo político [ver nota 32 do 1º capítulo].
(77)
Os textos publicados por Bento Farinha permitem-nos ver uma conexão com o absolutismo reformista
que ele defendia. O quinhentismo é encarado como a época de ouro do pensamento e da língua portuguesa e é portanto necessário
divulgar os ensinamentos dos mestres portugueses, para servirem de norte numa época tão conturbada como a de finais de setecentos.
Refutando as novas ideias de importação, que se opunham ao absolutismo e punham em causa a religião revelada pretende-se a
reforma do sistema político, com base numa tradição tão rica e frutuosa, como tinha sido a idade de ouro.
O tradicionalismo de Farinha equipara-se ao de outros defensores do reformismo: através da articulação
entre inovação e tradição, propõem-se as reformas consideradas indispensáveis para vivificar o sistema.
[In Francisco António Lourenço Vaz, As ideias pedagógicas em Portugal nos fins do século
XVIII. Bento José de Sousa Farinha, pp. 194-195.]
(78)
Em O Reinado
do Amor, o Padre Pereira de Figueiredo elogia, igualmente, o exercício conjunto das funções régias por D. Maria I e D.
Pedro III, chamando a atenção para a similitude existente entre esta situação e a que tivera lugar na Roma inperial no século
III, quando Diocleciano instaurou um sistema de governo que foi primeiramente diárquico e mais tarde tetrárquico. Trata-se,
sem dúvida, de mais uma tentativa de justificar uma conjuntura política coeva recorrendo a exemplos do passado; no caso vertente,
porém, o Padre Pereira de Figueiredo exagera, por certo, um pouco o panegírico, pois afigura-se-nos estranho que um dos próceres
do pombalismo acreditasse nas excelências de semelhante sistema de governo. Acima de tudo, parece-nos que o oratoriano jamais
ousaria fazê-lo durante o reinado de D. José I, pois nessa época a diarquia e tetrarquia seriam, certamente, tidas como exemplos
flagrantes da decadência imperial romana.
[In Manuel Filipe Cruz de Morais Canaveira, A legitimação histórica da monarquia absoluta
na obra do Padre António Pereira de Figueiredo, in Actas do encontro "A construção social do passado", p. 141.]
(79)
Esta disposição sucessória inclusa nas leis fundamentais da monarquia portuguesa, supostamente
aceite nas fictícias cortes de Lamego convocadas em 1143 por D. Afonso Henriques, incluía-se no conjunto das chamadas "leis
de herança", para usar a terminologia constante num manuscrito seiscentista intitulado Cortes primeiras que el-rei D. Afonso
Henriques celebrou em Lamego, pertencente à Biblioteca Pública de Évora.
Este documento revela-nos que a sucessão cognática foi objecto de larga controvérsia e não obteve
a aprovação unânime da assembleia lamecense, tendo ficado determinado que "se o rei não possuir herdeiro varão, as filhas
suceder-lhe-ão por ordem de primogenitura, com a restrição da rainha não poder casar com um nobre estrangeiro. O consorte
só usará o título de rei após ter um filho varão da esposa, mas não pode cingir a coroa e, em público, deverá colocar-se à
esquerda da rainha.
[In Manuel Filipe C. de Morais Canaveira, Testemunhos estrangeiros sobre as leis tradicionais
da monarquia portuguesa (séculos XVII e XVIII), in Constituição da Europa, constituições da Europa, europeísmo e nacionalismo
na história constitucional europeia, p. 111.]
As três constituições monárquicas mantiveram exactamente os mesmos impedimentos nos capítulos
concernentes à sucessão da coroa - Constituição de 1822, Tit. IV, Cap. IV, art. 145; Carta Constitucional de 1826, Tit. V,
Cap. IV, art. 90; Constituição de 1838, Tit. VI, Cap. III, art. 99.
[Vide Constituições Portuguesas, pp. 69, 135 e 174]
D. Maria II contraiu por duas vezes matrimónio com dois estrangeiros - Augusto de Leuchtenberg
e Fernando Augusto de Saxe Coburgo-Gotha -, mas fê-lo com autorização das cortes e por ser manifestamente impossível encontrar
um príncipe português que reunisse os requisitos mínimos para se poder casar com a soberana:
A 15 de Agosto [de 1834] o Imperador [refere-se a D. Pedro, duque
de Bragança] abria as Cortes com a maior solenidade, ostentando os Pares os seus mantos de arminho e trajando os Deputados
a capa de seda. Acabava-se o regime arbitrário e ia-se entrar no periodo constitucional.
Entre os variados assuntos, de que o Parlamento tinha de ocupar-se, dois havia que, pela sua
importância, tinham a primazia: a Regência durante a menoridade da Rainha, e o casamento de Sua Majestade.
[...]
A proposta de casamento da Rainha compreendia duas partes: a autorização para que o casamento
se efectuasse com um príncipe estrangeiro, e os plenos poderes para o Imperador escolher o futuro marido da sua Filha.
Sobre a primeira parte não havia discussão; o único Príncipe português existente achava-se banido
de Portugal e exautorado de todas as suas honras;...
[In Memórias do Conde do Lavradio D. Francisco de Almeida Portugal, vol. 3º, pp. 16-17.]
(80)
Em 1793 o jurisconsulto Francisco Coelho de Sousa e Sampaio alvitrava nas Prelecções de Direito
Pátrio (obra "oferecida" ao Príncipe do Brasil, futuro D. João VI), no capítulo denominado "Da forma, e constituição monárquica,
e plena" (Cap. II, Tít. III, Parte II), que "é monárquico aquele império, cujo governo é administrado por uma só pessoa, em
que se acha jure proprio radicado o sumo império" (art. XXV). No artigo seguinte (art. XXV), o professor de Direito
assevera-nos ser esse o caso português, alegando nos subsequentes (arts. XXVII a XXXV) que a história do direito português
jamais rebateu este elemento constitutivo da nossa monarquia:
Art. XXVIII - Porém, que pelo uso, e prática das Cortes, se não prova, que o Império
Português, mesmo na sua origem foi temperado, ou limitado, se mostra 1º porque as Leis Fundamentais não prescrevem semelhante
forma: 2º porque as Cortes dependeram sempre do arbítrio dos Príncipes (c) [Ver Anexo 15] 3º porque elas
não tinham voto algum decisivo (d) [Ver Anexo 15].
[...]
Art. XXX - Provado assim, que o Império Português, não obstante o uso das cortes, sempre
foi monárquico-pleno, já fica provado, que ele nunca foi Misto, ou Monárquico-Democrático (g) [Ver Anexo 15].
[In Francisco Coelho de Sousa e Sampaio, Prelecções de Direito Pátrio e particular oferecidas
ao sereníssimo senhor D. João Príncipe do Brasil, pp. 42 a
44.]
No século XIX, em 1824, a
"unidade" do poder real, já o referimos anteriormente [ver nota 40], foi considerada um dos principais atributos do
poder real por António Joaquim de Gouveia Pinto em Os caracteres da monarquia. Três anos antes, o tradutor português
da obra Questão nacional sobre a autoridade, e direitos do povo em o governo, ou exposição, e demonstração dos verdadeiros
princípios acerca da soberania do realista francês Abade de Barruel (o original francês data de 1791 e a versão portuguesa
foi publicada em 1823, após a Vilafrancada), louvava a indivisibilidade da soberania do rei na longa dedicatória
dirigida a D. João VI:
São estes os princípios católicos. É esta a única teoria que convém aos homens; porque é também
a única, mediante a qual a sociedade pode subsistir sem perturbações. Nesta teoria de governo, assim como não há hipótese
alguma, em que o povo possa conferir a autoridade aos imperantes, também não há, em que os imperantes possam ser desautorizados
pelo povo, sem que este incorra no crime da mais atroz rebelião. Conheço, SENHOR, que estas verdades são mui duras, e superiormente
desagradáveis ao paladar estragado dos facciosos, e pregoeiros da desastrosa soberania popular; mas como são verdades,
é necessário dizê-las. Como porém nenhum homem pode exigir que o acreditem sob sua palavra, eu protesto que nada direi sem
que ofereça a razão do meu dito.
[In Luís Gaspar Alves Martins, Dedicatória apologético-política ao muito alto e muito poderoso
senhor D. João VI, in Abade de Barruel, Questão Nacional sobre a autoridade..., p. VII.]
Note-se que Luís Gaspar Alves Martins não era um absolutista radical, pois declara-se admirador
da Monarchie selon la Charte de Chateaubriand, uma
obra muito apreciada em França pelos realistas moderados da restauração bourbónica.
[Vide idem, ibidem, p. XLI e XLII.]
(81)
Este complexo debate jurisprudencial foi estudado por Esteves Pereira na sua tese sobre o pensamento
político de Ribeiro dos Santos e num artigo intitulado António Ribeiro dos Santos e a polémica do "Novo Código".
Durante a época mariana, o canonista Ribeiro dos Santos, contrariamente ao que sustentava o
jurista Melo Freire, considerava aceitável, influenciado pelas ideias jusnaturalistas mais progressivas, a hipótese de as
leis fundamentais da monarquia poderem ser alteradas se houvesse acordo entre o soberano e os vassalos:
A hipótese de uma revisão dos excessos do absolutismo podia, também, ser colhida no pensamento
de Vattel. Subentende-se, na sua forma de apresentar as coisas, a denúncia do despotismo que, em suma, era um ponto
de referência geral dos teóricos mais ou menos avançados. A teorização do jusnaturalismo de esquerda, aqui invocado,
estava vocacionada para uma hipótese de reforma interna dos esquemas absolutistas em vigor, mesmo que se não cuidasse de uma
opção de ruptura essencial.
Se um rei sábio e justiceiro e cheio de amor pelo seu povo - Santos vai traduzindo
Vattel - havendo reflectido que o poder absoluto em certas coisas, que lhe foi transmitido por seus antepassados, pode
vir a ser perigoso e prejudicial ao Estado, propusesse ao seu povo o mudar, nesta parte, a lei fundamental, e substituir-lhes
outra lei, que coarctasse o poder dos príncipes em limites mais estreitos; e se o povo consentisse unanimemente nesta mudança,
ousaria alguém dizer que o sucessor deste excelente príncipe não ficava obrigado a submeter-se a esta lei, porque ele tinha
o direito do primeiro instituidor?
[Ribeiro dos Santos, "Notas à resposta que deu o D.or Pascoal Jozé de Mello", citado por José
Esteves Pereira, O pensamento político em Portugal no século XVIII. António Ribeiro dos Santos, pp. 310-311.]
Nesta sua réplica às objecções interpostas por Melo Freire sobre as censuras que lhe dirigira,
Ribeiro dos Santos reafirma este ponto de vista e lança um desafio ao opositor:
O príncipe, de comum consentimento com seus povos, pode mudar e alterar todas e quaiquer leis
fundamentais do Estado, ou os povos fossem ou não autores delas; porque se o foram, de comum consenso com os seus príncipes
as podem alterar, assim como as puderam estabelecer; se o não foram, quem estorva o príncipe, que não possa ceder os seus
direitos em benefício da república e tratar com seus povos da alteração ou mudança da constituição do reino?
[In idem, "ibidem", citado por José Esteves Pereira, António Ribeiro dos Santos e a polémica
do "Novo Código", Revista Cultura - História e Filosofia, vol. 1º, p. 338.]
Esta postura poderá significar, à primeira vista, a incoerência política e filosófica de Ribeiro
dos Santos, se tivermos em mente a defesa intransigente da "monarquia pura" por ele realizada em 1770 no Sacerdotio et
Império, coincidente, aliás, com o posicionamento ideológico de Melo Freire durante a discussão sobre o Novo Código.
Esteves Pereira, no entanto, vê nesta mudança uma sábia evolução, alertando-nos para a circunstância de ser contraproducente,
senão mesmo irresponsável, insistir em ideias que haviam deixado de ser operacionais após o afastamento do marquês de Pombal,
imputando a Ribeiro dos Santos a clarividência de ter percebido que, em face da nova conjuntura política, era preciso preservar,
reformando, o essencial da herança do pombalismo:
Ribeiro dos Santos ao censurar o pombalismo de Melo Freire, punha diante do espelho a fundamentação,
agora insustentável, que, anos atrás, expendera no De Sacerdotio et Imperio e na Selecta Jurisprudentiae Naturalis.
Unia-se, entretanto ao colega de Coimbra, na ideia da necessidade de uma reforma sem rupturas políticas. A sua argumentação
ressalva a monarquia pura, defendida por Melo Freire.
[...]
Em certa medida, o discurso jurídico de Melo Freire vem a resolver-se num teor que não teve
em conta a realidade histórica e política, enquanto a proposta de Ribeiro dos Santos trazia consigo a intenção de um programa
de grupo que se pretendia justificar na esfera do Poder. Todavia, não era só esta razão de oportunidade que justificava a
inflexão do pensamento do canonista. Ribeiro dos Santos enquadrava em termos mais aproximados do concreto histórico - e daí
o carácter eminentemente pragmático do seu pensamento - todo o processo sócio-político dos dois últimos reinados.
[In José Esteves Pereira, António Ribeiro dos Santos e a polémica do Novo Código, Revista
Cultura - História e Filosofia, vol. 1º, p. 292.]
O pragmatismo político de Ribeiro dos Santos não está em causa e contribuiu, decerto, para a
alteração do seu pensamento relativamente aos direitos majestáticos da realeza absoluta. Contudo, é forçoso salientar que
as posições dos filósofos jusnaturalistas mudaram muito a este respeito a partir de meados do século XVIII, diferindo substancialmente
da doutrina da superioridade inequívoca do poder real exposta na centúria anterior por Samuel Pufendorf.
Com efeito, Burlamaqui admite nos Principes du droit politique (1751) que o absolutismo
régio não garante aos povos um "estado feliz e tranquilo"; Christian Wolff, por seu turno, declara nas Institutions du
droit de la nature et des gens (1772) ser a soberania pertença inalienável da sociedade, enquanto Vattel, em Le droit
des gens ou principes du droit naturel (1802), não duvida da superioridade do povo em relação ao rei. Esta evolução permite
afirmar que o jusnaturalismo setecentista, conforme escreve Zília Osório de Castro no seu livro sobre o ideário liberal do
constituinte vintista Borges Carneiro, "conservando-se no plano dos princípios e mantendo o apoio à monarquia [...] alterou,
em termos de direitos, as posições relativas do soberano e do povo, e em termos do exercício da autoridade, a função do rei
na sociedade."
[In Zília Osório de Castro, Cultura e Política. Manuel Borges Carneiro e o Vintismo,
vol. 2º, p. 86.]
(82)
Jovellanos estava persuadido de que a constituição política de um estado se deveria ir adaptando
ao evoluir da sociedade, sofrendo sucessivas alterações e ajustamentos sem ter necessidade de recorrer a um novo poder constituinte,
mas limitando-se a reformar o poder constituído:
Quien es el soberano? Cabe la posibilidad
de que el cuerpo entero ejerza la soberanía. Esto se da cuando los ciudadanos se han reservado el derecho de reunirse todos
periodicamente para dirigir la acción común y se han reservado el derecho de nombrar y exigir responsabilidades a los mandatarios.
Es la democracia directa. Pero lo normal es que el pueblo entregue la soberanía a un titular y decida cuál es el procedimiento
de designación: elección o herencia. En este último caso estamos ante una constitución monárquica. En España la constitución
es monarquica. Al rey pertenece la totalidad de la soberanía, y, puesto que es indivisible, no existe otra persona o cuerpo
con el que la comparta. Con el soberano pueden colaborar otros órganos, bajo su dirección.
En España, en los tres planos en que se
proyecta la acción de la soberania, hay colaboración:
1. Si al monarca corresponde hacer las
leyes, las Cortes pueden participar, proponiéndolas, emmendándolas, representando contra ellas.
2. En la ejecución, organismos públicos.
3. En la esfera judicial, los procesos
deben llevarse por los tribunales establecidos por la nación."
[In Fernando Prieto, História de las ideas
y de las formas políticas. III Edad Moderna (2. La Ilustración),
p. 483.]
A aplicação do programa reformista proposto por Jovellanos, tornou-se imprescindível quando
Carlos IV e o príncipe das Astúrias (futuro Fernando VII) foram aprisionados por Napoleão em Bayonne (1808), sendo forçados
a abdicarem dos seus direitos ao trono espanhol:
En caso de imposibilidad por parte del
soberano, por ejemplo, en caso de una invasión. qué se pude hacer? Jovellanos modifica sua anteriores afirmaciones sobre la
soberania introduciendo un nuevo poder politico excepcional, el poder de supremacía nacional para los casos en que el soberano
no pudiera actuar o también para los casos en que el soberano no respetase los limites de su proprio poder. La supremacia
es también el poder de resistir incluso por la fuerza al soberano que violare la constituición, rompiendo el pacto.
[In idem, ibidem, p. 483.]
Estas posições reformistas enunciadas por Jovellanos na conturbada conjuntura política espanhola
de 1808-1812, eram já toleradas desde há alguns anos pelos responsáveis máximos das monarquias mais conservadoras da Europa,
chegando alguns deles a patrociná-las com precaução, como se observa numa passagem de um texto do imperador austríaco Leopoldo
II destinado a ser lido pela sua filha Maria Cristina, governadora dos Países-Baixos:
I believe that the sovereign, even
a hereditary sovereign, is merely the delegate and appointee of the people for whom he exists, that to them he should dedicate
all his thought and toil... I believe that executive power belongs to the sovereign, but legislative power to the people and
their representatives, and that at each change of sovereign the people can introduce new conditions.
[In Friedrich Heer, The Holy Roman
Empire, p. 273.]
(83)
Muito se tem escrito acerca da chamada lenda de Ciro II e é-nos impossível discuti-la
aqui em pormenor. Segundo a versão de Heródoto,
que nos conta haver três outras histórias menos dignas de crédito sobre Ciro (I, 95 e 214), a história é, resumidamente a
seguinte (I, 107-130). Astyages, após um pesadelo, deu a sua filha [Mandane] em casamento a Cambises, um persa,
porque receava dá-la a um nobre meda que podia destroná-lo. Deste casamento nasceu Ciro, mas outro sonho indicou a Astyages
que seria este quem o substituiria, motivo por que ele ordenou que se matasse a criança. O primeiro conselheiro foi encarregado
desta missão, mas Harpagos confiou Ciro a um pastor [Mitradates], cuja mulher dera à luz uma criança morta.
O pastor e a mulher substituíram-no por Ciro e Harpagos ficou satisfeito. O nome da mulher era Spako, que, segundo Heródoto,
era a forma meda para cão. Isto parece ser eco do conhecido mito de Rómulo e Remo, de uma criança amamentada por uma loba
ou por uma cadela (I, 122). Quando Ciro tinha dez anos foi descoberto por Astyages, mas os magos racionalizaram as
suas interpretações dos sonhos, de modo que Astyages deixou de sentir receio e mandou Ciro para os seus verdadeiros pais em Persis. Quando o jovem alcançou a maioridade, revoltou-se e Harpagos
foi enviado contra ele à frente do exército meda. Porém, parte do exército e o próprio Harpagos passaram-se para o lado de
Ciro, enquanto o resto fugia. Numa batalha que teve lugar mais tarde, Astyages foi derrotado e capturado. A lenda tem outros
pormenores, tais como o motivo da deserção de Harpagos, mas esta é a história que alguns autores clássicos posteriores repetem,
em partes ou com variantes.
[In Richard N. Frye, A herança persa,
pp. 112-113.]
(84)
Heródoto sublinha na sua narração a admiração do jovem Ciro pela educação pastoril que recebera
da sua mãe adoptiva:
So Cyrus was dismissed [do palácio do seu avô Astyages], and on his return to Cambyses'palace
was received by his parents. When they found he was the son who they were sure had died long before, they greeted him with
delight and asked how he had escaped death. Cyrus replied that it was only on the way thither that he had learnt his own history;
previously he had know nothing and had made the mistake of supposing that he was the son of Astyages' herdsman. In the course
of the journey, however, he had heard the whole truth from his guides, and he described how he had been brought up by Cyno
the herdsman's wife [no texto citado na nota anterior diz-se que a mulher de Mitradates se chamava Spako]. He
was full of her praises, and through his story her name was continually on his tongue.
[Herodotus, The Histories, p. 92.]
(85)
No último quartel do século XVIII foi estreada em Salzburgo a ópera-buffa Il rè pastore
de Mozart, onde o compositor celebra a imagem do rei pastor e a associa à do príncipe pacífico e reformador. Este espectáculo
dramático foi dedicado ao jovem arquiduque Maximiliano, que muitos pensavam vir a tornar-se em breve imperador e de quem esperavam
a renovação do Sacro Império.
[Vide Friedrich Heer, The Holy Roman
Empire, p. 284.]
(86)
A vertente da justiça da realeza está implícita na identificação do rei com o pastor,
como podemos observar neste hino que celebra a coroação de Assurbanípal: Que Shamash, o rei dos céus e da Terra, te eleve
ao pastorado sobre as quatro regiões; Que Assur, te conceda [o ceptro] (?), prolongue os teus dias e os teus
anos. Assur concede o ceptro a Assurbanípal, no acto da entronização, conferindo ao rei a capacidade de julgar com justiça
o país. Samas institui-o como pastor universal e Assur oferece-lhe o bordão para que ele mantenha em ordem o seu "rebanho".
Podemos concluir que o ceptro está para o rei como o bordão está para o pastor e o exercício da realeza é assemelhado ao pastoreio.
[In Francisco Caramelo, Símbolos e conceitos essenciais na ideologia real: o vocabulário
nos salmos bíblicos e na literatura hínica assiro-babilónica, in Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas,
nº 8, vol. 2º, p. 56.]
(87)
A Bíblia indica-nos que Abraão era um pastor (Génesis, 13. 1-9), embora ele tivesse sido, com
toda a probabilidade, um abastado comerciante das caravanas que percorriam as rotas comerciais amorritas.
[Vide Robert North, Abraham,
in The Oxford Companion to the Bible, p. 4.]
Isaac, primogénito legítimo do primeiro patriarca bíblico, teve a mesma ocupação de Abraão porque
herdou todos os bens do progenitor (Génesis, 25, 5), mas o seu filho mais velho, Esaú, tornou-se caçador (Génesis, 25, 27),
cedendo os direitos de primogenitura ao irmão gémeo Jacó (Génesis, 25, 29-34), o terceiro patriarca, que, tal como o pai e
avô, se dedicou à pastorícia (Génesis 31, 38-40).
[Vide Bíblia de Jerusalém, pp. 64-66 e 75.]
(88)
Apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de Madiã. Conduziu as ovelhas para
além do deserto e chegou ao Horeb, a montanha de Deus. O Anjo de Iahweh lhe apareceu numa chama de fogo, do meio de uma sarça.
Moisés olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia. Então disse Moisés: Darei uma volta, e verei
este fenómeno estranho, porque a sarça não se consome. Viu Iahweh que ele deu uma volta para ver. E Deus o chamou do meio
da sarça. Disse: Moisés, Moisés. Este respondeu: Eis-me aqui. Ele disse: Não te aproximes daqui; tira as
sandálias dos pés porque o lugar em que estás é uma terra santa. Disse mais: Eu sou o Deus de teus pais, o Deus de
Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. Então Moisés cobriu o rosto, porque temia olhar para Deus.
[In "Êxodo, 3, 1-6", in ibidem,
p. 108-109.]
(89)
Moisés foi quem o Deus dos patriarcas "vocacionou" para livrar os israelitas do cativeiro egípcio
e levá-los para a Terra Prometida. As inúmeras vicissitudes suportadas pelos judeus durante a sua demorada peregrinação em
direcção à Terra Santa, narrada em três livros do Pentateuco (Êxodo, Números e Deuteronómio),
lembram, sem dúvida, as agruras da transumância, quando um rebanho percorre terrenos ermos em busca de viçosos pastos.
Na segunda proposição do livro I da Política tirada das próprias palavras da Sagrada Escritura,
Bossuet, referindo-se às obrigações paternais dos reis para com os súbditos, lembra a suprema provação infligida por Deus
a Moisés:
Proposición II: El príncipe no ha nascido
para su bien, sino para el bien público. - Esta proposición es una consecuencia de la anterior [sobre a bondade real como qualidade real e verdadeiro atributo da grandeza], y Dios
lo confirma en el caso de Moisés, poniéndole al frente de su pueblo para que lo conduzca y haciéndole, al mismo tiempo, olvidarse
de si mismo.
Después de innumerables trabajos y de soportar
la ingratitud del pueblo durante cuarenta años para conducirle a la tierra prometida, Moisés se ve excluido, y Dios declara
que este honor estaba reservado para Josué [Deuteronómio, 21, 7].
[In Bossuet, Politica sacada de las Sagradas
Escrituras, citado por Fernando Prieto, Lecturas de Historia de las Ideas Políticas, p. 234.]
(90)
Vide "Josué, 24, 2-3", in Bíblia de Jerusalém, p. 371.
(91)
Vide "1 Reis, 18, 36", in ibidem, p. 540.
(92)
Abençoado pelos "presságios" de Deus, Labão decidiu confiar o numeroso rebanho que possuía ao
seu sobrinho Jacob, obtendo com isso grande proveito, pois este serviu-o com toda a dedicação durante catorze anos.
[Vide "Génesis, 30, 25-30", in ibidem,
p. 73.]
(93)
The good prince who loves his country
will guard it carefully, following the example of the good shepherd. As he guards his sheep from wolves and evil beasts, and
keeps them clean and healthy so that they can increase and be fruitful and yield their fleece whole, sound, and well nourished
by the land on which they are fed and kept, so that the shepherd will be well paid by their fleece, shorn in time and in season.
But the rich good shepherd who gives them to others to keep because he cannot take care of all his flocks himself, provides
himself with good and capable help. So he takes good, careful servants, wise and hard working in their craft, whom he understands
and knows are loyal and prefer his interest.
[In Christine de Pizan, The book
of the body politic, p. 16.]
(94)
For the same reason the people itself
is always said to be the people and inheritance of God, and the king the administrator of His inheritance and leader of God's
people - which title was expressely applied to David, Salomon, Hezekiah, and other pious princes. When the convenant [foedus]
is ratified between God and the king, it is done on this condition: that the people should be and should remain forever the
people of God. Without doubt this was to demonstrate that God does not deprive Himself of His property [proprietas] and possession
when He hands over the people to kings, but that it is conveyed in order to be ruled, cared for, and nurtured, just as he
who chooses a shepherd for his flock nonetheless remains its owner [dominus].
[In Vindiciae, contra tyrannos:
or, concerning the legitimate power of a prince over the people, and of the people over a prince, p. 18]
(95)
Proposición III: El principe debe proveer
à las necesidades del pueblo. - Dios dijo a David: Apacienta a mi pueblo y sé el jefe de Israel (II Re V, 2).
Y elegió a David su siervo, y le tomó de
las majadas de ovejas; de tras de las ovejas que cría le tomó, para que apacentase a Jacob, su pueblo; a Israel, su heredad
(Sal LXXVII, 70, 71). No hizo mas que cambiar de rebaño; en vez de apacentar ovejas, apacienta hombres. Apacentar, en la lengua
sagrada, equivale a gobernar, y el nombre de pastor equivale al de principe; tan unidas van ambas cosas.
[In Bossuet, Politica sacada de las Sagradas
Escrituras, citado por Fernando Prieto, Lecturas de Historia de las Ideas Políticas, p. 234.]
(96)
No tratado de André Rodrigues de Évora destinado à educação do príncipe D. Sebastião, incluem-se
alguns apótegmas que comparam o rei a um pastor ou a um pai do seu povo:
A si se deve haver o príncipe com seus súbditos, como pastor com suas ovelhas (Aristóteles).
[...]
Bom príncipe de bom pai nenhuma coisa difere
[...]
Compare-se o rei, a pai de famílias.
[In André Rodrigues de Évora, Sentenças para a ensinança e doutrina do príncipe D. Sebastião,
fls. 8 e 10.]
Idêntico procedimento tem, alguns anos depois, o desembargador Gonçalo Dias de Carvalho numa
missiva enviada a D. Sebastião, publicada em 1789 na colectânea de Bento José de Sousa Farinha:
Porque o rei, segundo Aristóteles e Platão não se escolheu para ter conta consigo somente, se
não para que de dia, e de noite procure toda a quietação, proveito, e prosperidade a seus súbditos: e tem outrossim obrigação,
de tomar sobre si, os perigos e trabalhos deles, como fez aquele santo rei David o qual entendendo a obrigação que tinha de
pastor, dando Deus uma grande peste em seu povo lhe pediu, que nele executasse a sua ira, e não em suas ovelhas: que ele fora
o que pecara. E quando o rei for tal pastor, afirma Platão que mais próspero estado é o dos súbditos, que o do rei.
[...]
E aqueles foram havidos por bons reis, que foram bons pais de suas famílias, nem tem
mais diferença um pai de um rei, segundo Xenofonte, que ter cuidado de menos gente que ele: porque nas obrigações são semelhantes
[...]. A razão disto parece, porque como a todo o que governa, é necessário amar muito, aos que há-de governar, segundo
Platão e em amor nenhum chegue ao que o rei tem a seus filhos: com razão se compara o bom rei ao bom pai."
[In Gonçalo Dias de Carvalho, Carta a D. Sebastião, transcrita por Bento José de Sousa
Farinha, Filosofia de príncipes, vol. 2º, pp. 100-101 e 102.]
(97)
Na oração fúnebre dedicada a Luís XV pelos comerciantes franceses estabelecidos na cidade espanhola
de Valência, é exaltada a incumbência real de proteger o povo, comparando-a com os deveres dos pais e pastores:
La protección y defensa de los reinos y
vasallos es uno de los deberes que más encarecidamente encargó el cielo al rey, que fue escogido para padre, pastor y caudillo
de millares de hombres. En este papel de padre es en el que más brillan los rayos de su divindad: La dignidad real
es un poder de hacer bien a los vasallos, de modo que el nombre de rey es un nombre de padre común y bienhechor general, y
éste es aquel rayo de la divinidad que resplandece en los soberanos.
[In Maria Pilar Monteagudo Robledo, La monarquía ideal, p. 111.]
(98)
Leia-se a citação do livro de Maria Pilar Robledo inserta na nota 19 do terceiro capítulo da
primeira parte.
(99)
Vide Zília Osório de Castro, Poder régio e os direitos da sociedade. O "Absolutismo de compromisso"
no reinado de D. Maria I, in Ler História, nº 23, p. 13.
Neste artigo a autora analisa a problemática coexistência entre o paternalismo da monarquia
absoluta e o ideal da liberdade política, um assunto que se tornou candente durante a "Viradeira":
Paternalismo e liberdade são afinal dois valores utilizados para caracterizar positiva e negativamente
a política mariana. Enquanto o primeiro tem no passado o seu ponto de referência, o segundo projecta no futuro a concretização
de uma realidade até então sem paradigma em Portugal.
Tradição e inovação mantêm-se, portanto, presentes, e geram atitudes antagónicas perante uma mesma situação.
Se bem que estas, pela exclusividade dos enunciados, levantem dúvidas quanto ao grau de correspondência com a realidade, pela
consonância desses mesmos enunciados são intocáveis quanto à permanência do regime absoluto.
[In idem, ibidem, p. 14.]
(100)
Chef et guide du peuple des Francs, rector du peuple chrétien. Ainsi apparait
Charlemagne aux yeux de son conseiller intime Alcuin d'York; deux siècles plus tard, le moine Richer voit en Hugues Capet
un tuteur non seulement du bien public, mais du bien de chacun en particulier. Au couchant de la monarchie, Louis XVI
leur fait écho: Les rois, comme rois, n'ont rien à eux que le droit, ou plutôt le devoir, de tout conserver à la societé,
dont ils sont les tuteurs et les chefs. [...] La charge du souverain est le gouvernement de l'État comme celle du père
est le gouvernement de la famille. C'est ainsi q'un homme, le roi, pendant près de treize siècles, a tenu en main le sort
de ses sujets, leur vie quotidienne, comme leurs libertés et leur dignité.
[In Jean Barbey, Être roi, p.
7.]
(101)
Em Emotions du groupe et leadership (1970), Redl estuda a importância da noção de pessoa
central para a compreensão do processo de constituição e coesão dos grupos sociais. Esta concepção leva-o a estabelecer
dez tipos diferentes de personagens tutelares que dão origem a diversas formas de exercício do poder; a saber: soberano
patriarca, líder, tirano, objecto de amor, objecto de pulsão agressiva, organizador,
sedutor, herói, má influência e bom exemplo.
Na perspectiva do pensamento político do Antigo Regime, o bom rei participa das qualidades inerentes
ao patriarca (é o "pai bom e justo"), ao herói (defensor do seu povo) e ao bom exemplo (possui virtudes
que promovem a paz e servem de guia aos vassalos no plano ético e moral). O mau rei identifica-se, como é óbvio, com o tirano
e a pulsão agressiva, pois ambas recorrem à violência para assegurar a subordinação dos súbditos.
[In Gustav-Nicolas Fischer, A dinâmica social. Violência, poder, mudança, pp. 101-103.]
(102)
No século XVII Bossuet revela esta inspiração bíblica na Política tirada das próprias palavras
da Sagrada Escritura:
Hemos visto como los reis ocupan un lugar
de Dios, que es el verdadero padre del género humano. Hemos visto también cómo la primera idea de poder que existió entre
los hombres fue la del poder paternal, y como los reyes se han constituido según el modelo de los padres.
Todo el mundo está de acuerdo también en
que la obediencia que se debe al poder público no se encuentra en el Decálogo más que en el precepto que obliga a honrar a
los padres.
De todo esto se deduce que el nombre de
rey es nombre de padre, y que la bondad es el caracter natural de los reyes.
[In Bossuet, Politica sacada de las Sagradas
Escrituras, citado por Fernando Prieto, Lecturas de Historia de las Ideas Políticas, pp. 233-234.]
Em Portugal, nos alvores do constitucionalismo, os absolutistas ainda insistiam em citar a Bíblia
para demonstrar a justeza do paternalismo régio:
Os títulos de Pais de famílias, de Príncipes, de Legisladores, pertenceram aos Patriarcas:
passaram de geração em geração, e com eles a autoridade, e a força do Deus Santo, que os protegia. Os filhos de Heth chamaram
a Abraão Senhor, e Príncipe de Deus [Génesis, 23. 6].
[In António Joaquim de Gouveia Pinto, Os caracteres da monarquia, pp. 62.]
(103)
O neopitagorismo definiu a monarquia como um regime divino e, consequentemente, perfeito. No
entanto, filósofos como Árquitas ou Hipódamo recusaram-se a atribuir ao rei um poder irrestrito, declarando-se defensores
de uma constituição mista que previsse a existência de contra-poderes destinados a vigiar e limitar a acção do sumo imperante.
[Vide Nair de Nazaré Castro Soares, O Príncipe ideal no século XVI e a obra de D. Jerónimo
Osório, p. 30.]
Na república romana a autoridade paterna era venerada mas não se sobrepunha à dignidade da magistratura.
Confirma-o a atitude exemplar do ex-ditador Fábio Máximo (século III a.C.) quando demonstrou ao seu filho, entretanto designado
cônsul, que em nenhuma circunstância o respeito filial deveria preceder as prerrogativas devidas a um primeiro magistrado
republicano.
O dever de submissão ao pater familias esteve, contudo, desde sempre arraigado no espírito
romano, tendo sido politicamente utilizado pelos teorizadores do início do século II, nomeadamente por Plínio-o-Jovem, que
atribuía a supremacia do poder imperial à protecção paternal dispensada pelos césares à plebe:
El Panegírico de Trajano compuesto por
Plinius Caecilius Secundus (el Joven) (60?-114) recopila todos los rasgos que la mentalidad romana asignaba a la figura del
princeps. No es original, pero tiene el interés de ser testimonio de una doctrina. Siguiendo el camino que ya había
abierto Séneca, Plinio nos hace el retrato del príncipe modelo atribuyéndole las virtudes que entiende que son más interesantes.
Quizá el núcleo de todas ellas se resuma en la humanidad (Pan. 24; 71, 5): ante todo se pide al príncipe que sea un
hombre en plenitud (2, 4). Dada su posición de superioridad, la humanidad del príncipe se concreta en la paternidad del príncipe
(2, 3; 21).
[In Fernando Prieto, História de las ideas
y de las formas políticas. I Edad Antigua, p. 222.]
(104)
No reinado de Luís XI de França (1461-1483), o paternalismo régio tornou-se um poderoso argumento
para o soberano reprimir os seus opositores políticos. Na sua qualidade de pai dos súbditos, assistia ao rei o direito de
castigar os filhos desobedientes:
Au roi paternel correspondent des sujets unis, soumis et aimants: mesurer son allégeance au
souverain ou ne pas être totalement dévoué à sa personne apparait comme une contestation de l'ordre politique. Ainsi, l'archevêque
de Tours Élie de Bourdeilles (vers 1410-1484), que Louis XI accuse d'être dans l'opposition, notamment parce qu'il a pris
la défense du cardinal La Balue, enfermé dans une cage de fer au château de Loches pour crime de lèse-majesté,
nie avoir failli à son serment de fidélité et affirme son intention de tenir cet engagement jusqu'à la mort. La défense
présentée par l'archevêque sous-entend l'existence d'un seul parti légitime dans le royaume, celui du roi: le lien
personnel entre le roi et chacun de ses sujets ôte toute base légale à une véritable opposition, aussitôt entendue comme insubordination,
rébellion, crime de lèse-majesté.
[In Philippe Contamine, Les malcontents
de la monarchie, in L'Histoire, nº 184, p. 91.]
(105)
Indeed subjects are not slaves of
the king at all, as is commonly said. For they are neither captured in war nor bought for money. Quite the reverse: since
all together as a whole [universi] they are deemed to be lords, as we have shown above, so as individuals [singuli] they must
be considered to be in the position of brothers, or agnates, and other blood relatives.
[In Vindiciae, contra tyrannos:
or, concerning the legitimate power of a prince over the people, and of the people over a prince, p. 107]
Esta posição diverge substancialmente dos princípios aristotélicos, que consideram o paternalismo
e o relacionamento fraternal, respectivamente, característicos das constituições políticas monárquica e timocrática:
... as relações de um pai com o seu filho fornecem a imagem da monarquia...; de facto, a monarquia
considera-se um governo paternal...; o poder do marido sobre a mulher parece ser de carácter aristocrático (o marido exerce
a sua autoridade proporcionalmente ao seu mérito e nos domínios em que convém que um homem mande...) As relações entre irmãos
lembram o governo timocrático... A democracia surge sobretudo nas famílias privadas de chefes.
[Aristóteles, "Ética a Nicómaco" (1160b, 25-1161a, 8), citado por José Gil, Poder,
in Enciclopédia Einaudi, vol. 14º (Estado-Guerra), p. 79.]
A tradição medieval de um poder real limitado permaneceu latente até ao século XVI. Em muitos
reinos medievais considerava-se o rei um supremo magistrado, possuidor de uma potestade equivalente à do conjunto dos representantes
das três ordens quando reunidos em assembleia.
O caso da coroa de Aragão é emblemático, porque durante a investidura de um novo monarca os
vassalos declaravam-se "iguais" a este, prestando-lhe o seguinte juramento:
Nós que valemos tanto vomo Vós, prestamo-Vos juramento, a Vós, que valeis tanto como nós, e
aceitamo-vos como soberano, na condição de respeitardes as nossas leis e as nossas liberdades.
[Citado por José Luis Vilallonga, O rei, p. 7.]
A circunstância deste juramento aragonês constar em epígrafe num livro destinado a publicitar
a opinião de Juan Carlos I sobre o magistério de influência que o actual monarca espanhol pretende exercer na jovem democracia
do seu país, não deixa de ser historicamente aliciante, porque nos dá uma excelente perspectiva da evolução do poder real
na Europa Ocidental nos últimos dez séculos.
Será talvez curioso recordar ter sido Filipe V, o rei fundador da dinastia reinante em Espanha,
quem destruiu a ampla autonomia administrativa aragonesa, catalã, valenciana e maiorquina, justificando esta grave decisão
com o argumento de que aquelas províncias se haviam rebelado contra o legítimo monarca ao terem apoiado o pretendente austríaco
na Guerra da Sucessão:
Al iniciarse el siglo XVIII, y con él el
ejercicio del poder por el primer representante de la nueva dinastia, los cambios no se hicieron esperar. Felipe V aprovechó
la oportunidad que le deparaba el desarrollo de la guerra de Sucesión para rectificar el rumbo de la organización municipal
e reducir drásticamente las diferencias regionales.
El Decreto de 20 de junio de 1707 abolió
en su totalidad el Derecho de Aragón y Valencia, y por tanto la organización municipal privativa de ambos reinos. Los argumentos
con que se justifica tan grave decisión resulta sumamente expresivos de la linea politica propugnada por los Borbones. Con
independencia de la supuesta infidelidad de aragoneses y valencianos, sublevados contra el rey, y del consiguiente derecho
de conquista que el monarca está en condiciones de ejercer tras haberlos sometido por las armas...
[In Benjamín González Alonso, Sobre el
estado y la administración de la corona de Castilla en el Antiguo Régimen, p. 209.]
No arquipélago das Baleares, antigo reino de Maiorca, Filipe V agiu do mesmo modo (salvo na
ilha de Menorca, na época sob domínio da coroa britânica). Em 28 de Novembro de 1715 o rei promulgou o famoso decreto da Nueva
Planta del Gobierno de Mallorca, que revogava os privilégios maiorquinos prescritos na Carta de Franqueza (promulgada
em 1230 por Jaime I de Aragão). Em 11 de Dezembro de 1717, no intuito de uniformizar a administração espanhola, todos os documentos
legais dimanados das autoridades locais passaram a ser redigidos em
castelhano. Poucos anos depois, em 22 de Julho de 1718, Madrid dissolveu o Gran i General Consell,
pondo termo ao último bastião da emancipação política balear.
[Vide Gaspar Sabater, Historia de las Baleares, pp. 144-146]
Os Áustrias espanhóis jamais agiram de maneira tão radical em situações idênticas, o que torna
patente não terem os monarcas de setecentos, em Espanha, seguido o procedimento dos seus predecessores dos séculos XVI e XVII.
Carlos V não derrogou os foros castelhano, valenciano e maiorquino por ocasião das revoltas das "Comunidades" de Castela e
das "Germanías" de Valência e Maiorca (1520-1521). Filipe IV, por sua vez, tendo em mente o testemunho de D. António Caetano
de Sousa, infligiu pesadas penas aos sublevados eborenses (execuções, condenação às galés e desterros), mas não aproveitou
a oportunidade para anular os capítulos firmados pelo seu avô nas cortes de Tomar.
[Vide D. António Caetano de Sousa, História genealógica da casa real portuguesa...,
tomo VII, livro VII, p. 33.]
(106)
Mas o primeiro autor do Quatrocento que escreve uma obra profunda e bem estruturada, um verdadeiro
tratado político-pedagógico para a formação de um príncipe é Francesco Patrizi (1412-1494). Referimo-nos De regno et regis
institutione, concluído provavelmente em 1484 e dedicado a Afonso de Aragão, duque de Calábria.
[...]
O livro I desta obra, dedicada à formação de um príncipe, abre com a defesa da teoria monárquica,
o principado, que, à semelhança do reino celeste, mantém a paz e a harmonia entre todos (p. 9-12). O princeps deve
ser amado pelos concidadãos como um pai pelos filhos.
[In Nair de Nazaré Castro Soares, O Príncipe ideal no século XVI e a obra de D. Jerónimo
Osório, p. 113.]
(107)
Vide idem, ibidem, p. 279 (nota 3).
(108)
A enorme importância conferida por D. Jerónimo Osório ao carácter paternal do poder régio torna-se
evidente quando ele, no De regis institutione et disciplina, recusa a possibilidade de um estrangeiro aceder ao trono
de Portugal, pois, em sua opinião, o rei para ser um bom pai tem de possuir costumes idênticos aos do povo que governa:
O rei, qual pater familias (267.50 e sqq.), deve manifestar uma afinidade de vida e de
costumes que atraia a fidelidade dos súbditos:
Ora o estado real tem necessidade de ser fortalecido pela fidelidade e afeição dos
seus [súbditos] e não pela ostentação de uma absurda e odiosa erudição. É que tal como a comunhão de
língua, a afinidade de vida e a semelhança de costumes unem os espíritos, também o som duma língua desconhecida, o diferente
modo de viver, a diversidade de costumes quebram toda a união dos espíritos.
[In idem, ibidem, p. 400.]
(109)
Vide Maria Helena Prieto, O ofício de rei n'Os Lusíadas segundo a concepção clássica,
in Actas da IV reunião internacional de camonistas, p. 770 (nota 11).
(110)
Na carta dirigida a D. João III por António Ferreira e no epitáfio dedicado ao mesmo rei, encontram-se
algumas alusões ao paternalismo régio:
Assim, pois, o rei nos aparece como um mandatário do povo, e esta ideia anda ligada com a ideia
de pai, que se encontra muito repetida, e de que tomámos estes dois exemplos [o primeiro retirado do epítáfio e o segundo
da carta] de entre outros passos em que a mesma ideia aparece;
A paz, a mansidão, a alta bondade,
..................................
Aqui estão co bom Rey, pay verdadeiro
Rei justo, Rei clemente, Rei pacífico,
Rei homem, Rei, e pai, senhor, e amigo
[In Dionysia Camões, António Ferreira e as ideias políticas da Renascença, in Boletim
da Faculdade de Direito de Coimbra, pp. 479-480.]
Numa passagem do quarto acto da tragédia Castro, Pero Coelho (um dos conselheiros de
Afonso IV) lembra ao rei que é pai comum de todo o reino, devendo por isso julgar os súbditos com isenção, evitando
a clemência ou severidade excessivas:
Coelho - O ânimo real tão firme, e forte
Há-de ser no que faz que nunca possa
Debaixo do Céu nada pervertê-lo.
A justiça, Senhor, pinta-se armada
D'espada aguda, contra cujos fios
Não possa haver brandura, nem dureza.
Cada um destes extremos é grande vício
Em quem é pai comum de todo um reino."
[In António Ferreira, Castro, pp. 97-98.]
(111)
Justiniano- [...] Em Xenofonte dizia Crisantes, que o bom príncipe nada diferia
do bom pai.
Antíoco- E de Eliaquim disse o Profeta Isaias que seria como o pai dos moradores de Jerusalém.
Castigue o rei por obrigação, e faça mercês por gosto, e será servido com amor, querido de todos em a vida e desejado na morte.
[In Frei Amador Arrais, Diálogo V - Das condições e partes do bom príncipe, in Diálogos,
p. 137.]
(112)
Après la Fronde, Louis
XIV incarne le même ordre national, qui est le premier souci de tout prince. Le bien commun qu'il assume, sa qualité de père
de la nation le conduisent à préserver l'interêt national vis-àvis des interêts particuliers des corps avec lesquels la nation
compose. Il exprime souvent sa volonté de concorde nationale en appelant à l'union des corps et ordres du royaume, notamment
lors des réunions d'États généraux ou dans les préambules d'édits ou d'ordonnances. Cette cohésion, le roi, tel Louis XIV, veut l'obtenir en realisant l'unité de religion, conformément à l'adage Une
foi, une loi, un roi.
[In Jean Barbey, Être roi, p.
287.]
(113)
Saint-Simon acusava Luís XIV de só muito raramente conceder audiências aos vassalos, embora
o memorialista reconheça que nessas ocasiões o monarca ouvia atentamente as queixas destes e averiguava se tinham ou não fundamento.
[Vide Saint-Simon, Mémoires,
vol. 11º, pp. 436-437.]
Num texto dirigido em 1667 ao Delfim, a propósito dos extensos privilégios da "noblesse de robe"
e sobre o dever de os reis justos abreviarem os processos judiciais morosos, Luís XIV contradiz Saint-Simon ao dizer que reservara
um dia por semana para escutar os lamentos do povo humilde:
Je réformai aussi dans le même temps la manière dont j'avais moi-même accoutumé de rendre la
justice à ceux qui me la demandaient immédiatement: car je ne trouvais pas que la forme en laquelle j'avais jusque-là reçu
leurs placets fut commode ni pour eux ni pour moi. Et, en effet, comme la plupart des gens qui ont des demandes ou des plaintes
à me faire ne sont pas de condition à obtenir des entrées particulières auprès de moi, ils avaient peine à trouver une heure
propre pour me parler et demeuraient souvent plusieurs jours à ma suite, éloignés de leurs familles et de leurs fonctions.
C'est pourquoi je déterminai un jour de chaque semaine, auquel tous ceux qui avaient à me parler ou à me donner des mémoires
avaient la liberté de venir dans mon cabinet, et m'y trouvaient précisément appliqué à écouter ce qu'ils désiraient me dire.
[Citado por Michel Déon, Louis XIV par lui-même, p. 90.]
Parece, no entanto, que Saint-Simon tinha razão na crítica que fazia, pois também La Bruyère verberou o crescente isolamento de Luís XIV quando a corte
se instalou em Versalhes nos derradeiros anos do seu reinado, uma realidade que não é desmentida hoje pelos actuais biógrafos
do Rei-Sol:
Le retrait progressif de la Cour
à Versailles, l'isolement du Roi derrière une étiquette de plus en plus sophistiquée, correspondent à la rupture survenue
entre les fêtes urbaines du règne, et les fêtes de plein air à Versailles, Chambord, Fontainebleau, où seul un petit nombre
d'élus étaient admis. Tant qu'il résida au Louvre, le Roi demeura très accessible à ses sujets, beaucoup plus que ne le sont
nos Présidents de la Republique. A Versailles, cette
facilité et cette disponibilité disparurent, en raison de l'étiquette qui régissait tout.
[...]
Enfin, la distance progressive qui s'établit entre Louis XIV et son peuple, fut le prétexte
à une autre critique de La Bruyère s'attaquant au
caractère de représentation du Roi qui, chez lui, était devenu une seconde nature. Le plaisir d'un roi qui mérite de l'être
est de l'être moins quelquefois, de sortir du théâtre, de quitter le bas de saye et les brodequins, et de jouer avec une personne
de confiance un rôle plus familier.
[In Marie-Christine Moine, Les fêtes à la cour du Roi-Soleil, pp. 152 e 214.]
O distanciamento de Luís XIV em relação aos súbditos também desagradava a Fénelon, que aconselhava
o duque de Borgonha a abster-se de imitar o seu avô quando um dia viesse a reinar, para não se divorciar da realidade:
Un roi inaccessible aux hommes l'est aussi de la verité: on noircit par d'infâmes rapports et
on écarte de lui tout ce qui pourrait lui ouvrir les yeux. Ces sortes de rois passent leur vie dans une grandeur sauvage et
farouche, ou, craignant sans cesse d'être trompés, ils le sont toujours inévitablement, et méritent de l'être. Dès qu'on ne
parle qu'à un petit nombre de gens, on s'engage à recevoir toutes leurs passions et tous leurs préjugés: les bons mèmes ont
leurs défauts et leurs préventions. De plus, on est à la merci des rapporteurs, nation basse et maligne qui se nourrit de
venin, qui empoisonne les choses innocentes, qui grossit les petites, qui invente le mal plutôt que de cesser de nuire, qui
se joue, pour son intérêt, de la défiance et de l'indigne curiosité d'un prince faible et ombrageux.
[In Fénelon, Les aventures de Télémaque,
pp. 395-396.]
(114)
Bossuet rejeita uma visão autoritária do paternalismo régio e caracteriza-o pela sua bondade,
porque esta é o verdadeiro apanágio da grandeza real, bem como a qualidade mais natural dos monarcas (liv. III, art. 3º, proposição
1ª):
Parce que Dieu est grand et plein en lui-même, il se tourne pour ainsi dire, tout entier à faire
du bien aux hommes, conformement à cette parole: selon sa grandeur, ainsi est sa misericorde.
Il met une image de grandeur dans les rois, afin de les obliger à imiter sa bonté.
Il les éleve à un état où ils n'ont plus rien à desirer pour eux-mêmes. Nous avons oui David
disant: Que peut ajouter vôtre serviteur à toute cette grandeur dont vous l'avez revêtu.
Et en même temps il leur déclare, qu'il leur donne cette grandeur pour l'amour des peuples.
[In Bossuet, Politique tirée des propres paroles de l'Écriture Sainte, p. 90.]
Os príncipes só conquistam o amor dos povos se buscarem promover o bem-público e não
satisfazer os seus desejos. A maior preocupação dos governantes deverá ser a de prover às necessidades dos mais pobres e desvalidos
(liv. III, art. 3º, proposições 2ª à 4ª):
Ceux qui commandent les peuples, soit princes, soit gouverneurs, doivent à l'exemple de Neémias
soulager le peuple accablé. Les gouverneurs qui m'avaient precedé foulaient le peuple, et les serviteurs tiraient beaucoup:
et moi qui craignait Dieu je n'en ai pas usé ainsi; au contraire, j'ai contribué à rebâtir les murailles; je n'ai rien acquis
dans le pays: plus soigneux de donner que de m'enrichir; et je faisait travailler mes serviteurs: je tenait une grande table,
où venaient les magistrats, et les principaux de la ville, sans prendre les revenus assignés au gouverneur; car le peuple
était fort apauvrit.
C'est ainsi que Neémias se rejouissait d' avoir soulagé le pauvre peuple; et il dit ensuite
plein de confiance: O Seigneur, souvenez-vous de moi en bien, selon le bien que j'ai fait à votre peuple.
[In idem, ibidem, pp. 96-97.]
O bom príncipe distingue-se do tirano porque é liberal e não egoísta, interessando-se unicamente
em velar pela felicidade do povo para obter o favor de Deus (liv. III, art. 3º, proposições 5ª e 6ª):
C'est la règle de la justice divine, de ne punir que seulement les serviteurs violents, qui
abusent du pouvoir qu'il leur à donné: mais encore les serviteurs inutiles, qui ne sont pas profiter le talent qu'il leur
a mis en main. Jettez le serviteur inutile dans les tenèbres extérieures: c'est-à-dire, dans la prison obscure, et profonde,
qui est hors de la maison de Dieu: là seront pleurs et grincements de dents.
[In idem, ibidem, pp. 98-99.]
(115)
Un roi pouvant être comparé à un père, on peut réciproquement comparer un père à un roi, et
déterminer ainsi les devoirs du monarque par ceux du chef de famille, et les obligations d'un père par celles d'un souverain:
aimer, récompenser et punir, voilà, je crois, tout ce qu'ont à faire un père et un roi.
[...]
Même parité entre le gouvernement d'une famille et celui d'un état. Le maitre qui régit l'une
ou l'autre, a deux objets à remplir: l'un d'y faire régner les moeurs, la vertu et la piété: l'autre d'en écarter le trouble,
les desastres et l'inteligence: c'est l'amour de l'ordre qui doit le conduire, et non pas cette fureur de dominer,
qui se plait à pousser à bout la docilité la mieux éprouvée.
Le pouvoir de récompenser et de punir est le nerf du gouvernement. Dieu lui-même
ne commande rien, sans effrayer par des menaces, et inviter par des promesses. Les deux mobiles du coeur humain sont l'espoir
et la crainte. Pères et rois, vous avez dans vos mains tout ce qu'il faut pour toucher ces deux passions. Mais songes que
l'exacte justice est aussi soigneuse de récompenser, qu'elle est attentive à punir. Dieu vous à établis sur la terre ses substituts
et ses représentants: mais ce n'est pas uniquement pour y tonner; c'est aussi pour y répandre des pluies et des rosées bienfaisantes.
[In Amour, in Encyclopédie
ou dictionnaire raisonné des sciences des arts et des métiers, vol. 1º, p. 370.]
(116)
Nos seus comentários ao sexto exercício das Reflexões do padre Guillaume-François
Berthier, o duque de Berry, futuro Luís XVI, mostra possuir uma ideia muito concreta dos desvelos e obrigações paternais que
deveria ter para com o povo:
Si la vraie gloire pour un prince est d'avoir de tels sentiments pour ses ennemis même
{refere-se à comiseração de Luís XV pelos feridos ingleses após a vitória francesa em Fontenoy, quando visitou o campo
de batalha acompanhado pelo Delfim [Fig. 111], pai de Luís XVI}, quelle est l'affection qu'il doit avoir pour son propre
peuple! Le roi, le berger, le père ne sont qu'une même chose. Dieu ne m'a
donné mes sujets, disait Henri le Grand, que pour les conserver comme mes propres enfants... et pour quel autre peuple peut-on
avoir ce sentiment avec plus de justice que pour ce peuple actif et industrieux, brave et intrépide, doux, aimable, qui idolâtre
ses maitres, et que je suis destiné à gouverner un jour? Je dois donc diriger toutes mes vues par le sentiment de la plus
tendre affection pour mes peuples, dans l'établissement et la manutention des lois, dans l'administration intérieure, dans
l'imposition et la perception des tributs, dans le choix de mes ministres et de tous ceux à qui je me trouverai obligé de
confier détails du gouvernement.
[Citado por Pierrette Girault de Coursac,
L'éducation d'un roi: Louis XVI, p. 132.]
(117)
A coacção exercida sobre os reis pelos vários estratos sociais, foi uma constante da história
francesa desde as crises sociais da segunda metade do século XIV até 1789. Luís XIV, que assistira na juventude aos desacatos
das frondas nobiliárquicas, nunca o esqueceu [ver notas 52 e 70]; Luís XV, certamente lembrado dos desmandos verificados
durante a sua menoridade [ver notas 68 e 69], seguiu o exemplo do bisavô, mas Luís XVI, para sua desdita, acreditou
na possibilidade de os reis absolutos poderem condescender sem correrem o perigo de perderem a autoridade:
Sans passer par le canal de la contestation organisée, le mécontentement de certains sujets
aboutit à l'occasion à faire pression sur le roi, lequel, par politique, reviendra - définitivement ou pour un temps - sur
une décision. En 1369, la reprise de la guerre a obligé Charles V à établir un impôt mal ressenti par les villes. à partir
de 1379, une vague de soulèvements urbains conduit ce prince, sur son lit de mort, en novembre 1380, à l'abolir; ses frères,
qui gouvernent ensuite au nom du jeune Charles VI, sont contraints d'étendre cette abolition à l'imposition des aides. Dans
les premières années de son règne, Louis XI a fréquemment destitué des officiers et même des corps entiers d'officiers, lesquels
prêtent alors une complaisante oreille aux mécontents ralliés autour du frère du roi et de Charles de Bourgogne. Le roi modifie
alors sa politique: en juillet 1465, par un édit rétablissant les notaires et secrétaires royaux destitués. il confesse avoir
ignoré leurs prérogatives et leurs privilèges. Autres exemples significatifs: après avoir explicitement reconnu, en 1584,
Henri de Navarre comme son successeur, Henri III est contraint par une partie de l'opinion catholique conduite par la Ligue de le déchoir, le 18 juillet 1585, de son droit successoral. En 1774,
une partie de l'opinion publique, menée par le milieu des ex-parlementaires pousse Louis XVI à annuler la réforme de sob aieul
qui avait abouti à la suppression des parlements.
[In Jean Barbey, Être roi, p.
222]
(118)
Atente-se no que diz o Signor Ottaviano quando menciona os deveres dos reis:
Next I should tell him how he [refere-se ao príncipe] ought to love his own country and his own people, not holding them to much in bondage, lest he make himself hated
by them, from which come seditions, conspiracies, and a thousand other evils; nor yet in to great liberty, lest he be despised,
from which come a licentious and dissolute life among the people, rapine, thievery, murders, without any fear of the law;
and often the ruin and total destruction of city and realms.
[...]
Thus, it would be well to have the
greater part of the citizens neither very rich nor very poor, for the overrrich often become proud and insolent, and the poor,
abject and fraudulent."
[Baldesar Castiglione, The Book of
the Courtier, pp. 316 e 317.]
(119)
Apontar como limites geográficos a barra de Lisboa e a cadeia montanhosa que separa a Europa
da Ásia não é, neste caso, somente uma frase para embelezar o texto. Na verdade, como adiante veremos com maior detença, os
lisboetas experimentaram um sentimento de orfandade no momento em que viram a família real partir para o Brasil em 1807; quanto
aos orgulhosos cossacos das estepes cazaques - uma comunidade "à parte, simultaneamente militar e democrática", conforme escreve
Nicholas Riasanovsky na sua História da Rússia -, secundaram a revolta campesina de Pugatchev (1773-1775) para "mostrar
de uma maneira brutal e trágica, o abismo que separava a filosofia francesa da realidade russa"; ou seja, o seu descontentamento
perante o programa de reformas políticas, sociais e económicas empreendidas pela czarina Catarina, que na velha Rússia feudal
do século XVIII proporcionou o reforço da nobreza de corte.
Pugatchev, trazido para Moscovo após ter sido capturado, foi julgado e atrozmente executado,
mas as reivindicações que despoletaram a insurreição camponesa permaneceram bem vivas, levando o czar Paulo I, sucessor da
Catarina II, a mostrar-se menos benévolo com a nova grande nobreza russa.
[Vide Nicholas V. Riasanovsky, Histoire de la
Russie des origines à 1984, pp. 199, 286-287 e 301.]
O mais interessante na revolta de Pugatchev reside no facto de ela ter sido desencadeada porque
os camponeses acusavam a czarina de haver interposto a nobreza de corte entre o soberano e os vassalos, pondo em risco o contacto
directo e paternal desde sempre existente entre ambos:
El ideal de los seguidores de Pugachov
era principalmente una sociedad estática y simple donde un gobernante justo garantizasse el bienestar de todos dentro del
marco de una obligación universal hacia el soberano. El gobernante debía ser un padre para su pueblo y sus hijos; y el poder
debía ser personal y directo, no institucionalizado ni tampoco mediatizado por los proprietarios de tierras y siervos. Esta
forma de pensar también puede explicar la imperiosa necesidad de vengarse de los nobles y funcionarios y de su forma de vida
moderna e inmoral. Esta urgencia se manifestó con especial fuerza en la última fase de la revuelta: los siervos destruyeron
las fincas de la nobleza, sobre todo sus detalles más modernos (es decir, los cristales, las ventanas y las chimeneas de pared),
porque eran símbolos de la nueva civilización, extraña y pagana; también se produjeron algunos casos de actividad ludita
por parte de los obreros febriles en los Urales.
[In Marc Raeff, La rebelión de Pugachov,
in Revoluciones y rebeliones de la Europa Moderna,
p. 213.]
Bastante intrigante é a fidelidade do clero ortodoxo (cujo ultra-conservadorismo, em princípio,
estaria em sintonia com as reivindicações dos mujiques liderados por Pugatchev) a Catarina II, sobretudo tendo em conta que
ela cerceou a autoridade e poder económico da Igreja Russa:
L'imperatrice était fort aimée de
son clergé, dont elle avait poutant diminué et borné les richesses et l'autorité. Lorsque Pugatschev, à la tête de ses brigands,
parcourant les campagnes, entrait, le sabre nu, dans les églises pour faire prier pour lui, un curé, à son approche, prit
le Saint-Sacrement, et alla à sa rencontre: Augmente tes crimes, scélerat, lui dit-il, en me massacrant portant Notre Seigneur
Jésus-Christ dans mes bras. Coupe-moi la tête, si tu oses. Je viens de prier pour notre grande impératrice.
[In Príncipe de Ligne, Pensées,
Mémoires, lettres et pensées, p. 765.]
(120)
No sermão proferido durante os festejos da aclamação de Carlos IV em Valência (1789), o padre
D. Francisco Miguel Cano e Urrea interpela os crentes com sucessivas interrogações, demonstrando-lhes que o rei, ao proteger
os direitos de todos os vassalos, impede as dissensões civis e torna-se o principal garante da ordem pública:
Quién será más próximo nuestro que el rey?...
A quién le debéis, vassallos pobres, el que no os traguen y sorban enteramente los ricos? A quién le debéis, vasallos humildes,
el que no os opriman con violencia los poderosos? A quién le debéis, vasallos honrados la libertad civil y politica que gozais?
A quién, viudas desconsoladas, el que sean oídas vuestras causas? A quién, huérfanos afligidos, el que sean atendidos vuestros
derechos? A quién, ricos, el que vuestras riquezas no os constituyan víctimas de la codicia más desenfrenada? A quién, Grandes,
a quién vuestra grandeza, el esplendor, la opulencia y brillo en que vivís? A quièn, todos, en una palabra, el pan que comemos,
el agua que bebemos y hasta el ayre que respiramos?
[Citado por Maria Pilar Monteagudo Robledo, La monarquía ideal, p. 60.]
As interrogações do pároco valenciano inspiram-se na concepção política aristotélica de que
um monarca, para preservar o poder, deve adoptar ante os vassalos uma posição de independência, isenção e equanimidade, sejam
eles ricos ou pobres:
Et puisque les cités sont composés de deux parties, les gens modestes et les gens aisés, il
faut avant tout que toutes les deux en viennent à penser que le pouvoir (en place) assure leur sauvegarde, c’est-à-dire
préserve les membres de chacune [de ces parties] des injustices des membres de l’autre...
[In Aristote, Les politiques, pp. 403-404.]
(121)
No extracto adiante transcrito vigésimo-quarto livro do poema Aventuras de Telémaco, traduzidas
em verso português (que corresponde ao texto de Fénelon acima citado [Ver nota 113]), colocaremos entre parênteses
rectos as anotações feitas pelo tradutor português, todas elas referentes a Luís XIV:
(3) [Luís XIV comunicava-se muito pouco. Era sério ainda mesmo no particular: o que embaraçava
os cortesãos o tomarem liberdade na sua presença] A um Rei a quem os homens nunca chegam,/ Nunca chega a verdade. Com infames/
Mexericos o enredam. Envenenam,/ E afastam quem lhe pode abrir os olhos./ Desta classe um Monarca passa a vida/ Em grandeza
selvática, e bravia/ Eles ser enganados receando,/ Sempre o são, sem poderem evitá-lo;/ E o merecem ser. Aqueles homens,/
Que não falam senão a pouca gente,/ Se empenham a tomar-lhe os seus defeitos./ Ainda os bons têm prevenções erradas./ Demais,
estão à discrição dos torpes/ Mexeriqueiros, que são gente baixa,/ Maligna, que se nutre de venenos,/ E que envenena as coisas
inocentes,/ E as pequenas avulta. É-lhes mais fácil/ O inventar o mal, que não fazê-lo./ Enfim a curiosidade, e vãs suspeitas/
Escarnecem de um Rei frouxo, e (4) [O Rei era muito desconfiado: o que fazia que poucas pessoas se chegassem a ele. Nunca
teve validos, mas deixava-se prevenir facilmente. Era supersticioso; e abusavam muitas vezes da sua credulidade.] sombrio,/
O seu próprio interesse promovendo./ Os homens conhecei, caro Telémaco:/ Fazei que falem uns acerca dos outros./ Provai-os
pouco a pouco; e a nenhum deles/ Vos entregueis. Aproveitai as vossas/ Experiências. Se fordes enganado/ Alguma vez em juízos
vossos,/ Colhei daí o não julgar com pressa/ Nem bem, nem mal. Os maus são ardilosos/ Para os bons surpreender com os seus
disfarces./ Vossos passados erros vos instruam./ Se encontrardes talentos, e virtudes/ Num sujeito, deveis servir-vos dele/
Afoitadamente. Os virtuosos querem/ Que a sua probidade se conheça:/ Prezam estimação, e confiança, Mais que os tesouros.
Procurai contudo/ Não estragá-los, um poder sem termo/ Pondo nas suas mãos. Algum seria/ Virtuoso, e o não é, porque seu Amo/
Lhe deu demasiada autoridade, e riquezas. (5) [O Rei não teve amigos. Tinha muita altivez, e reserva. Não teve senão torpes
lisonjeiros, que o envenenavam com o seu incenso desde a infância. Tanto era sensível ao amor, tão pouco à amizade, que nasce
da comunicação, e confiança.]
[In Aventuras de Telémaco, traduzidas em verso português, a que se juntam algumas notas mitológicas
e alegóricas para inteligência do poema, pp. 298-299.]
(122)
O ideal de justiça manifesta-se através de dois temas, que andam a par na literatura da época,
a saber: o tema do rei-enganado pelos seus ministros, conselheiros ou validos e, em sua resposta, o tema do rei
que assiste directamente ao seu povo e que pratica a justiça, dispensando intermediários. O sebastianismo, desenvolvido
numa época em que o rei se encontra em Madrid, ao reclamar a presença de um rei que assista directamente ao seu povo, terá
de ser visto à luz desta temática geral.
[In Diogo Ramada Curto, O discurso político em Portugal (1600-1650), p. 222.]
(123)
Na descrição fúnebre das exéquias de D. João V (celebradas em 1750 na catedral de Lisboa), o
padre Bento Morganti, ao traçar o perfil psicológico do defunto, assaca aos cortesãos a culpa das injustiças cometidas pelo
monarca, pois esforçaram-se por lhe esconder as súplicas e acusações dos agravados:
[...] porque residiu sempre em seu régio coração o amor da justiça, castigando severamente
a todos aqueles que a adulteravam, e se não deu mais claras, e distintas demonstrações deste amor, foi porque como sempre
teve asilo a maldade, ocultavam-se aos ouvidos do príncipe os clamores dos queixosos, rebuçando-se com aparências de zelo
os abortos de rectidão.
[In Bento Morganti, Descrição fúnebre das exéquias que a Basílica Patriarcal de Santa Maria
dedicou à memória do fidelíssimo senhor rei D. João V , p. 25.]
(124)
Façam os príncipes muito caso de grangearem o amor dos seus, que não há fortaleza mais segura,
nem mais fortes peitos de prova, que os ânimos dos vassalos obrigados ao amor, e bom tratamento do seu príncipe.
[In António Carvalho de Parada, Arte de reinar, Livro II, Discurso 2º]
Os reis tiranos podem ser respeitados mas vivem em constante perigo, pois suscitam a vingança
dos que oprimem:
Não é o temor o que melhores efeitos causa, porque ainda que o povo à vista dele se
refreie de cometer crimes, executado o rigor, todos se alteram: nem os príncipes, que por este modo governaram tiveram mais
felizes sucessos em seu governo, antes o ódio, que granjearam se armou contra eles para lhes tirar a vida, e a honra [...]
[In idem, ibidem, Livro II, Discurso 1º]
O bom rei, merecedor do amor dos súbditos, é aquele que reconhece as limitações da sua condição
humana e alicerça a autoridade na observância das leis e no bom governo da sociedade:
Aristóteles o entendeu assim, dizendo que a conformidade dos que vivem numa mesma república
sujeitos às mesmas leis, e ao mesmo príncipe, conserva em sua perfeição o governo civil e político, como em outro discurso
mais largamente mostrarei: e sendo este amor tão poderoso entre os mesmos vassalos, é não somente poderoso, mas necessário,
em respeito dos príncipes, pois se funda em duas relações uma de igualdade, enquanto são da mesma espécie, outra de superioridade,
enquanto, cabeça necessária à conservação dos demais membros; Séneca comparou estas duas relações entre o príncipe, e vassalos,
a outras duas, que é entre o piloto, e os que vão no mesmo navio, uma de igualdade enquanto são todos passageiros, outra de
superioridade enquanto depende dele o governo do navio, em cuja salvação consiste a de todos.
[In idem, ibidem, Livro II, Discurso 2º]
Aos reis paternais exige-se, portanto, que sejam afáveis e liberais para com os súbditos (Livro
II, Discurso 3º), embora precisem de ser comedidos nas suas dádivas (Livro II, Discursos 4º a 6º). A crueldade e a cobiça
(sobretudo a exploração fiscal) afastam os vassalos do soberano (Livro II, Discursos 7º e 8º), enquanto a clemência os aproxima,
conquanto também deva ser utilizada com parcimónia (Livro II, Discursos 9º e 10º).
Para o magistrado Jerónimo Freire Serrão (Juiz de Fora de Montemor-o-Novo), o amor dos vassalos
ao rei tem a vantagem de defender a coroa da deslealdade de alguns nobres:
Tirando pois em limpo do que neste artigo até agora tenho escrito, a verdadeira conclusão do
meu intento, digo que muito se devem apontar os reis na benignidade, e brandura com que se hão-de fazer amáveis a seus povos,
deixando-se ver deles, e falando-lhes com tal humanidade, e graça, que lhes enfeitice, e renda os corações, sem diminuição
da sua real autoridade; e quando com obras não possam, com tão mimosas palavras, que se possam chamar de vida, como São Pedro
chamou às de Nosso Senhor Jesus Cristo; porque ainda que o não possam imitar em tudo, nisto sim podem por especial graça Sua.
Advertindo que nos povos tem o maior cabedal do seu poder contra os poderosos de seus reinos, que deles sempre vivem receosos,
e por tanto pretendem quanto podem desafeiçoá-los dos reis com esquivanças, para que quando lhes forem necessários, os achem
contra eles propícios em suas facções, que sem ajuda sua não podem permanecer. Não compreendo nesta advertência, os poderosos
leais, e amigos da pátria; porque como estes vivem seguros na lealdade que professam, não têm de que se recear, nem para que
se valer desta cautela.
[Jerónimo Freire Serrão, Discurso político, p. 589-590]
É interessante realçar que o padre António Carvalho de Parada coloca no plano das virtudes cristãs
o amor recíproco entre o rei e os vassalos, enquanto Jerónimo Freire Serrão lhe dá um cunho marcadamente político, como compete
a um togado coimbrão em Direito Civil.
(125)
São da maior valia as considerações feitas a este propósito por Frei Manuel dos Anjos no décimo-sexto
capítulo da Política predicável e doutrina moral do bom governo do mundo, porque esta obra foi, como já dissemos, reeditada
em 1693 para ser utilizada na educação do jovem príncipe do Brasil (futuro D. João V) [Fig. 112]:
Capítulo XVI - Necessário é aos Príncipes ouvir as queixas do vulgo, se querem reprimir, e emendar
as insolências dos grandes, e ministros da justiça.
art. 1 Atender às queixas, e vexações dos pequenos, e humildes, é acção real, crédito
do bom governo.
Como não é possíel que os Príncipes assistam pessoalmente em todos os seus reinos (grande vantagem
fora se como anjos pudessem achar em todas as suas esferas) é força que mandem Comissários, e Ministros às Províncias, e distritos:
os quais, se os não estimula a consciência, e reprime o temor de Deus, talvez se façam insolentes, tiranos, e verdugos cruéis
dos miseráveis Povos, e Comarcas, a que são mandados.
[...]
Se for possível que os reis por si mesmos ouçam os queixosos, avexados, e ofendidos, com facilidade
remedeiam seus agravos.
[...]
Aos infiéis se pode fazer resistência porque todos os naturais concorrem, e ajudam para isto;
mas a estes inimigos de casa, amigos nas aparências, que com capa de reais ministros oprimem aos humildes, quem poderá resistir?
E se o quer fazer o pobre, que padece, não se põe a perigo de padecer muito mais? Os Reis têm grandes ocupações, e impossível
é poderem pessoalmente acudir a tudo: pelo qual teria grande importância, que tivessem em suas cortes, comarcas, e cidades
principais pessoas de grande zelo, conhecida virtude, e experimentada prudência, a quem acudissem os pobres, e humildes agravados,
porque muitos padecem, que não podem ver a seu rei, e se tivessem quem os ouvisse, pediriam justiça e se lhes faria: e os
tais comissários havendo primeiro examinado as razões das queixas, as apresentassem aos Príncipes.
art. 2 Deve o Príncipe a ostentações de sua grandeza remediar os males, e agravos,
que os humildes padecem.
Importante é dar o Rei perpétua audiência aos clamores do Povo contra as injustiças dos Ministros,
e insolências dos magnates, que metem debaixo dos pés os que menos podem.
[...]
Pelo qual dizia el-rei Teodorico referido por Cassiodoro: Cordi nobis est cunctos in comune
protegere, sed eos maxime, quos sibi no vimus defuisse. Sic enim aquitatis libra servabitur, si auxilium largiamur imparibus,
et metum nostrum pro parvulis, insolentibus opponamus. Fortuna enim minor Principem quaerit: Nosso ânimo real nos incita
a ser protecção, e amparo comum para todos, mas principalmente para os que menos podem. Porque assim estará sempre igual a
balança da justiça, se aos fracos, e miseráveis acudirmos com socorros, e os defendermos das insolências dos Grandes, castigando
rigorosamente seus delitos. Porque os pequenos, e humildes são os que mais necessitam do favor do Príncipe. Aprendam daqui
os Reis, porque não podem adquirir maior resplendor a sua grandeza, que em ser amparo dos pobres, e protecção dos humildes.
[In Frei Nanuel dos Anjos, Frei Manuel dos Anjos, Política predicável e doutrina moral do
bom governo do mundo, livro 3º, pp. 575 a 580]
(126)
O jurista seiscentista Jerónimo Freire Serrão não acreditava piamente no argumento do "rei enganado"
tão propalado nos tratados políticos coevos [ver nota 122], razão por que insinua não desejarem muitos reis ouvir queixas
dos seus ministros porque o seu intento é governarem contra a vontade do povo, embora lhes interesse fazer recair as culpas
sobre os validos para se livrarem a si próprios das recriminações dos súbditos:
Não quererem os reis que seus vassalos maldigam do governo tirânico dos desalmados ministros
por que os mandam, é acto não somente aprovativo das suas solturas, e latrocínios; mas indicativo também de não quererem que
os oprimidos manifestem as suas queixas, por não ficarem obrigados ao remédio que a república das suas reais pessoas espera.
[...]
Têm obrigação de ouvirem com paciência, e ainda de procurar saber os reis o que de suas reais
pessoas, e procedimentos de seus ministros dizem as populares turbas; para que (sendo verdade) o emendem, e não o sendo, cortem
na origem a raiz das suas murmurações.
[In Jerónimo Freire Serrão, Discurso político da excelência, aborrecimento, perseguição e
zelo da verdade, p. 372 e 375.]
Esta opinião lúcida do civilista coimbrão nunca foi bem compreendida pela opinião pública, que
sempre acreditou no argumento do monarca "prisioneiro" dos validos calculistas e perversos. No Antigo Regime, como ainda hoje
sucede, o "rigor político" está muitas vezes nos antípodas do rigor científico (histórico, sociológico, económico...), porque
as conveniências políticas resultam mais das aparências do que da realidade propriamente dita.
Na época mariana, os superiores interesses da monarquia absoluta impunham que a condenação do
consulado pombalino não maculasse a memória de D. José I; por essa razão, os versos contra o marquês de Pombal impressos em
folhas volantes apresentavam o rei afastado dos súbditos (1.), dominado por um "monstro" (2.), enganado pela lisonja (3.),
divorciado da realidade (4.) e traído por um homem em quem boamente confiara (5.):
1.
O pranto dos vassalos não podia/ Chegar aos pés do trono: o insolente,/ O baixo engano os passos
lhe tolhia.
(Biblioteca Nacional de Lisboa, Cód. 10984, p. 139.)
2.
Um Rei, que em régios dotes foi primeiro/ Daquele civil monstro dominado,/ Se fechava
os ouvidos ao teu brado,/ É porque ouvia a voz do lisonjeiro.
(Biblioteca Nacional de Lisboa, Cód. 6332, p. 270.)
3.
Que um homem, de quem o Rei assim fiava/ O governo da Lusa Monarquia/ Nunca jamais verdade lhe
falava! Oh caso fatal! Oh tirania!/ o injusto por justo lhe louvava/ A necessidade do reino lhe encobria.
(Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, V.T., fl. 149.)
4.
No sólio régio só a voz soava/ Do vivo aplauso, e péssimo artifício,/ Com que do rei o agrado
se aumentava// Da maldade porém não tendo indício/ Cada dia poder maior lhe dava/ Entendendo fazer-nos benefício.
(Biblioteca Nacional de Lisboa, Cód. 10984, p. 175.)
5.
Traidor absoluto, cruel tirano,/ Enganador da Augusta Majestade,/ Ocultando-lhe sempre a verdade,/
Aumentando um engano a outro engano.
(Biblioteca Nacional de Lisboa, Cód. 8612, 2ª p., fl. 30.)
[Citado por Joaquim José Carvalhão Teixeira Santos, Literatura e poder político. Pombalismo
e antipombalismo, pp. 241-242.]
(127)
Luís Torres de Lima admoesta o vassalo rebelde ao seu rei, mas admite que a submissão dos subditos
não é incondicional:
[...] o que não obedece a seu rei, e lhe não guarda respeito, enganando-o com lisonjas,
e demonstrações falsas é inimigo, salvo quando desobedecê-lo é por honra de Deus, e obrigação de sua consciência, que neste
caso não se pode chamar falta senão lealdade e amor.
[Luís Torres de Lima, Avisos do Céu, Sucessos de Portugal, vol. 2º, pp. 40-41.]
(128)
Impõe-se ao súbdito, prioritariamente, amar o príncipe, rezar a Deus por
ele, obedecer-lhe, e conservar a fé que se lhe deve como guardião da mesma. Sublinhamos os aspectos da obediência e da
Fé, por nos parecer que anunciam a repulsa à casuística que, eventualmente, poderia ser a praxe de mentalidade moldada na
reserva de consciência. No texto em apreço [reporta-se a uma citação do De sacerdotio et imperio que transcreve
em latim - Diss. I, parágrafo IV], há a intenção manifesta de definir, com clareza, um tipo de poder e uma modalidade
de contrato social que se quer fundado teologicamente. A obediência ao príncipe - e por delegação, aos seus ministros
- deve entender-se como rejeição de toda e qualquer subjectividade, de toda e qualquer mediação sociopolítica. deixando transparecer
o exercício de uma vontade régia absoluta e também, algo paternalista [...].
[In José Esteves Pereira, O pensamento político em Portugal no século XVIII. António Ribeiro
dos Santos, p. 145.]
(129)
As obrigações dos vassalos a respeito dos príncipes, e autoridades superiores,
são a reverência, a honra e a obediência. Esta obediência e honra não consiste só em um obséquio exterior; mas deve incluir,
ou nascer do acto interno virtuoso; e juntamente a externa obrigação de pagar as rendas, e os tributos necessários para sustentação
do príncipe e conservação da república. Da mesma sorte têm os vassalos obrigação de obedecer aos príncipes,
e às suas leis no que lhes mandarem. E ninguém os pode dispensar desta obediência, assim no exterior, como no interior do
espírito; porque é de Direito Divino Natural, e Positivo, de que nenhum ser humano, ainda que seja toda a Igreja Católica,
os pode eximir, ou dispensar.
[In Frei Inacio de S. Caetano, Compêndio de teologia, vol. 2º, pp. 559-560.]
(130)
O sábio pastor Antionor - na realidade Diófanes, o bom monarca tebano disfarçado - dirige-se
ao rei Anfiarao para elogiar os soberanos que se dispõem a ouvir as queixas dos súbditos e a tratá-los com amabilidade:
Não repugna à prudência, mas acredita a bondade do rei, que comunica as coisas árduas
a seus fiéis, e sábios familiares; porém de sorte, que sabendo-se que os ouve, não se entenda que o governam: assim como é
preciso ouvir os vassalos, e não os travar com desabrimento; porque não consiste a majestade na aspereza de tratar as gentes,
pois enquanto não são despachados, não é justo que vivam queixosos, e porque o soberano se faz amável pela bondade, e não
pela autoridade.
[In Teresa Margarida da Silva e Orta, Aventuras de Diófanes, imitando o sapientíssimo Fénelon
na sua viagem de Telémaco, Livro IV, p. 135.]
(131)
Se os reis só são grandes, quando são amados dos seus vassalos, só basta para ser grande, o
ser rei dos portugueses; e se o amor dos povos foi sempre a glória mais verdadeira, e menos equívoca dos soberanos, nenhum
monarca do mundo tem tido tanta como V. Majestade.
[In Frei Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico, tomo I, pp. IV e V.]
O forte laço familiar existente entre os monarcas e os vassalos foi sempre considerado
pelos nossos intelectuais dos finais do Antigo Regime uma qualidade distintiva da monarquia portuguesa. Em 1777, o jurista
Tomás António Gonzaga (que fora adepto do pombalismo político e ainda não sofrera os rigores da justiça real, após haver sido
acusado de participação passiva na Inconfidência Mineira) exaltava, numa composição poética em louvor da aclamação da rainha
D. Maria I, o paternalismo dos reis portugueses e o amor filial dos seus súbditos:
Os reis que sempre em Lisa [terra de Luso; ou seja, Portugal] governaram,/
como pais dos seus povos se portaram./ Aquele forte impulso, que mil vezes/ pôde mover os peitos portugueses/ a verter tanto
sangue em justo abono/ do augusto ceptro, do sublime trono,/ foi, Lusos, um efeito puro e recto/ do nosso filial, ardente
afecto.
[In Tomás António Gonzaga, Congratulação com o povo português na feliz aclamação da muito
alta e muito poderosa soberana D. Maria 1ª, nossa senhora", in Marília de Dirceu e mais poesias, p. 214.]
(132)
É exactamente a proclamação deste dever real que ainda hoje podemos ler numa lápide existente
no edifício pombalino da Alfândega de Lisboa, colocada sobre o portal voltado para a rua do Terreiro do Trigo:
Joseph I. Augusto invicto pio rei e pai clementíssimo dos seus vassalos. Para segurar a abundância
de pão aos moradores da sua nobre e leal cidade de Lisboa e desterrar dela a impiedade dos monopólios debaixo da inspecção
do Senado da Câmara sendo presidente dele Paulo Carvalho de Mendonça mandou edificar desde os fundamentos este celeiro público.
Ano de 1766.
(133)
A quarta obrigação de pai de famílias é não ter a sua casa endividada; porque ninguém é rico
senão enquanto não deve, o que se não pode evitar todas as vezes que a despesa exceda a receita; e assim toda a economia é
justa e necessária. O senhor rei D. João IV não só a praticou com a sua real pessoa, mas queria que os seus criados a tivessem,
de tal sorte que vendo um dia entrar meu pai, que tinha a honra de ser seu trinchante-mor, com pourpoint (espécie de
gibão, que vinha do pescoço à cintura) guarnecido com uma rendinha de prata, lhe disse: Vindes muito bizarro, D. António;
mas nunca fui tão rico que pudesse ter outro semelhante; e assim era, porque sempre se vestiu de estamenha...
[In D. Luís da Cunha, Testamento político, p. 35.]
(134)
Porém como os príncipes sejam pais dos seus próprios súbditos, os quais eles geram assim como
naturais maridos com a terra que é seu senhorio. Segue-se que lhes deve fazer bem acorrendo às mínguas das suas feitorias.
Em confirmação diz Naso poeta em o livro do ponto. Crê-me e sabe que muito grande e real nobreza é ao príncipe acorrer e ajudar
aos desfalecidos. E no X capítulo dos provérbios se lê que a misericórdia e a verdade guardam o rei porque os súbditos hão-lhe
bemquerença pela misericórdia que em ele sentem, e pela verdade filham em ele confiança.
[In Infante D. Pedro, O livro da virtuosa benfeitoria (Livro I, Cap. IX), in Obras
Completas dos Príncipes de Avis, p. 578.]
(135)
Frei Manuel dos Anjos diz, no décimo-sétimo capítulo do livro primeiro da Política predicável
e doutrina moral do bom governo do mundo, que o soberano para ser o pai da pátria deve tornar-se protector dos
humildes, e geral benfeitor de todos.
Os quatro artigos que integram a mencionada divisão esclarecem o leitor sobre as razões e objectivos
desta postura dos reis cristãos, como se vislumbra nos respectivos sub-títulos:
Cap. XVII, art. 1º - No zelo dos que com o temor de Deus procedem, tendo-o por alvo das obras,
que fazem, consistem os aumentos dos humildes, e socorros dos necessitados; art. 2º - Em fazer bens, e mercês a todos se ostenta
o poder, e valor dos grandes e generosos; art. 3º - O primeiro efeito do coração piedoso é acudir aos mais afligidos, e desamparados;
art. 4º O que a brandura não acaba, impossível é que o rigor se ordene a seu remédio.
[In Frei Nanuel dos Anjos, Frei Manuel dos Anjos, Política predicável e doutrina moral do
bom governo do mundo, livro 1º.]
Nesta conformidade, o soberano "pai da pátria" é a antítese do rei tirano:
Uma das maiores diferenças, que há entre o benigno príncipe, e o tirano cruel, é que este quer
levar tudo à força, ainda que seja à conta da vida dos infelizes vassalos, e aquele ordena com a melhor conveniência e disposição,
que se pode dar nas coisas.
[In idem, ibidem, livro 1º, p. 156.]
(136)
Têm os pobres certo em Sua Majestade
não só o perdão, mas também a esmola, e essa reparte ele com a sua própria mão, não só por mostrar, que herdou com o sangue
da sereníssima rainha sua mãe, e senhora nossa essa piedade; mas para sentar melhor em sua majestade o nome de pai dos pobres.
Todos os monarcas portugueses são pais dos seus vassalos, porque os vassalos amam aos seus monarcas, como filhos. Por isso
querendo el-rei D. João o primeiro de Castela desculpar a perda da batalha de Aljubarrota, disse que era impossível vencer
um pai com dez mil filhos. E perguntando um príncipe estrangeiro, que vira em Portugal, respondeu, que vira muitos mil filhos
seguindo a um pai. Mas o nosso sereníssimo monarca é com especialidade pai dos pobres, porque os sustenta, e quando não tivera
outra virtude, essa bastava para o fazer digno do império do mundo.
[In Frei João da Fé, Panegírico dirigido ao muito alto e muito poderoso rei de Portugal D.
João V nosso senhor pregado na festa da sua gloriosa aclamação, que celebrou a fidelíssima ilha do Faial os 25 de Abril do
ano de 1707, p. 23.]
(137)
Alexandre Dumas narra de forma romanceada em
Louis XIV et son siècle o desgosto dos parisienses pela saída da corte, transcrevendo uma carta,
dirigida aos habitantes da capital, onde o monarca lhes explica os motivos dessa partida:
Vers cinq heures du matin, la nouvelle de la fuite du roi commença à se répandre dans Paris,
et y porta une terreur profonde. Chacun se leva précipitamment, et, dès six heures du matin, les rues étaient pleines de cris
et de tumulte. Alors, tout ce qui appartenait à la cour essaya de fuir pour la rejoindre, tandis qu'à l'instant même le peuple
ferma les portes et tendit les chaines, pour arrêter tous ces fuyards.
[...]
Tout était donc en confusion et ignorance, dans la ville. On parlait de siège, de blocus et
de famine, et, comme lorsqu'on ignore tout on craint tout, Paris était dans une grande terreur, quand le bruit se répandit
que les prévôts des marchands et les échevins de Paris avaient reçu une lettre du roi. Bientôt des copies de cette lettre
circulèrent. Nous la reproduisons textuellement:
Très-chers et bien-aimés, étant obligé avec un grand très-sensible déplaisir à partir de notre
bonne ville de Paris cette nuit même, pour ne pas demeurer exposé aux pernicieux desseins d'aucun officier de notre cour du
parlement. lesquels, ayant intelligence avec les ennemis de l'État, après avoir attenté contre notre autorité en plusieurs
recontres et abusé longuement de notre bonté, se sont portés jusques à conspirer de se saisir de notre personne; nous avons
bien voulu, de l'avis de notre très-honorée dame et mère, vous donner part de notre résolution, et vous ordonner, comme nous
le faisons très-expréssement, de vous employer en tout ce qui dépendra de vous pour empêcher qu'il arrive rien à notre dite
ville qui puisse en altérer le repos, ni préjudicier à notre service, vous assurant, comme nous l'espérons, que tous les bons
bourgeois et habitants d'icelle continueront avec vous dans les devoirs de bons et fidèles sujets, ainsi qu'ils ont fait jusqu'à
présent. Nous réservant de vous faire savoir dans peu de jours la suite de notre résolution, et cependant nous confiant en
votre fidélité et affection à notre service, nous ne vous ferons la présente plus longue et plus expresse
Louis
Donné à Paris, le 5 janvier 1649."
[In Alexandre Dumas, Louis XIV et
son siècle, vol. 2º, pp. 81-82.]
(138)
Duas coisas não se poderão jamais exactamente descrever; nem a alegria, e entusiasmo do povo
do Brasil com a chamada da família real portuguesa, nem a tristeza e consternação do povo de Lisboa com a sua partida. O povo
do Brasil, todas as pessoas sem excepção nem de qualidade nem de cor, recebeu ao príncipe regente, tanto na Baía como no Rio
de Janeiro, com um aplauso, com uns vivas, com uma efusão de coração tão prodigiosa, que a tudo o que era da sua comitiva,
ou que o parecia, eles davam a própria casa, a hospedagem, a habitação, os trastes, os refrescos, o dinheiro, tudo quanto
tinham e podiam. Das terras do interior, e principalmente de Minas Gerais, de toda a parte vinham reputadas pessoas a beijar-lhe
a mão, e a oferecer-lhe dons. Na Paraíba e Pernambuco, onde foram arribadas as duas naus Medusa e D. João de Castro foi toda
a gente recebida com uma amizade incrível desde os pobres pescadores, que andavam no mar, e que das naus se chamavam à fala
até às pessoas mais gradas das duas províncias. O que houve neste género de entusiasmo generoso e grande excede toda a exageração.
[...]
Pelo contrário o estupor e a tristeza do povo de Lisboa foram pungentes. As lágrimas corriam
pelas faces. O povo então não receava nada dos franceses, em geral entendiam que os invasores vinham tão polidos como os emigrados
e viajantes franceses, não havia ódio nacional contra a nação francesa, parecia que eles se dirigiam contra os ingleses somente.
A perseguição aos ingleses não era de todos desaprovada, de alguns era aborrecida, mas isto era ódio de espectador, e o público
de consternação e de dor, que se espelhou era de saudade e aflição por uma despedida inesperada. O Príncipe Regente era extremosamente
amado e a cada um parecia, que lhe fazia com a sua presença uma grande fortuna. Nos dias em que o Príncipe Regente se demorou
no Tejo, o povo imaginou, que era para negociar com mais vantagem logo que os franceses entrassem na capital; no dia da saída
da esquadra foi um cuidado a passagem da barra; no dia seguinte deu muito cuidado a tormenta. Isto mesmo foi útil aos franceses,
porque os receberam em Lisboa com amizade."
[In António de Meneses Vasconcelos de Drumond, Apontamentos sobre a trasladação da família
real portuguesa para o Brasil.]
(139)
Entre 1808 e 1811 os partidários da monarquia absoluta combateram com firmeza a difusão do messianismo
sebástico - vejam-se os trinta e três opúsculos sobre a polémica travada entre estes (em especial pelo Padre José Agostinho
de Macedo) e os sebastianistas, enumerados por Inocêncio Francisco da Silva no sexto tomo do Dicionário Bibliográfico Português)
-, porque ele punha em causa o prestígio da instituição real e dava alento às rebeliões que eclodiam por todo o país, trazendo
de novo o espectro das sublevações populares acontecidas na década de trinta do século XVII:
Em o Anti-sebastianismo,
ou antídoto contra vários abusos (1809), folheto de autoria desconhecida, reconhece-se implicitamente que o ressurgimento
do mito sebastiânico se devia à circunstância de os portugueses terem ficado melindrados com a ida da família real para o
Brasil.
Para Deus nada é impossível; e se vamos dizer a verdade, eu tenho a el-rei D. Sebastião
no número dos justos; mas não terei nunca quem me assegure da sua vinda, como tenho quem me dê por certa, e infalível a de
Elias, e Henoc, tal é a Escritura Sagrada; porém a daquele V. M. mesmo me a põe em dúvida, pois não tem com que a provar certa,
e indefectível: finalmente chegámos à minha casa, mostrei-lhe a história da vida de D. Sebastião, escrita com tanta clareza,
e por tais penas, que não só ficou convencido, mas até me suplicou com as maiores instâncias, que publicasse eu, quando não
toda ela, ao menos os pontos mais principais, para desabuso dos muitos que bem como ele viviam no mesmo engano, acrescentando
mais, que além do gosto que teria lendo um semelhante opúsculo, os mais com tal escrito recuperariam o perdido juízo; pois
que tão alheios viviam de si mesmos, que até lhes faltavam os sentimentos naturais dos seus compatriotas; pois quando os outros
com a notícia de ter sido queimada uma povoação, mortos os seus moradores, e violadas as suas donzelas se entristeceram, eles
então com maior alegria, e alvoroço celebravam estes acontecimentos com grandes banquetes, e amiudados brindes, acreditando
com tudo isto, segundo as suas profecias, era o mais legítimo sintoma da proximidade da vinda de el-rei D. Sebastião, sem
se lembrarem de que o extraordinário das despesas empreendidas por semelhante motivo era muito mais bem empregado, fazendo
dele uma entrega no Real Erário para ser empregada em socorro de tantas despesas, como nascem todos os dias, de uma guerra
tão penosa, e porfiada como o está sendo esta; e que até se esqueciam de si mesmos; pois longe de tributarem obediência, e
respeito com o mais interior afecto a uma RAINHA, que verdadeiramente se podia denominar Mestra e Exemplo de todas as mais;
pois que ninguém há de que não sejam, ou hajam sido louvadas as suas virtudes, cuja memória será eterna: esquecendo-se não
menos de um PRINCIPE REGENTE, que só por não ver derramar o sangue dos seus amabilíssimos vassalos, com os olhos arrasados
em lágrimas, e rebentando-lhe o coração de dor, partiu a sulcar os mares, querendo antes ser neles submergido, do que ver
morrer por seu respeito o menor de seus vassalos, transferindo o corpo para o Brasil, e deixando o seu piedoso coração no
meio dos seus povos, e não sei se diga também todos os seus cinco sentidos em Portugal; e disto são provas nada equívocas
suas proclamações, seu zelo, e seu cuidado. E quem a não ser um louco, poderia pensar, e fazer semelhantes desatinos, tendo
diante dos olhos duas colunas tão preciosas, que valem mais que todas as índias, e todo Potozi; e em suma, quantas riquezas
o mundo possui [...].
[In Anti-sebastianismo, ou antídoto contra vários abusos, pp. 13-14.]
Em 1879 as acusações dirigidas pelo reaccionarismo sebastianista a D. João VI obtiveram eco
na História de Portugal de Oliveira Martins. Curiosamente, o historiador oitocentista (teórico do socialismo e simpatizante
do ideário do Partido Progressista) censura violentamente o Príncipe Regente, acusando-o de fraqueza e deslealdade para com
os súbditos, mas não faz qualquer menção aos inúmeros conselhos dados por várias individualidades para se proceder o mais
rapidamente possível ao embarque da família real para o Brasil (ver nota seguinte), sugestão que, aliás, veio a revelar-se
meses depois extremamente acertada, quando Napoleão, em Maio de 1808, decidiu manter Carlos IV de Espanha e o Príncipe das
Astúrias - futuro Fernando VII - sob custódia em Bayonne, coagindo-os a renunciar ao trono espanhol:
Muita gente, por indolência, recusava ir; outros preferiam o invasor ao Bragança, que fugia
miserável e cobardemente: ao herdeiro de reis, que jamais tinha sabido morrer, nem viver.
O príncipe-regente e o infante de Espanha chegaram ao cais na carruagem, sós: ninguém dava por
eles; cada qual cuidava de si, e tratava de escapar. Dois soldados da polícia levaram-nos ao colo para o escaler. Depois veio
noutro coche a princesa Carlota Joaquina, com os filhos. E por fim a rainha, de Queluz, a galope. Parecia que o juízo lhe
voltava com a crise. Mais devagar!, gritava ao cocheiro; Diria que fugimos! A sua loucura proferia com juízo
brados de desespero, altos gritos de raiva, estorcendo-se, debatendo-se às punhadas, com os olhos vermelhos de sangue, a boca
cheia de espuma. O protesto da louca era o único vislumbre de vida. O brio, a força, a dignidade portuguesa acabavam assim
nos lábios ardentes de uma rainha doida!
Tudo o mais era vergonha calada, passiva inépcia, confessada fraqueza. O príncipe decidira que
o embarque se fizesse de noite, por ter a consciência da vergonha da sua fuga; mas a notícia transpirou, e o cais de Belém
encheu-se de povo, que apupava os ministros, os desembargadores, toda essa ralé de ineptos figurões de lodo. E - tanto podem
as ideias! - chorava ainda pelo príncipe, que nada lho merecia. D. João também soluçava, e tremiam-lhe muito as pernas que
o povo de rastos abraçava.
[In Oliveira Martins, História de Portugal, vol. 2º, p. 172.]
(140)
O lugar da residência de um soberano dentro dos limites da sua dominação não é interesse político,
senão para aqueles, que o soberano domina, e nada tem com os estranhos; porque o pai de família não dá satisfações senão aos
seus filhos, e estes conhecendo como conhecem, o bem futuro, que esta residência lhes causa, para sua independência, e conservação,
abençoarão aquele pai, que se priva do seu berço natal para cuidar só no interesse presente, e vindouro dos seus filhos...
[In José Anselmo Correia Henriques, Parecer de José Anselmo Correia Henriques apresentado
ao rei sobre o direito dos monarcas e a residência de el-rei no Brasil. Anexo as leis constitucionais da herança e sucessão
do reino. Rio de Janeiro, 28 de Maio de 1816, fl. 9v.]
A opinião de Correia Henriques estava em perfeita consonância com uma velha estratégia gizada
pela activa diplomacia portuguesa da época da Restauração, destinada a preservar a independência de Portugal em caso de invasão
do seu território por um poderoso exército espanhol. Assim, ao ordenar a retirada da família real para o Brasil, o Príncipe
Regente não agiu de modo irreflectido ou apressado, apenas seguiu à risca - e até com alguma lentidão - um projecto há muito
delineado que visava manter intacta a soberania nacional.
(141)
Saído da prisão, após ter sido acusado de colaborar com o invasor francês, Domingos Sequeira
pintou uma alegoria as virtudes do Príncipe Regente, para manifestar o seu patriotismo e fidelidade à dinastia de Bragança.
Nesse quadro, hoje exposto numa sala do Palácio Nacional de Queluz, aparece um padrão com a
seguinte inscrição latina:
IOANNI / PIO LIBERALI AUGUSTO / PATRI PATRIAE [sublinhado nosso]
/ MAXIMO HUIUS / AEVI ORNAMENTO / REGIBUS OMNIBUS TANQUAM EXEMPLAR / DEO FAVENTE CONSTITUTO / IN QUO NON LUSITANIAE MAEO /
SED EXTERARUM GENTIUM / DIFFICILIMIS HISCE TEMPORIBUS / SPES POSITA / POPULUS LUSITANUS / IN DESIDERII GRATIQUE ANIMI / TESTEMONIUM
/ HOC MONUMENTUM /C / ANNO DOMINI MDCCCX.
Sentado sobre uma nuvem, D. João apresenta-se rodeado de várias figuras alegóricas, entre elas
a Generosidade, Felicidade Pública, Religião, Compaixão, Clemência, Estabilidade, Grandeza de Alma, Heroísmo, Afabilidade
e Docilidade. Em primeiro plano acham-se representados os deveres de todos os vassalos que reconhecem no seu rei um verdadeiro
pai; a saber: Fidelidade, Obediência e Gratidão.
O Génio da Nação (símbolo da pátria) ostenta num escudo as armas reais e, junto ao padrão, encontram-se
Minerva (sapiência), Mercúrio (ilustração) o Tempo e a História, estando esta última a apontar para a inscrição latina.
[Vide Arte Portuguesa do século XIX, p. 88.]
A gravura que apresentamos na secção de iconografia [Fig. 113], pertencente ao Museu
Nacional Soares dos Reis, é muito semelhante à pintura a óleo existente no palácio de Queluz, apenas se notando algumas diferenças
de pormenor.
(142)
Numa carta enviada de Hamburgo a D. João VI em 26 de Outubro de 1820, José Anselmo Correia,
diplomata português acreditado junto das Cidades Hanseáticas, adverte o rei de que deve voltar prontamente a Lisboa, dando-lhe
conhecimento da existência de um grupo de nobres que pensava retirar a coroa à Casa de Bragança e entregá-la à de Cadaval:
No mês de Fevereiro veio-me à notícia que um partido de nobreza em Lisboa se armava, debaixo
da secreta direcção da Espanha, para iludir à nação portuguesa uma pretensão em qua a família Cadaval tinha direitos ao trono
de Portugal na ausência de Vossa Majestade do natural empório da monarquia portuguesa.
[...]
Logo que vim de Londres, tive notícias, que se determinava, por uma facção de fidalgos em Lisboa,
à testa dos quais estavam debaixo da cortina os marqueses de Borba, Penalva, Abrantes, e o Encarregado de Negócios de Espanha,
etc., mas o objecto primeiro era ganhar a tropa ao seu partido, e de chamarem cortes, e porem o duque de Cadaval sobre o trono,
seguindo aquela máxima de que Rei ausente era Rei morto.
[In José Anselmo Correia, Um partido da nobreza, dirigido secretamente pela Espanha, propõe-se
substituir a dinastia de Bragança pelo ramo Cadaval, sob o pretexto da ausência de D. João VI, documento transcrito por
Ângelo Pereira, D. João VI príncipe e rei. A independência do Brasil, vol. 3º, pp. 294 e 295.]
(143)
Por mais providentes que sejam as reais ordens sem assistência pessoal não restabelecem a confiança
pública base da obediência, e vassalagem, e aquela esperança de felicidade com que os povos contam no seu soberano.
O facto do Porto mostra que o povo está apático, e que indiferente recebe a inovação, e que
a força armada está propensa a negar-se, nascendo desta experiência a convicção de que é necessário um recurso extraordinário
que faça um choque na opinião pública, que agora é contrária, e que não acredita nas reais determinações.
[...]
A repentina chegada de V. Majestade satisfaz inteiramente os saudosos, dissipa-lhes
a ideia de orfandade, e em torno do seu rei, que de tão longínqua região atravessando tantos mares vai só para lhe dar a paz,
e a consolação nada mais resta a desejar, e beijando a paternal [sublinhado nosso] mão reconhecem agradecidos
o sacrifício. Os perversos ficam aterrados vendo desmascarada a hipocrisia, e não ousam disseminar nesse momento ideias contrárias.
O alvoroto, o regozijo e os públicos indispensáveis festejos inundam toda a nação de prazer nesses afortunados dias, e são
obrigados a concentrar-se os malévolos, e acalma a fúria das paixões por maior grau que tenham de elevação; e tirando partido
Vossa Majestade desta impressão recobra toda a perdida confiança, e como pai benigno [sublinhado nosso]
cercado de seus filhos vai cuidar na prosperidade nacional.
[In José Albano Fragoso, O desembargador José Albano Fragoso - que era naquele momento de
grande acuidade política, o mais sábio e prudente conselheiro do soberano - sugere a D. João VI, que volte para Lisboa,
documento transcrito por idem, ibidem, vol. 3º, p. 316.]
(144)
No segundo quartel do nosso século os historiadores marxistas faziam remontar o exercício efectivo
da autoridade aos tempos primitivos do matriarcado, mas estavam convictos de que a sua estruturação e reforço só se efectivara
com o aparecimento da família patriarcal, um "estádio evolutivo" da história humana que precedera o estabelecimento da propriedade
privada, das classes sociais e, consequentemente, do próprio fenómeno político:
Com frequência, ainda antes de que os grupos humanos alcancem o tipo de povos caçadores e pescadores
em toda a sua plenitude, já a família evolucionou nas hordas, transformando-se em patriarcal.
Tão depressa as relações sociais se tornam um pouco mais estáveis e mais bem definidas, vinculam
de modo mais directo o pai com a esposa e os filhos. A família evolui gradualmente para o patriarcado.
Na família patriarcal, a autoridade é mais forte e está mais bem definida. As regras ou normas
de conduta dos seus membros, nas suas relações recíprocas, precisam-se. Já existe o gérmen de um direito familiar. O pater
familia exerce funções judiciais e punitivas simples, e as ideias religiosas aperfeiçoam-se num culto familiar de antecessores
ou de deuses penates.
A família segue assim o seu processo evolutivo, através do clan ou da gens, paralelo ao das
outras instituições e organizações sociais.
[In Juan Clemente Zamora, O processo histórico, p. 149.]
Esta concepção evolutiva e universal do devir histórico da humanidade foi superada pela historiografia
contemporânea, mas a ideia de que o patriarcado tem um carácter absoluto permanece válida para o pensamento político actual:
Historiquement, théorie ou doctrine selon laquelle l'autorité politique découle ou
dérive du gouvernement de la maison. Centrée sur les pouvoirs et les droits du père/ou du mari, qui étaient censés
être forts, et mettant l'accent sur l'existence naturelle de l'autorité, le patriarcat a toujours été absolutiste.
[In Patriarcal (doctrine), in Dictionnaire de la pensée politique. Hommes et idées,
p. 590.]
No século XVII, muitos publicistas políticos reconheciam a feição autoritária do paternalismo
real, mas justificavam-na dizendo que um pai também manifesta o seu amor pelos filhos quando os repreende, ameaça ou castiga:
Tiene mucha semejanza, y parentesco el oficio de rey, y de Pastor con el de Padre; no se ha
de mirar como absoluto dueño de sus subditos, sino como padre de familias, como procurador, y Administrador de sus bienes.
Aunque el padre reprehenda, amenaze, y castigue à sus hijos, no decresce su afecto, antes se descubre su cuidado en mirar
por sus mejoras. Vease este amor, y vigilancia en quien govierna, y se levantara con el nombre de Padre de la Patria; titulo, de que debe gloriarse mas que de otros vanos, y sobervios.
Con este nombre solian saludar à los reys, y emperadores antiguamente. Y preguntado Agasides, como podia un principe governar
con seguridad de su persona sin gente de guarda, que hiziese escolta à su vida, respondió; que governando como padre. Nadie
dixo tanto en clausula tan corta.
[In Andrés Mendo, Principe perfecto y ministros ajustados, documentos politicos y morales
en emblemas, pp. 57-58.]
É neste contexto ideológico que se torna compreensível a atitude de Luís XIII, tomada após a
Fronda dos Parlamentares, de invocar a obediência filial para exigir dos súbditos a total submissão à coroa:
L'image du monarque, après la Fronde,
est désormais trop forte. Louis XIII pourra affirmer dans une déclaration de 1649 que la naturelle révérence des enfants
envers leurs parents est le lien de la légitime obéissance des sujets envers leur souverain; formule que n'eut pas désavoué
un Terrevermeille et, par le rapprochement des familles à l'État, un Jean Bodin.
[In Jean Barbey, Être roi, p. 245]
(145)
Durante a época filipina, por razões que se nos afiguram óbvias, os oradores sacros portugueses
insistiram muito na necessidade de os monarcas viverem perto dos vassalos, para melhor os conhecerem e prezarem. O sermão
proferido em 1623 pelo jesuíta Bartolomeu Guerreiro na capela real de Lisboa é, neste aspecto, bem elucidativo:
[...] que seria necessário nos reis para os homens serem homens? Amá-los, favorecê-los.
[...]
Amigos, e não tesouros defendem as monarquias, que os milhões do Perú, são armas mortas, e nervos
de guerra secos. E o amor dos vassalos para peitos vivos, e espíritos generosos. Impérios e reinos podem herdar-se de bons
avós, amigos não se herdam, fazem-se, granjeiam-se.
[...]
E os reis deste reino para conservarem os seus, e fazerem-se senhores dos alheios, fizeram tanta
estima do amor dos seus vassalos, que aos reinos estrangeiros não tinham os portugueses nome de vassalos senão de filhos de
seus reis.
[In Padre Bartolomeu Guerreiro, Sermão que fez o padre Bartolomeu Guerreiro da Companhia
de Jesus, na cidade de Lisboa na capela real, dia de São Tomé, ano de 1623, citado por João Francisco Marques, A parenética
portuguesa e a dominação filipina, p. 277.]
Após a Restauração, conforme se constata na Política predicável e doutrina moral do bom governo
do mundo de Frei Manuel dos Anjos (1655), a visão paternalista do poder real continuou a enfatizar o dever dos reis amarem
os súbditos:
Cap. XXVI, art. 3º - O amor em quem zeloso governa é o preço do gosto, com que todos lhe
obedecem.
[...]
Ultimamente importa que também os reis, e superiores, se querem granjear amor, e gosto dos súbditos,
se modifiquem, e correspondam a suas obrigações, dando na balança do poder o maior peso ao justo, e o menor ao livre: e não
imaginem (diz Séneca) que a eles se concede o que aos maiores se proíbe.
[...]
Pois regulem os reis prudentes o que hão-de fazer com o que podem, que assim asseguram o que
convém, e se fazem agradáveis, e amados dos vassalos, que sabem avaliar o respeito, e estimação das coisas, que o merecem.
[In Frei Nanuel dos Anjos, Frei Manuel dos Anjos, Política predicável e doutrina moral do
bom governo do mundo, livro 3º, pp. 222.]
É este amor recíproco entre o soberano e os súbditos que os párocos nunca esquecem de sublinhar
quando peroram no púlpito, mormente nas orações fúnebres e gratulatórias destinadas a elogiar a memória do rei defunto (1.)
ou a festejar o nascimento de um herdeiro da coroa (2.):
1.
Cruel foi o teu golpe [refere-se à morte], com que tiranizas tantos corações
sacrificados ao sentimento próprio de vassalos, que como filhos choram o seu rei; pois são termos equivalentes rei português,
que pai de vassalos.
[In Miguel Luís Teixeira, Oração fúnebre nas exéquias de D. João V, p. 13.]
2.
PAI DO SEU POVO - Roguem-lhe [a Deus] que infunda na alma do seu amado
príncipe [refere-se ao recém-nascido D. José, filho da princesa do Brasil D. Maria, de quem o orador era confessor]
um amor ao seu povo igual ao de David e de seu augustíssimo avô [D. José I], que não só o incite, mas quase
o violente a amá-lo, a ampará-lo, a defendê-lo, e a procurar em tudo como pai o seu bem, e a sua felicidade; a sacrificar
a fazenda, e a mesma vida pelo bem comum do seu reino.
[In Frei Inácio de S. Caetano, Oração gratulatória e parenética que na soleníssima festa,
que em obséquio do Coração Santíssimo de Jesus pelo nascimento do príncipe nosso senhor, se celebrou na real capela da Bemposta
no dia 18 de Junho deste presente ano com a assistência de Suas Majestades e Altezas, p. 36.]
(146)
O príncipe D. José e, presumo, os demais infantes portugueses dos finais do século XVIII, aprenderam
nas Aventuras de Telémaco - a obra foi vertida para português e publicada pela Academia em 1765 - a reconhecer o arquétipo
de rei paternal nos monarcas cretenses Minos e Aristodemo [ver Anexos 16 e 17], em particular neste último, que para
Fénelon merecia ser eleito rei de Creta porque possuía todas as qualidades requeridas para ser um autêntico pai do povo.
[Vide Fénelon, Aventuras de Telémaco, filho de Ulisses, tomo I, pp. 133-134 e 168-170.]
Os dois trechos transcritos em apêndice correspondem no poema Aventuras de Telémaco traduzidas
em verso português de Joaquim José Caetano Pereira de Sousa (1788), a dois conjuntos de versos que remetem para as seguintes
notas explicativas:
Livro V, nota 2 - Não se pode indicar melhor autoridade absoluta de Luís XIV que
podia tudo sobre os seus povos, pelo abuso que fazia do poder, dobrando as leis à sua vontade, segundo os tempos e as circunstâncias.
Livro V, nota 3 - Luís XIV referia tudo a si mesmo, e à sua glória. Este era o
motivo de todas as suas declarações de guerra.
Livro V, nota 4 - O rei amava muito mais a sua família, que o seu povo; pois sempre
sacrificou este para engrandecer a sua casa."
[...]
Este retrato de Aristodemo é o duque de Navailles, cujo génio inflexível, como ele mesmo diz
nas suas memórias, nunca pôde acomodar-se às complacências, que são precisas para agradar aos superiores. A sua virtude sincera,
e inimiga de lisonja, incomodava ao rei nos seus amores; e por isso ele, e Madame de Navailles receberam ordem para se demitirem
dos seus cargos, e se retirarem da corte. Ele se retirou para as suas terras de Poitou, e Angoumois.
[Aventuras de Telémaco, traduzidas em verso português, a que se juntam algumas notas mitológicas
e alegóricas para inteligência do poema, pp. 124-125 e 157.]
Em relação ao jovem D. José temos absoluta certeza de que leu com atenção o livro de Fénelon.
Apesar da edição portuguesa de As aventuras de Telémaco ter saído do prelo quando o príncipe contava apenas quatro
anos, sabemos que ele iniciou a leitura da obra em 1770, na véspera de perfazer dez anos de idade:
No domingo, 19 de Agosto [o aniversário de D. José era a 21 deste mês],
levei ao príncipe as Aventuras de Telémaco para lhas ir explicando.
[In Frei Manuel do Cenáculo, Excertos do Diário de D. Fr. Manuel do Cenáculo Vilas Boas,
in Revista da Biblioteca Nacional, nº 1, p. 18.]
Assinale-se que o príncipe só podia ter lido a versão portuguesa, pois na altura não possuía
conhecimentos para ler na língua original. As lições de francês, a cargo do mestre Lambert, só tiveram o seu início em 1 de
Julho de 1771.
[Vide idem, ibidem, p. 20.]
(147)
António Joaquim de Gouveia Pinto escreve em Os caracteres da monarquia (1824) ser impensável
aceitar que os filhos se rebelem contra o pai e o constranjam a viver de acordo com os seus ditames:
Ora se a sociedade natural, e doméstica é uma imagem viva da sociedade civil, devemos concluir,
que a monarquia está figurada pela expressão da natureza no governo paternal: e então desejava eu perguntar a esses filósofos
aonde descobriram eles o direito de inverter esta ordem natural, e forma de governo? Que diriam eles se vissem, que o filho
se levantava contra o pai; que os membros da sociedade doméstica queriam dar leis ao seu chefe; que lhe arbitravam até os
seus próprios alimentos; e que finalmente lhe coarctavam sua autoridade, tirando-lhe a administração, sem que o julgassem
primeiro demente ou pródigo?
Semelhantemente os homens costumados a viver desde o berço debaixo do doce império de um monarca
que os governa como um pai amante dos seus filhos, como defensor, e abrigo dos demais, que direito podem ter para contrariar
esta ordem natural de coisas?
[In António Joaquim de Gouveia Pinto, Os caracteres da monarquia, p. 67.]
O marquês de Penalva já anteriormente afirmara algo de parecido sobre o paternalismo real na
Dissertação a favor da monarquia (1799), no capítulo intitulado "os pais de família foram os modelos dos reis", onde
escreve a dado passo:
Os patriarcas da antiga Lei, e os pais de família foram os exemplares e verdadeiros modelos
dos reis. Afeiçoaram-se os homens da pasmosa regularidade de cada família, onde a vontade do chefe era de todos respeitada;
invejaram a fortuna de ser filhos, viram o interesse com que o pai defende, como seu, o património da família, que se honrava
com tudo o que a distinguia, que só exigia dos seus amor, respeito e as contribuições que se convertiam em seu próprio bem;
de sorte que esta alta dignidade pagava largamente a honra da regência com os benefícios e sossego, que causava.
Não pôde o género humano resistir a este terno espectáculo, e formou-se nas sociedades compostas
um arremedo da simples e pacífica sociedade, que o mundo primeiro conheceu.
[In Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses (3º marquês de Penalva), Dissertação a favor
da monarquia, pp. 17-18.]
O conceito de paternalismo real do marquês de Penalva e de António Joaquim de Gouveia Pinto
é inequivocamente conservador, reproduzindo com grande fidelidade as posições dos autores seiscentistas nesta matéria, nomeadamente
as de Bossuet:
Les hommes vivaient longtemps au commencement du monde, comme l'atteste non seulement l'Ecriture,
mais encore toutes les anciennes traditions [...]. Un grand nombre de familles se voiaient par ce moyen reunies sous l'autorité
d'un seul grand père; et cette union de tant de familles avait quelque image de royaume.
[...]
Tout le monde donc commence par des monarchies; et presque tout le monde s'y est conservé comme
dans l'état le plus naturel.
Aussi nous avons vue qu'il a son fondement et son modèle dans l'empire paternel, c'est-à-dire,
dans la nature même.
Les hommes naissent tous sujets: et l'empire paternel qui les accoutume à obéir, les accoutume
en même temps à n'avoir qu'un chef.
[In Bossuet, Politique tirée des propres paroles de l'Écriture Sainte, pp. 61 e 69.]
(148)
Em 5 de Outubro de 1817, numa altura em que a actividade revolucionária das lojas maçónicas
se intensificou notavelmente, o desembargador carioca José Albano Fragoso enviou uma míssiva a D. João VI onde dissertava
sobre os perigos das sociedades secretas, aconselhando o rei a tomar medidas preventivas para atalhar a difusão do maçonismo.
Para o efeito, o signatário da carta recomendava a ingerência do poder real na vida privada dos vassalos, justificando esta
intromissão com o direito que assiste ao pai de família de usar das suas prerrogativas para evitar hipotéticos desmandos dos
filhos:
O Imperante quando declara um crime, e lhe marca a pena à proporção do delito, e do
bem público tem já nas outras leis sancionado o modo, a forma, e as provas pelas quais se deve o juiz regular, que é só um
mero aplicador da lei ao facto, e só com esta prova pode ser condenado o infractor, porque não pode pelo modo ordinário ser
punido de outra maneira, porque entre os delitos que tem nas leis sancionada a sua graduação, e as penas há uma espécie de
contrato involuntário entre o vassalo e o rei pelo qual parece que se obrigam à dita pena, e prova legal, mas não é assim
no poder económico político do rei porque é paternal, doméstico, familiar [sublinhado nosso],
e respeita não ao todo do seu reino mas ao particular de uma casa, de uma família, de uma cidade, de uma província sem
proporção do delito, da vindicta, do castigo, e supondo mesmo falta de lei geral antecedente, e por isso é que admite diminuição
de prova, aquela mesmo necessária falando ordinariamente, sem que isso deva entender-se que basta a simples cogitação, mas
provas enfermas para o curso regular dos mais crimes, como por exemplo um justificado receio, que sendo bastante para prender
um réu, e para o afastar daquele local, não era prova bastante para o dizer réu de outro crime como por exemplo um furto ou
um homicídio.
É este o dano que eu receio da promulgação da lei, que sujeita a existência destas associações
a provas claras, reais, e absolutas como os outros crimes, quando nas penas da correcção é menos pesado este exame, por isso
mesmo que tem menos intensidade nos seus efeitos.
[In José Albano Fragoso, Dissertação do sensato e erudito desembargador José Albano Fragoso
sobre a Maçonaria, documento transcrito por Ângelo Pereira, D. João VI príncipe e rei. A independência do Brasil,
vol. 4º, pp. 122-123.]
(149)
The ideas that royal power is essentially patriarchal, and that the first fathers were kings
over their subjects (and children) were relatively common in early seventeenth-century England. Patriarchal and regal rule,
said Andrewes, were both one in effect. Bishop John Buckeridge, Dean Thomas Jackson, and Bolton each said much that
was later to be regarded as characteristic of Filmer. The only innovatory aspect of Filmer's patriarchal theory is the thoroughness
with which he expressed it. Nor was his treatment of other questions original. He did indeed derive royal power from God alone,
and parted company with Sir John Hayward, Barclay and Adam Black in agreement with a vast number of other thinkers. Again
Filmer held that royal power was not limited by any human authority or law. In this he agreed with such theorists as his friend
Peter Heylin, and the civil lawyer John Cowell, both of whom wrote before 1640.
[In The Cambridge history of political thought (1450-1700), p. 359.]
(150)
And now first for the father's part (whose natural love to his children I described in the first
part of this my discourse, speaking of the duty that kings owe to their subjects) consider, I pray you, what duty his children
owe to him, and wether, upon any pretext whatsoever, it will not be thought monstrous and unnatural to his sons to rise up
against him, to control him at their appetite, and when they think good to slay him, or to cut him off and adopt to themselves
any other they please in his room. Or can any pretence of wickedness or rigour on his part be a just excuse for his children
to put hand into him? And although we see by the course of nature that love useth to descend more than to ascend, in case
it were true that the father hated and wronged the children never so much, will any man endowed with the least spunk of reason
think it lawful for them to meet him with the line? Yea, suppose the father were furiously following his sons with a drawn
sword, is it lawful for them to turn and strike again, or make any resistance but by flight? I think, surely if there were
no more but the example of brute beasts and unreasonable creatures, it may serve well enough to qualify and prove this my
argument. We read often [of] the piety that the storks have to their old and decayed parents; and generally we know that there
are many sorts of beasts and fowls that, with violence and many bloody stokes, will beat and banish their young ones from
them, how soon they perceive them to be able to fend for themselves. But we never read or heard of any resistance on their
part, except among the vipers: which proves such persons as ought to be reasonable creatures, and yet unnaturaly follow this
example, to be endued with their viperous nature.
[In Jaime VI (rei da Escócia), The trew law of free monarchies, in Divine right and
democracy. An anthology of political writing in Stuart England, pp. 99-100.]
(151)
Kings are also compared to fathers of families, for a king is truly parens patriae, the
politic father of his people. And lastly, kings are compared to the head of this microcosm of the body of man.
[...]
As for the father of a family, they had of old under the law of nature patriam potestatem,
which was potestatem vitae et necis [power of life and death], over their children or family. I mean such fathers of
families as were the lineal heirs of those families whereof kings did originally come, for kings had their first original
from them who planted and spread themselves in colonies through the world. Now a father may dispose of his inheritance to
his children at his pleasure: yea, even disinherit the eldest upon just occasions, and prefer the younghest, according to
is liking; make them beggars or rich at his pleasure; restrain, or banish out of his presence, as he finds them give cause
of offence, or restore them in favour again with the penitent sinner. So may the king deal with his subjects.
[In Jaime I (rei da Grã-Bretanha), A speech to the lords and commons of the parliament at
White-hall (1610), in ibidem, pp. 107-108.]
(152)
As we have remarked, Charles I was a conservative ruler with a strong sense that traditional
Henrician and Elizabethan ways had worked and could be made to work again - through an obedience that would follow on a renewed
royal injunction to duty. Within braod parameters, that optimism was not entirely misplaced. Though corruption, interests,
idleness and opposition obstructed the establishment of the social harmony, order and paternalism that Charles idealized and
represented in masques and pastoral landscapes, without the agencies of central authority developed on the continent a food
supply was maintained and poor relief was provided (despite the rising costs). Social stability was preserved to a degree
that was the envy of other European monarchies.
[In Kevin Sharpe, The personal rule of Charles I, p. 486.]
(153)
La pretensión de Carlos I de cobrar impuestos sin aprobación del Parlamento que entonces estaba
disuelto, despertó una generalizada resistencia en todo el pais (Nota 6) [6 - Las protestas fueron especialmente graves
cuando Carlos quiso extender el llamado ship money a todo el país (1636). La costumbre permitía que, en caso de guerra,
el rey pudiera exigir a los puertos y condados costeros la contribución a la defensa con naves o el equivalente en dinero
(ship money). El hecho de que las costas estaban siendo atacadas por piratas justificó que en 1634 Carlos exigiera
el pago del ship money. Al año siguiente vuelve a reclamarlo, extendiendo el impuesto a todo el reino. Por tercera
vez lo exige en 1636. Entonces la protesta fue general; muchos se negaron a pagar porque veían que el ship money se
transformaba en un impuesto general y permanente.]. Volvió a primer plano el debate sobre los limites del poder del rey. Filmer
escribió entonces Patriarca, o el poder natural de los reyes.
[In Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. III Edad Moderna (1.
Renacimiento y Barroco), p. 414.]
A moderna historiografia britânica, convencida dos êxitos financeiros obtidos por Carlos I no
início do reinado, tende hoje a rebater a ideia de ter sido a questão fiscal que levou à deposição do monarca:
Ainsi, dans les années 1630, le roi gouverna sans Parlement et sans que fut entreprise aucune
action, pacifique ou autre, pour le rétablir. Le roi réunit des fonds suffisants pour administrer le pays en temps de paix,
et se heurta une seule fois à une opposition - qui fut d'ailleurs sans grand effet - quand il décida de lever un impôt pour
la construction de vaisseaux de guerre à partir de 1635. Des querelles locales s'élevèrent alors à propos de la répartition
de ces impôts; finalement plus de 90 pour cent en furent percus, même si ce fut un peu plus lentement que prévu et si des
discussions s'élevèrent en pleine cour sur la légalité de cette mesure. En 1637, Charles était au summum de sa puissance.
Il avait un budget en équilibre, une politique économique et sociale efficace, un Conseil actif, et un titre solide. Jamais
depuis des siècles l'accord n'avait été aussi unanime sur la politique du souverain.
[In John Morrill, Les Stuarts (1603-1688), in Histoire de la Grande-Bretagne, p. 294.]
Não foram, por conseguinte, os pequenos levantamentos populares locais, sem dimensão nacional,
os responsáveis pelos infortúnios de Carlos I, mas sim a intensificação da política absolutista, que conduziu a uma excessiva
centralização administrativa, desde o início mal aceite pelos defensores da autonomia escocesa:
Malgré ce mécontentement lié à l'absolutisme de Laud [refere-se ao arcebispo
de Cantuária William Laud, conselheiro da coroa e acusado pelos anglicanos de ser papista], Charles était en 1637 au
faite de sa gloire. Et pourtant la guerre civile allait éclater cinq ans plus tard. Seule une désastreuse série de maladresses
peut expliquer ce revirement de situation. Des années 1620 (sinon des années 1590), le roi aurait du tirer une leçon des plus
claires: le système de gouvernement Tudor-Stuart ne permettait pas de gagner les guerres, que ce fut avec ou sans l'aide du
Parlement. Cela n'avait pas grande importance dans la mesure où il était vraisemblable que personne n'allait déclarer la guerre
à l'Angleterre dans un avenir proche; la Couronne pouvait
donc profiter du climat économique de plus en plus favorable (l'inflation diminuait nettement et le commerce extérieur était
en plein essor). Évidemment, Charles devait éviter d'entrainer le pays dans une guerre inutile. Or, en 1637, il provoqua le
soulèvement de ses sujets écossais. Il n'avait jamais réussi à gouverner l'Écosse depuis Londres. Son désir d'ordre et d'uniformité
le poussa d'abord à contester l'autonomie des Écossais en matière de juridiction et de droits sur les terres sécularisées;
puis à tenter d'introduire en Écosse des réformes religieuses semblables à celles que Laud avait préconisées en Angleterre.
Ces dernières mesures furent très mal accueillies et l'alternance des coups de colère et des concessions timides de la part
du roi provoqua une escalade de violence. En l'espace d'un an, la situation se détériora complètement: c'était la faillite
de la politique religieuse du roi et l'effondrement de son pouvoir.
[In idem, ibidem, p. 297.]
(154)
In all kingdoms or commonwealths in the world, whether the Prince be the supreme Father of the
people or but the true heir of such a Father, or whether he come to the Crown by usurpation, or by election of the nobles
or of the people, or by any other way whatsoever, or whether some few or a multitude govern the commonwealth, yet still the
authority that is in any one, or in many, or in all of these, is the only right and natural authority of a supreme Father.
There is, and always shall be continued to the end of the world, a natural right of a supreme Father over every multitude,
although, by the secret will of God, many at first do most unjustly obtain the exercise of it.
To confirm this natural right of regal power, we find in the Decalogue that the law which enjoins
obedience to Kings is delivered in the terms of Honour thy Father, as if all power were originally in the Father. If
obedience to parents be immediately due by a natural law, and subjection to Princes but by the mediation of a human ordinance,
what reason is there that the law of nature should give place to the laws of men, as we see the power of the father over his
child gives place and is subordinate to the power of the magistrate.
[In Robert Filmer, Patriarcha and other political works, p. 62.]
(155)
Des recherches historiques ont montré que son oeuvre la plus célèbre, ses deux Traités sur
le Gouvernement, ont sans doute été écrits dix ans avant que Locke estime pouvoir les publier sans risque; la position
qu'il adopte dans cette oeuvre serait alors moins l'apologie d'une révolution qui vient de réussir qu'un appel pour une révolution
à venir, ce qui aurait pu lui couter la vie s'il l'avait publié avant la révolution de 1688.
[...]
Le second des Deux traités de gouvernement de Locke est le plus important. Dans le Premier
Traité, Locke réfute une version particulière de la théorie du roi de droit divin telle qu'elle fut développée pour Robert
Filmer. La plus grande partie de cet ouvrage se propose de montrer que l'Ancien Testament ne considère pas Adam et ses héretiers
comme des dirigeants donnés au monde par Dieu. Locke croit que personne n'a été désigné par Dieu pour avoir une autorité naturelle
sur les autres. Dans le Second Traité, le point de départ de la philosophie politique de Locke est que les hommes sont
égaux, et qu'on ne peut soumettre personne à une autorité quelconque sans consentement. Locke distingue l'autorité politique
des autres relations de domination: maitre et serviteur, mari et femme, parent et enfant, conquérant et vaincu, prêtre et
fidèle.
[In Locke, John (1632-1704), in Dictionnaire de la pensée politique. Hommes et idées,
pp. 466-467.]
(156)
A referência ao empirismo de Locke não é pura retórica vazia de conteúdo, porque as ideias políticas
expostas nos Dois tratados sobre o governo civil não são indissociáveis das que surgem nas Cartas sobre a Tolerância
(1689) ou no Ensaio sobre o Entendimento Humano (1690).
[Vide François Duchesneau, John Locke, in História da Filosofia. O Iluminismo, séc.
XVIII, vol. 4º, pp. 19 e 35-39.]
(157)
It is confessed that, in the infancy of the world, the paternal government was monarchical;
but when the world was replenished with multitude of people, then the paternal government ceased, and was lost; and an elective
government by the people was brought into the world. To this it may be answered that the paternal power cannot be lost. It
may either be transferred or usurped; but never lost or ceases. God, who is the giver of power, may transfer it from the father
to some other; he gave to Saul a fatherly power over his father Kish. God also has given to the father a right or liberty
to alien[ate] his power over his children to any other, whence we find the sale and gift of children to have been much in
use in the beginning of the world, when men had their servants for a possession and an inheritance as well as other goods;
whereupon we find the power of castrating and making eunuchs much in use in old times. As the power of the father may be lawfully
transferred or alien[at]ed, so it may be injustly usurped. And in usurpation the title of a usurper is before, and better
than, the title of any other than of him that had a former right: for he has a possession by the permissive will of God, which
permission, how long it may endure, no man ordinarily knows. Every man is to preserve his own life for the service of God,
and of his king or father, and is so far to obey a usurper as may tend not only to the preservation of his king and father,
bur sometimes even to the preservation of the usurper himself, when probably he may thereby be reserved to the correction,
or mercy, of his true superior. Though by human laws a long prescription may take away right, yet divine right never dies,
nor can be lost or taken away.
[In Robert Filmer, Observations upon Aristotle's politiques, in Divine right and democracy.
An anthology of political writing in Stuart England, p. 116.]
A interpretação que Filmer faz da Sagrada Escritura para explicar a origem do poder paternal
dos reis e a forma como se processou a transmissão deste ao longo da História, são refutadas por John Locke no centésimo primeiro
parágrafo do Primeiro tratado:
101. To return to the argument in hand: this is evident, that paternal power arising
only from begetting, for in that our A. [refere-se ao autor que contesta; ou seja, Filmer] places
it alone, can neither be transfer'd, nor inherited: and he that does not beget, can no more have paternal power
which arises from thence, than he can have a right to any thing who performs not the condition, to which only it is annexed.
If one should ask, by what law has a father power over his children? It will be answered, no doubt, by the law of nature,
which gives such a power over them, to him that begets them. If one should ask likewise, by what law does our A's heir
come by a right to inherit? I think it would be answered, by the law of nature too. For I find not that our A. brings
one word of Scripture to prove the right of such an heir he speaks of: why then the law of nature gives fathers paternal power
over their children, because they did beget them, and the same law of nature gives the same paternal power to the heir
over his brethen, who did not beget them: whence it follows, that either the father has not his paternal power by begetting,
or else that the heir has it not at all: for'tis hard to understand how the law of nature, which is the law of reason, can
give the paternal power to the father over his children, for the only reason of beggetting, and to the first-born over
his brethen without this only reason, i.e. for no reason at all: and if the eldest, by the law of nature, can inherit
this paternal power, without the only reason that gives title to it, so may the youghest as well as he, and a stranger as
well as either; for where there is no reason for any one, as there is not, but for him that begets, all have an equal title.
I am sure our A. offers no reason, and when any body does, we shall whether it will hold or no.
[In Locke, Two treatises of government, pp. 214-215.]
(158)
153. For I thought he had been giving us out of Scripture, proofs and examples of monarchical
government, founded on paternal authority, descending from Adam; and not an history of the Jews: amongst whom
yet we find no kings, till many years after they were a people: and when kings were their rulers, there is not the least mention
or room for a pretence that they were heirs to Adam or kings by paternal authority. I expected, talking so much as
he does of Scripture, that he would have produced thence a series of monarchs, whose titles were clear to Adams fatherhood,
and who, as heirs to him, own'd and exercised paternal jurisdiction over their subjects, and that this was the true patriarchical
government: whereas he neither proves, that the patriarchs were kings, nor that either kings or patriarchs were heirs to Adam,
or so much as pretended to it: and one may as well prove, that the patriarchs and kings was only paternal; and that this power
descended to them from Adam; I say all these propositions may be as well proved by a confused account of a multitude
of little kings in the West-Indies, out of Ferdinando Soto, or any of our late histories of the Northern
America, or by our A-s [refere-se a Filmer] 70 kings of Greece, out of Homer, as by
any thing he brings out os Scripture, in that multitude of kings he has reckon'd up.
[In idem, ibidem, pp. 254-255.]
(159)
John Locke discorre longamente sobre este assunto no décimo-quinto capítulo do segundo tratado,
resumindo nos dois últimos parágrafos a posição explanada nos quatro anteriores:
173. Nature gives the first of these, viz. paternal power to parents for the benefit
of their children during their minority, to supply their want of ability, and understanding how to manage their property.
(By property I must be understood here, as in other places, to mean that property which men have in their persons as
well as goods.) Voluntary agreement gives the second, viz political power to governours for the benefit of their
subjects, to secure them in the possession and use of their properties. And forfeiture gives the third, despotical
power to lords for their own benefit, over those who are stripp'd of all property.
174. He, that shall consider the distinct rise and extent, and the different ends of these several
powers, will plainly see, that paternal power comes as far short of that of the magistrate, as despotical
exceeds it; and that absolute dominion, however placed, is so far from being one kind of civil society, that it is
as inconsistent with it, as slavery is with property. Paternal power is only where minority makes the child incapable
to manage his property; Political where men have property in their own disposal; and despotical over such as
have no property at all.
[In idem, ibidem, pp. 383-384.]
(160)
Os Two treatises of government de John Locke foram publicados em 1690 e, logo no ano
seguinte, David Mazel traduziu para francês o segundo tratado com o título Du gouvernement civil; où l'on traite de l'origine,
des fondements de la nature du pouvoir, et les fins des sociétés politiques. Este facto pode levar-nos a pensar que a
recepção das ideias do empirista inglês em França foi quase imediata, tendo obtido bom acolhimento.
Não foi isso, porém, que aconteceu. O pensamento político de Locke estava completamente desfasado
da realidade política e institucional francesa, tendo sido interpretado neste país como sendo um sistema de governo monárquico
apenas exequível em Inglaterra:
Il n'existait aucun équivalent en France à cette forme de monarchie tempérée et mixte, que définissait
Locke, et le problème de la contitution française se posait en des termes très différents, même chez les penseurs les
plus avancés de la Fronde. De ce fait, les cas de dissolution
de la puissance souveraine, tels que les posait Locke, lui étaient totalement étrangers. Que pouvaient signifier pour un contemporain
français de Louis XIV la réunion du Parlement dans le tems qu'il faut, la volonté arbitraire du souverain se substituant
au pouvoir legislatif, ce prince qui modifiait le système d'élection? Tout une suite d'élements du Traité échappait
à l'analyse qu'en France on pouvait alors faire. Seuls les quatrième et cinquième cas de dissolution, encore que relevant
d'une situation réelle, avaient à la limite un sens pour les lecteurs français. Reçu d'abord dans sa généralité, le Traité
se réduisait, par cet exemple, à la spécifité anglaise.
[...]
L'importance de Locke en son temps n'est pas celle que l'historien des idées peut aujourd'hui
lui reconnaitre. Le texte du Traité contre lequel allait s'exercer la réflexion politique en France était celui qu'elle
était en mesure de comprendre, c'est-à-dire celui qu'elle investissait idéologiquement et soumettait à un travail conceptuel,
reconstruit ici.
[In Jean Marie Goulemont, Le règne de l'Histoire. Discours historiques et révolutions XVIIe-XVIIIe
siècle, pp. 199-200 e 202-203.]
A manifesta impossibilidade dos prosélitos do absolutismo francês compreenderem as teses de
Locke, tinha a ver com questões de fundo e não meramente superficiais. O que estava realmente em causa eram duas maneiras
distintas de encarar o fenómeno revolucionário [ver nota 21]:
Alors que pour l'absolutisme toute révolution qui instaure est illégitime, parce que conduisant
à la fin de l'histoire ou au règne des passions, il n'est pour Locke de révolutions légitimes que celles qui, rendues nécessaires
par les perversions de la puissance souveraine existante, reconstruisent, par une nouvelle convention politique, un gouvernement.
Inversion essentielle de la causalité révolutionnaire qui fait du pouvoir altéré l'origine même de la révolution populaire
et transforme la représentation traditionnelle de la dynamique historique. Si la distinction entre révolutions du prince
et revolutions du peuple est maintenue, les signes en sont inversés. Loin de détruire ou d'altérer la puissance souveraine,
les révolutions populaires la rétablissent puisqu'elles ne peuvent s'exercer que lorsque cette même puissance, devenue
forme sans droit, s'est dissoute par l'illégitimité. La vacance du pouvoir n'est pas l'oeuvre du peuple, mais celle du prince.
L'absolutisme situait la dissolution du pouvoir, figure de l'anarchie, au terme du processus révolutionnaire. Locke la situe
en son commencement.
[In idem, ibidem, pp. 203-204.]
(161)
Veja-se a nota 105 deste capítulo.
(162)
En su papel de padre de sus vassallos, en su función de escuchar y atender a sus súbditos, el
monarca debe preocuparse por su situación y velar por su mejora. Así, Felipe V es considerado como um piadoso padre, pues
ni rehusó fatigas ni perdonó trabajos para adelantar el bien, la conveniençia y utilidad de sus vassallos:
Y, reconociendo que sin el auxilio del comercio activo nunca llegarían sus vasallos
a aquel punto de felicidad que les desseava, se aplicó a promoverlo y fomentarlo estableciendo nuevas fábricas de diferentes
géneros y adelantando las que ya avía. [Oración evangélica en la soleníssima fiesta que la santa Metropolitana Iglesia
de Valencia celebró en acción de gracias... en la feliz victoria del día 25 de abril como en la justa recuperación de Valencia...]
Bajo la concepción ilustrada de felicidad entendida como el disfrute de una existencia materialmente
mejorada, el monarca adopta este nuevo papel de benefactor económico de sus reinos, de impulsor del bienestar material de
sus súbditos.
[In Maria Pilar Monteagudo Robledo, La monarquía ideal, p. 114.]
No final do seu livro Pilar Robledo conclui a este propósito:
En su práctica, el príncipe cristiano debe afrontar las obligaciones de defensa y protección
de sus súbditos de todo peligro, y atención a sus necesidades, como un padre. Funciones eternamente asociadas a los deberes
del rey, pero cuya entidad se ha transformado.
Favorecer el desarrollo económico, cultural y moral del Estado y sus súbditos, garantizar la
paz y defender y difundir la religión católica son funciones reales impregnadas ahora por los principios de la Ilustración. El rey es considerado como el impulsor y garante
del progreso del Estado, origen y sustento de la felicidad pública. Un progreso, sustentado en el desarrollo económico, social
y cultural, en la utilidad y eficacia, que sólo es posible en una coyuntura de paz, aunque haya que utilizar la guerra como
arma para garantizarla. Ésta también es uno de los medios concebidos para defender y expandir los preceptos de la religión,
pero no el único ni el más importante. El comportamiento virtuoso de reyes y reinas - ejemplos y guías espirituales para sua
súbditos - es, en este caso, el arma más eficaz.
[In idem, ibidem, pp. 195-196.]
(163)
Dirigindo-se ao rei de França para festejar a entrada deste em Paris, o filho do conhecido dramaturgo
seiscentista declamou uma poesia que incluía o seguinte verso: Sous un Roi citoyen, tout citoyen est Roi.
Joseph de Maistre menciona-o na tentativa de demonstrar não ter sido a Revolução Francesa a
criadora da noção de cidadania, pois a palavra "cidadão" existia desde há muito no vocabulário francês e, para este fervoroso
realista, os revolucionários de 1789 só se tinham apoderado dela para a desonrarem:
C'était la mode en France (car tout est mode dans ce pays), de dire qu'on y était esclave: mais
pourquoi donc trouvat-on dans la langue française le mot de citoyen (avant même que la révolution s'en fut emparée
pour le déshonorer), mot qui ne peut être traduit dans les autres langues européennes? Racine le fils adressait ce beau vers
au Roi de France, au nom de sa ville de Paris: Sous un Roi citoyen, tout citoyen est Roi.
[In Joseph de Maistre, Considérations sur la
France, p. 102.]
No nosso texto utilizamos o termo rei-cidadão no sentido demasiado populista que ele
teve na França orleanista:
A l'écart [refere-se a Luís-Filipe de Orleães] de la politique contre-révolutionnaire
de la Restauration, soupçonné, depuis que son nom avait
été prononcé en 1815 dans certaines chanceleries, d'ambitions usurpatrices, sa promotion flattait la bourgeoisie, qui croyait
se reconnaitre dans ce Roy-Citoyen. Sa vie de famille, la jeunesse de ses fils, élevés dans les collèges royaux, la
popularité de l'ainé (qui prit après la révolution de Juillet le titre de duc d'Orléans) pour ses aventures galantes et un
gout du panache qui contrastait avec l'attitude de son père firent accepter Louis-Philippe par la bourgeoisie parisienne.
Le roi avait un sens de l'opinion qui l'amena, dans les premiers temps de son règne, à faire des gestes qu'on pouvait attendre
de lui. Il sut s'entourer d'abord des hommes qui avaient conservé une audience auprès des révolutionnaires, qui tennaient
encore la rue à la fin de 1830: Lafitte, La Fayette ou Odillon
Barrot; ensuite, il flatta l'amour-propre national en officialisant le culte napoléonien. Mais nous verrons plus loin que
cette faculté de composer avec l'opinion devait faire plus tard sa faiblesse en devenant duplicité et en faussant le régime
parlementaire.
[In André-Jean Tudesq, La France
romantique et bourgeoise (1815-1848), in Histoire de la France,
pp. 383-384.]
Logo nos primeiros meses do reinado de Luís-Filipe de Orleães se tornou evidente, de modo sensível
e algo hilariante, a fraqueza da realeza francesa após a revolução de Julho de 1830:
Ce devouement [da burguesia e plebe parisienses], Louis-Philippe le payat
cher et durant les premiers mois de sa royauté, il devint exactement la proie - et le jouet - de la classe victorieuse: au
Palais-Royal, des hommes en blouse s'etaient constitués ses gardes du corps; et leurs chants, leurs clameurs remplissaient
la cour au point que les ministres assemblés au premier étage en éprouvaient une gêne infinie; mais quand on lui conseillait
de faire cesser se vacarme, le roi n'osait donner des ordres [...]. Avec cet homme-là, la monarchie descendait de sa
hauteur et de son isolement; on la voyait, on lui parlait face a face [...] le soir, les badauds massés devant la grille
du Palais s'égosillaient à crier: Le roi! le roi! et il fallait bien que le roi paru. C'était un jeu pour les gamins.
Ils arretaient les passants: Voulez-vous voir le roi? C'est trente sous. Ils entonnaient à pleine voix l'hymne national;
Louis-Philippe reprenait en chouer, battant la mesure du pied et de la main. Des pareilles scènes auraient écoeuré Charles
X [...].
[In Lucas Dubreton, Louis-Philippe, citado por Manuel Filipe Cruz Canaveira, Liberais
moderados e constitucionalismo moderado (1814-1852), p. 152.]
(164)
O autoritarismo do rei exige, em primeiro lugar, da parte dele uma certa actuação paternal,
mas dominadora, em relação aos súbditos. Não era, segundo Gama e Castro, pela popularidade que se obtinha aquele prestígio,
tão necessário à tranquilidade pública, que fazia com que o príncipe surgisse aos olhos dos súbditos como um representante
da divindade. Ligado ainda a um paternalismo teocrático, que evidentemente espíritos mais progressistas consideravam
ultrapassado, Gama pretende que o monarca se interesse por todos os problemas dos seus vassalos, mas procura também dar à
sua presença toda a dignidade que, segundo ele, o respeito supõe. Assim, quer nas audiências públicas, quer nas suas viagens
pelo país, quer nas cortes (autêntico contacto paternal do rei com os súbditos), o monarca deverá tomar posição de
superioridade e intocabilidade, deverá mesmo garantir um certo tom de mistério, para ser tido como um deus na terra.
Este paternalismo, por sua vez, supunha a ideia de severidade, fundamentalmente em relação aos
ministros, que mais directamente contactam com a nação. Recordando decerto as prevenções que os autores portugueses, como
por exemplo Sá de Miranda, haviam dirigido ao rei relativamente ao seu ministério e pensando possivelmente, já o dissemos,
no ministerialismo pombalino e até miguelista, Castro aconselhava o príncipe a ser severo com os agentes da administração.
Assim, ele seria temido por eles, mas seriam respeitadas as suas ordens, e a nação, feliz pela acção salutar dos ministros,
amaria o seu rei. Temor ou amor ao soberano - a célebre questão que tanto preocupou os educadores de príncipes era
assim colocada por Gama e Castro.
Além disso, também o paternalismo autoritário teria de supor a inflexibilidade. A ideia
de que a palavra do rei não pode voltar atrás aparece a ilustrar este princípio em passo extraído da Arte de furtar
[trigésimo capítulo na edição de 1744].
[In Luís Manuel Reis Torgal, Tradicionalismo e contra-revolução. O pensamento e a acção de
José da Gama e Castro, pp. 264-265.]
(165)
O título de Pater patriae só foi atribuído a Octávio César Augusto na velhice, aparecendo
essa concessão no final dos Res Gestae Divi Augusti, um extenso relato sobre o ditoso governo do primeiro imperador
romano inscrito em dois pilares de bronze erigidos na Roma Antiga:
Estava eu no meu décimo terceiro consulado, quando o Senado, a ordem equestre e o Povo
Romano inteiro me designaram Pai da Pátria e decidiram que esse título se inscrevesse no átrio da minha casa, na Cúria Júlia
e no Forum Augustum, na quadriga que me tinha sido dedicada por deliberação do Senado. Tinha setenta e seis anos de idade,
quando redigi este documento.
[In Os feitos do Divino Augusto (35.1-2), citado em Romana. Antologia da cultura latina, p. 121.]
(166)
Tinha recusado todos os títulos. No primeiro mês do meu reinado, o Senado decorara-me, mau grado
meu, com essa longa série de nominações honoríficas que colocam como se fosse um xaile de franjas em volta do pescoço de certos
imperadores. Dácico, Pártico, Germânico: Trajano tinha apreciado estes belos ruídos de músicas guerreiras, semelhantes aos
címbalos e aos tambores dos regimentos partos; haviam suscitado nele ecos, respostas; a mim não faziam mais que irritar-me
ou atordoar-me. Mandei abolir tudo isso; rejeitei também, provisoriamente, o admirável título de Pai da Pátria, que Augusto
só aceitou no fim da vida e do qual me não sentia ainda digno.
[In Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano, p. 92.]
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