(1)
In Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses (3º marquês
de Penalva), Dissertação a favor da monarquia, pp. 8-9.
(2)
William Beckford queixa-se no seu Diário do excessivo
zelo do Intendente da Polícia no cumprimento desta função de vigilância, lamentando a retenção dos seus livros na alfândega,
cujo despacho estava dependente de uma ordem expressa da rainha.
[Vide William Beckford, Diário de William Beckford em
Portugal e Espanha, p. 93.]
(3)
Vide idem, ibidem, p. 52.
(4)
Leia-se a nota nº 66 do Diário Português de William
Beckford, da autoria de Boyd Alexander.
[Vide, idem, ibidem, p. 182.].
(5)
Vide Rousseau, Do contrato Social, pp. 102-103.
(6)
In Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses (3º marquês
de Penalva), Dissertação a favor da monarquia, p. 19.
(7)
In idem, ibidem, p. 29.
(8)
In Rousseau, Do Contrato Social, pp. 161-162.
(9)
Os reis querem ser absolutos, e de longe gritam-lhes
que o melhor meio de sê-lo é fazerem-se amar pelos seus povos. É muito bela esta máxima, e até muito verdadeira sob vários
respeitos: infelizmente, hão-de metê-la sempre a ridículo nas cortes. O poder que vem do amor dos povos é sem dúvida o maior;
mas é precário e condicional; nunca os príncipes se contentarão dele. Os melhores reis querem poder ser maus se lhes aprouver,
sem deixarem de ser os senhores. Bem lhes poderá dizer um pregador político que, sendo a deles a força do povo, o seu maior
interesse é que o povo seja florescente, numeroso, temível; eles sabem muito bem que isso não é verdade. O interesse pessoal
deles é, em primeiro de tudo, que o povo seja fraco, miserável e que não lhes possa nunca resistir.
[In idem, ibidem, p. 157.]
(10)
Vide Dictionnaire des auteurs de tous les temps et de
tous les pays, vol. 4º, p. 150.
(11)
In Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses (3º marquês
de Penalva), Dissertação a favor da monarquia, p. 19.
(12)
Vide Paul-Henri Dietrich (Barão d'Holbach), Sistema
de la naturaleza, in Fernando Prieto, Lecturas de Historia de las Ideas Políticas, p. 274.
(13)
Vide Montesquieu,
in Dictionnaire de la pensée politique. Hommes et idées, p. 543.
(14)
Importa considerar as implicações práticas desta concepção
do Barão de La Brède, pois as motivações de acção de cada forma ideal de governo condicionam as leis positivas,
marcando assim a diferença entre democracia, oligarquia e monarquia.
Vide Fernando Prieto, História
de las ideas y de las formas políticas, III Edad Moderna (2. La Ilustración),
pp. 150-151.
(15)
Vide Francisco Suarez,Principatus
politicus o la soberania popular, in Defensio Fidei III, Ed. Consejo Superior de Investigaciones Científicas, col.
Corpus Hispanorum de Pace, vol. 2º, Madrid 1965, p. 17.
(16)
B. Kopeczi e outros, L'absolutisme eclairé, pp.
106-108.
(17)
El sistema de contrapesos
en un gobierno es una opinión funesta que sólo manifiesta discordia entre los grandes y la postración de los pequeños. La
division de las sociedades en diferentes órdenes de ciudadanos de los que unos ejercen la autoridad soberana sobre otros,
destruye el interés general de la nación e introduce la disensión de los intereses particulares entre las diversas clases
de ciudadanos. Esta división trastornaria el orden del gobierno de un reino agrícola que debe reunir todos los intereses en
torno a un proposito capital: la prosperidad de la agricultura, que es la fuente de todas las riquezas del Estado y de los
ciudadanos.
In François Quesnay, Maximes générales..., in Fernando
Prieto, Lecturas de Historia de las Ideas Políticas, p. 267.
Montesquieu também partilhava desta opinião, embora de forma
crítica, uma vez que atribuía à rapidez de decisão a origem de muitos abusos de poder:
Le gouvernement monarchique a un grand avantage sur
le républicain: les affaires étant menées par un seul, il y a plus de promptitude dans l'exécution. Mais, comme cette promptitude
pourrait dégénérer en rapidité, les lois y mettront une certaine lenteur. Elles ne doivent pas seulement favoriser la nature
de chaque constitution, mais encore remédier aux abus qui pourraient resulter de cette même nature.
In De l'esprit des lois, in Montesquieu, Oeuvres
Complètes, Livro V, p. 550.
Num breve discurso lido em 1789 na Academia das Ciências
de Lisboa, o Abade Correia da Serra, visivelmente influenciado pelas ideias fisiocráticas, reservava ao estado absoluto uma
quota-parte de responsabilidade no aumento da produção, afirmando ser seu dever fomentar e regulamentar a actividade económica:
O desejo da pública prosperidade pode ser igual em todos;
basta para isso um coração leal, e bem intencionado. Não é o mesmo porém em quanto ao modo de concorrer para tão nobre fim,
porque as circunstâncias, e obrigações de cada indivíduo ou corporação, lho fixam e limitam. Dar providências, remover
obstáculos, extirpar abusos, compete somente aos ministros do poder soberano [sublinhado nosso]; influir com grandes exemplos, intentar grandes estabelecimentos, cabe só
nas forças dos ricos proprietários; propagar as luzes, que para este fim lhe subministra a natureza dos seus estudos, é tudo
quanto podem e devem fazer as corporações literárias.
In José Correia da Serra, Discurso Preliminar, in
Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, tomo I, p. 9.
(18)
Sir Ernest Barker diz o seguinte a este propósito:
O estadista é o pastor a quem cabe a manutenção do rebanho
humano. A palavra manutenção implica (conforme fica claramente estabelecido no principio do diálogo [refere-se
ao Politicus de Platão]) que não há
separação entre a arte da administração de uma casa, ou ciência económica (de oikos, casa) e a ciência política. Uma
casa ampla e um estado pequeno diferem apenas em grau, não em espécie, o mesmo se pode dizer das ciências dedicadas à sua
administração. Há uma só ciência, para todos eles, que pode ser chamada de real, política ou económica. Este é o ponto
de partida para a Política. Aristóteles começa enfatizando a diferença entre o Estado e a casa - entre a ciência política
e a económica. E fornece um argumento em favor da doutrina do direito divino de Sir Robert Filmer, que observa, no Patriarca:
o divino Platão conclui que a sociedade nada mais é do que uma grande família; de onde estabelece ter o rei a incumbência
divina de dirigir a comunidade, por analogia com o patriarca, incumbido por Deus de dirigir a família".
In Sir Ernest Barker, Teoria política grega,p. 262.
(19)
John Locke vê na doutrina patriarcal exposta por Sir Robert
Filmer, uma das causas da tendência das monarquias absolutas para o despotismo:
I have been fain
to trouble my Reader with these several Quotations in our A---'s [refere-se a Filmer] own Words, that in them might be seen his own
Description of his Fatherly Authority, as it lies scatter'd up and down in his Writings, which he supposes was first
vested in Adam, and by Right belongs to all Princes ever since. This Fatherly Authority then, or Right of
Fatherhood, in our A---'s sense is a Divine unalterable Right of Sovereignty, whereby a Father or a Prince hath an Absolute,
Arbitrary, Unlimited, and Unlimitable Power, over the Lives, Liberties, and Estates of his Children and Subjects; so that
he may take or alienate their Estates, sell, castrate, or use their Persons as he plaeses, they being all his Slaves, and
he Lord or Proprietor of every thing, and his unbounded will their law.
In John Locke, The
false principles and foundation of Sir Robert Filmer, and his followers are detected and overthrown, in Two treatises
of government, pp. 147-148.
(20)
Vide idem, ibidem,
p. 590.
(21)
Vide Fernando Prieto, História
de las ideas y de las formas políticas. III Edad Moderna (1. Renacimiento y Barroco), p. 415.
(22)
Uma imagem antropomórfica semelhante à de Bodin já havia sido
descrita no século XII por João de Salisbúria no Policraticus (Livro V, cap. II), que para o efeito se inspirou num
panfleto de Plutarco intitulado A instrução de Trajano.
No início do século XIV, Frei Álvaro Pais também utiliza uma
metáfora semelhante no De Statu et Planctu Ecclesiae:
Omne autem naturale regnum ab uno est: unde et in membrorum
multitudine unum est quod principaliter mouet, scilicet, cor, et in partibus anime, una uis principaliter presidet, scilicet,
ratio.
[In Frei Álvaro Pais, De Statu et Planctu Ecclesiae,
citado por João Morais Barbosa, O De statu et Planctu Ecclesiae. Estudo Crítico, p. 340.]
Na Renascença, esta concepção organicista da monarquia continuou
a ser teorizada em obras de excepcional relevo, entre elas o célebre Relox de Príncipes (1528) de Frei António de Guevara,
cujo título do Capítulo XXXVI do Livro I é o seguinte:
De quién fue el gran philósopho
Plutarco, y de las palabras que dixo al Emperador Trajano; y cómo el buen príncipe es cabeça de la republica; y que, estando
sana esta cabeça, no puede estar enferma la república [...]
[In Frei António de Guevara, Relox de Príncipes, p.
281]
Em
o Principe Perfecto (1657), o jesuíta espanhol Andrés Mendo dá-nos
uma sugestiva descrição do tema, que resume bem as posições dos autores atrás referidos:
Es la cabeza en el cuerpo
humano el asiento de los sentidos, y los niervos: de ella se derivan à los miembros las fuerzas, domina en ello comunicandoles
vigor y movimiento; y todo nuestro obrar tiene della su origen y principio. Por eso los Antiguos destinando un Dios por protector
de cada miembro, disputaron la Deidad mayor para la cabeza.
Los ojos dedicaban a Cupido, la frente al Genio, las cejas a Juno, los oydos à la
Memoria, la mano derecha à la Lealtad,
el pecho à Neptuno, las rodillas à la Misericordia,
las espaldas à Pluton, los pies à Mercúrio, las plantas à Tétis; Pero la cabeza à Júpiter Optimo Maximo, por ser la aula imperial
de los sentidos, y potencias.
El oficio de Rey es oficio
de cabeza con los miembros. Del se derivan los vitales movimientos: reciben fuerzas los sentidos, y tienen origen las acciones.
Por todos siente, oye, ve, toca, gusta, se duele, e se alegra como cabeza vigilante del cuerpo de su Reyno. Manda, rige, está
obligado à su acrecentamiento y amparo; y los vasallos à la obediencia, y à la union y concordia, que los miembros conservan
con la cabeza.
[In Andrés Mendo, Principe
perfecto y ministros ajustados, documentos politicos y morales en emblemas, pp. 47-48]
Em Espanha, no século XVIII, este conceito político conservava
a sua importância e tinha consequências a nível da prática governativa. Por ocasião da proclamação de Carlos IV em 1789, D.
Francisco Miguel de Cano e Urrea (canónico magistral da Igreja de Valência) baseou-se nele para demonstrar, num sermão subordinado
ao tema do verdadeiro amor devido ao soberano pelos seus vassalos, que a circunstância de o rei ser cabeça da monarquia
torna o interesse do monarca indissolúvel do interesse comum:
El rey y sus vasallos no
formamos un cuerpo? No es nuestra cabeza? El interés de la cabeza puede dexar de serlo de los demás miembros? La gloria de
la cabeza, su honor, su crédito, su reputación, sus ventajas, sus felicidades, sus prosperidades podrán dexar de interesar
a todos los miembros? El interés del rey no es esencialmente el interés común? Y éste podrá serlo verdaderamente sin que lo
sea de todos los particulares?... A todos nos alcanza, oyentes mios, todos participamos necesariamente de las prosperidades
y de las desgracias de nuestro soberano. Tu rey, nación mia, es tu alma, tu vida, tu corazón, tu cabeza...
[In D. Francisco Miguel de Cano
e Urrea, Sermón sobre el verdadero amor al rey..., citado por Maria Pilar Monteagudo Robledo, La monarquía ideal,
p. 65.]
Esta convicção política surge, igualmente, em vários tratadistas
políticos portugueses desde o século XVI até finais do XVIII. Camões faz-lhe uma alusão inequívoca nas explicações que Vasco
da Gama dá ao rei de Melinde sobre o facto de o seu soberano o ter proibido de abandonar o navio em qualquer circunstância
- E, porque é de vassalos o exercício,/ Que os membros tem, regidos da cabeça,/ Não quererás, pois tens de Rei o ofício,/
Que ninguém a seu rei desobedeça; (Os Lusíadas, II, 84) -. O cortesão Francisco de Melo utiliza-a também na oração
proferida nas cortes eborenses de 1535 [Ver Anexo 1] e o alcaide de Arronches, Manuel de Sousa, procede de forma idêntica
no parecer enviado a D. João III no início desse mesmo ano, quando alude ao dever dos vassalos -os membros - se sacrificarem
para ajudar o rei - a cabeça - na defesa das praças marroquinas de Azamor e Safim:
E também, pois, Vossa Alteza é a cabeça deste corpo místico
da sua república, é razão, que seus membros hajam algum tempo paciência, pois vemos naturalmente os membros se oporem aos
perigos por defensão da sua cabeça ao menos, enquanto estas necessidades duram...
[In Manuel de Sousa,Parecer dado em Arronches, a 1 de Janeiro
de 1535, sobre se abandonarem os lugares de África, in Antologia do Pensamento político português, vol. 1º, p.
222.]
Em 1790 ainda aparece em o Príncipe Perfeito de Francisco António de Novaes Campos (uma paráfrase
da obra seiscentista Emblemata regio politica de D. João Solorzano), uma colecção de divisas e poemas dedicada ao Príncipe
do Brasil, futuro D. João VI. No Emblema XIII [Fig. 5], aparece uma gravura - parecida com a que aparece no
livro do jesuíta Andrés Mendo - representando uma cabeça coroada encimada pela frase latina Officium regis, officium Capitis
- É ofício do rei o da cabeça -, a que se junta o soneto da versão portuguesa onde se lêem os seguintes versos:
Se o povo forma o corpo, o rei cabeça,/Os sentidos trazer
deve apurados,/Para que pronto o sirva, e lhe obedeça.
[In Francisco António de Novaes Campos, Príncipe Perfeito,
p. 33 (do fac-simile)]
(23)
The title-page of Leviathan
gives graphic illustration to this theory: Leviathan's body is made up from the bodies of the multitude of citizens. The same
point was made even more strikingly by the title-page of the manuscript copy of Leviathan presented to Charles II.
There Leviathan's body is made up of a multitude of heads - he is, quite literally, a many-headed monster. Thus Hobbes sought
to convey the idea that the acts of the sovereign are owned equally by each and every citizen, and to transform a view of
the multitude as a threat to all order into a vision of its members as the substance of the state.
[In David Wootton, Introduction,
in Divine right and democracy. An anthology of political writing in Stuart England, p. 57.]
(24)
No es necesario insistir
mucho para mostrar que la monarquia es la forma de republica más segura, si se considera que la familia, que es la verdadera
imagen de la republica, sólo puede tener una cabeza, como ya he mostrado. Todas las leyes naturales nos conducen a la monarquia,
tanto si contemplamos el microcosmos del cuerpo, cuyos miembros tienen una sola cabeza, de la cual depende la voluntad, el
movimiento y las sensaciones, como si contemplamos el universo, sometido a un Dios soberano...
[...]
Por todas estas razones,
y otras muchas que no es necesario detallar, creo evidente que, de las tres clases legítimas de república, la monarquia es
la más excelsa.
[In Jean Bodin, Los seis
libros de la republica, p. 385.]
A celsitude da monarquia para Jean Bodin e vários outros publicistas
franceses seiscentistas decorre da própria concepção de soberania que propugnam, por definição absoluta, além de indivisível
e inalienável:
...la souveraineté est, d'après Bodin, non seulement perpétuelle,
unique et inaliénable, mais encore absolue. Elle est absolue ou bien elle n'est pas. C'est donc d'emblée et par définition
qu'elle est legibus soluta. La souveraineté donnée à un prince sous charges et conditions n'est pas à proprement
parler souveraineté ni puissance publique, note fermement Bodin, détachant ainsi l'une de l'autre les deux célèbres maximes
do Droit Romain que les légistes médievaux s'efforçaient au contraire de rapprocher, comme pour les équilibrer l'une par l'autre:
la Lex regia et la Digna vox. Comme le redira, après Bodin, Ch. Loyseau, pour être, la souveraineté
doit être parfaite et entière en tout point. Et Cardin Le Bret précisera encore, en 1632, dans une formule souvent
citée: La souveraineté n'est pas plus divisible que le point en géometrie. Or si la souveraineté se détermine à présent
comme d'emblée et essentiellement absolue (c'est-à-dire au sens strict, legibus soluta). libre à l'égard des lois promulguées
comme à l'egard de celles que le Prince peut faire lui-même, c'est parce qu'elle est d'abord conçue comme pouvoir de légiférer
(potestas condendi leges).
[In Jean-François Courtine, L'héritage scolastique dans
la problématique théologico-politique de l'âge classique in L’état barroque. Regards sur la pensée politique
de la France du premier XVIIe siècle, p. 103.]
(25)
Ninguém ignora que um governo sem ordem não pode subsistir
por muito tempo; e ninguém hoje pode ignorar, lendo com meditação a História do homem, que todas as vezes que a Soberania
não reside em uma só pessoa, o Estado se expõe a ser dividido em substância, como o é nas opiniões dos que o administram.
Nem deve enganar-nos a ordem afectada, e virtudes austeras, que por algum tempo admirou a Grécia e Roma nas suas Repúblicas.
Enquanto durou a frugalidade da vida, e a pobreza de meios, foi fácil conservar a ordem, que ninguém intentava perturbar;
e deveu-se este sistema a uma certa Monarquia, em que viviam sem o saber. Imperava a razão, e o amor da virtude era o Monarca.
Esta virtude fez belicosas e honradas nações, atacaram os que chamavam bárbaros, e ficando conquistadores foram vencidos pelas
riquezas que ganharam; porque esta é, e será sempre a sorte dos Estados Republicanos, logo que acabe o louco entusiasmo com
que começam, ou quando passam da primeira simplicidade de costumes, que não pode ter longa duração.
[In Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses (3º marquês de
Penalva), Dissertação a favor da monarquia, p. 20.]
(26)
Vide Idem, ibidem, p. 28.
(27)
Vide idem, ibidem, p. 30.
(28)
In idem, ibidem, pp. 30-31.
(29)
Que felizes não são os povos, que são regidos pelo governo
monárquico? Ele, Senhora é o primeiro, o melhor e o mais capaz de policiar, e civilizar um estado. O primeiro corpo político,
de que fala a História, é o monárquico. A Escritura o atesta.
[In Luís António Inocêncio de Moura e Lemos, Elogio à augustíssima,
e fidelíssima rainha, nossa senhora D. Maria I, em reconhecimento dos benefícios recebidos, a quem deve a nação utilidade,
e amor, p. 6]
(30)
In Frei João Baptista da Purificação, Discurso pela fausta
aclamação de el-rei nosso senhor, que no plausível dia 13 de Maio recitou em a matriz do Recife, pp. 16-17.
(31)
Vide Baltasar Gracián, El
arte de la Prudencia. Oráculo manual, p. 3.
(32)
Oh what a noble, honorable
and profitable thing it is in the kingdom, empire, or country to have brave knights, that is, good soldiers!
Are they not the guardians
of the prince and the people of the country, and the champions that shed their blood and life for the honor of the prince
and the public good?
[In Christine de Pizan,
The book of the body politic, p. 50.]
(33)
A obrigatoriedade dos reis honrarem a nobreza aparece bem explícita
em vários capítulos do Libro Segundo del Espejo del Principe Christiano, embora não se conteste o princípio de que
é pertença exclusiva da realeza o direito de conceder títulos nobiliárquicos:
Cap. treinta y cinco de quales
han de ser las insignias con que los principes han de honrar a los nobles,
Cap. treinta y seis como
los principes son obligados a tener algunas insignias de honra y que reglas han de guardar en la distribucion y concession
dellas,
Cap. treinta y siete comô
pertenesçe a los principes dar las insignias y armas de nobleza que sean tales que el blason dellas represente la causa por
que se conçeden,
Cap. quarenta y çinco donde
se prueva como el principe es fuente manantial que reparte las honras riquezas y deleites entre todos los cortesanos,
[Francisco de Monzón, "Libro Segundo del Espejo del Principe
Christiano", índice citado em apêndice por, Maria de Lurdes C. Fernandes, "Francisco de Monzón, capelão e pregador de D.
João III e de D. Sebastião", in Lusitania Sacra, pp. 63-64.]
(34)
Num diálogo imaginário que teve lugar no decurso da Guerra
dos Trinta Anos entre D. Gaspar de Salazar e o jovem Roberto de La Grive,
descrito com invulgar perícia literária no romance A ilha do dia antes de Umberto Eco, o nobre espanhol explica ao
imaturo senhor saboiano que os títulos nobiliárquicos não se obtêm com demonstrações heróicas no campo de batalha, mas sim
frequentando a corte e acatando a supremacia do trono, porque os tempos em que os reis eram erigidos pelos nobres passaram
definitivamente:
- Meu jovem amigo - disse -, todos nós estamos aqui e em
obséquio a monarcas diferentes, para que esta guerra se resolva segundo a justiça e a honra. Mas já não estamos nos tempos
em que se possa mudar o curso das estrelas com a espada. Acabou o tempo em que os fidalgos criavam os reis; agora são os reis
a criar os fidalgos. Dantes a vida da corte era uma espera do momento em que o fidalgo se mostrava como tal na guerra. Agora,
todos os fidalgos que adivinhais lá em baixo, -e apontava para as tendas espanholas - e cá em cima - e apontava para os aquartelamentos
franceses -, vivem esta guerra para poderem tornar ao seu lugar natural, que é a corte, e na corte, amigo meu, já não se disputa
para igualar o rei em virtudes, mas para obter os seus favores.
[In Umberto Eco, A ilha do dia antes, p. 106.]
A verosimilhança histórica deste trecho só é possível num escritor
para quem o romance conta coisas que talvez não hajam realmente acontecido, mas que poderiam muito bem acontecer e
que considera este género literário uma espécie de irmão carnal da História.
[In idem, ibidem, pp. 339-340.]
(35)
La relation du prince à ses sujets est économique,
au sens où cette relation est quantifiable; qu'il s'agisse des biens, des honneurs, des récompenses, etc. Il les utilise comme moyens au service de la fin qu'est la città.
En outre, ce qui vaut pour les sujets vaut pour le prince dans son rapport au pouvoir qu'il exerce. Un pouvoir sans réputation
est prisonnier du court terme. Acquérir une réputation, c'est accumuler un capital de pouvoir qui permet au prince
de sacrifier ses intérêts à court terme, d'user d'une réserve de pouvoir sans l'épuiser dans l'instant et ceci en vue d'un
usage ultérieur plus profitable. On peut mesurer ici tout ce qui sépare le prince du tyran; ce dernier se présente comme un
être égoiste rivé au court terme, incapable d'anticiper l'avenir et la fin de la città.
[...]
L'intervention du prince
consiste donc à égaliser les égoismes par eux-mêmes anarchisants en les faisant entrer dans une société concurrentielle
guidée par la perspective du long terme. Celle-ci n'exclut personne puisque chacun recueille les bénéfices dus au long terme.
Chacun a désormais le droit de faire fructifier son intérêt particulier. Cette égalisation est logiquement liée au type de
pouvoir que représente le prince. L'obligation d'obéir est fondée sur l'intérêt des sujets, mais aussi sur la crainte. Celle-ci est requise puisque chacun peut être tenté par le profit à court terme. La peur du prince garantit l'égalitarisme.
[In Michel-Pierre Edmond,
Machiavel, in Dictionnaire des oeuvres politiques, pp. 621 e 622.]
(36)
El rey sabio debe, por consiguiente,
gobernar su reino armónicamente, combinando mesuradamente nobles y plebeyos, ricos y pobres, pero con el tacto debido para
que los nobles gocen de alguna ventaja sobre los plebeyos. Es justo que para ocupar las dignidades de la judicatura o de la
milicia, sea preferido el gentilhombre al plebeyo, cuando ambos están igualmente dotados en leyes o en armas. Del mismo modo,
se preferiría el rico al pobre, aun siendo iguales desde otros puntos de vista, cuando se trata de oficios que dan mayor honra
que provecho, y el pobre al rico, en el caso contrario. De ese modo, ambos quedarán contentos, porque el rico sólo busca el
honor y el pobre el provecho... Si las dignidades son colegiadas y dobles, será conveniente emparejar al noble con el plebeyo,
al rico con el pobre, al anciano con el joven..., a fin de evitar la envidia que normalmente existe entre iguales. Además,
esta combinación trae como resultado que cada uno defiende las prerrogativas y derechos de su estado; así ocurre en los tribunales
supremos, corporaciones y colegios, compuestos por personas de toda calidad, donde está la justicia mucho mejor ordenada que
si fuesen todos del mismo estado. El unico modo de unir humildes y poderosos, plebeyos y nobles, pobres y ricos, consiste
en atribuir los oficios, cargos, dignidades y beneficios a quienes lo merezcan, como ya he dicho.
[In Jean Bodin, Los seis
libros de la republica, p. 399.]
(37)
Autant de prétentions particularistes
et d'attitudes capricieuses dont ne s'accommodent ni la marche régulière des affaires publiques ni sourtout l'urgence des
besoins. D'autant que les thèmes... - necéssaire consentement des États aux impôts, périodicité regulière et surtout prétention
à représenter le royaume - dénués d'effets, contredits par l'étroitesse de vues des députés, sont maintenant dissonants en
face d'un roi souverain, chef du corps mystique et comme tel unique principe vivifiant devant lequel les sujets ont obligation
de se ranger. Aussi bien, après 1614, les États généraux tombent-ils dans la trappe jusqu'à la convocation de 1788. Certes,
durant la Fronde, en 1649 et 1651, dans l'espoir d'amener
les rebelles à résipiscence, seront-ils convoqués, des cahiers de doléances rédigés, mais leur réunion renvoyé sine die.
En 1713, lorsque, au traité d'Utrecht, les Anglais demandent à faire ratifier par eux la renonciation de Philippe d'Espagne
au trône de France, il leur est rétorqué que. n'ayant point été convoqués depuis plus de cent ans, ils estoient de quelque
manière abolis dans le royaume; et Louis XVI, dans son discours d'ouverture des États. le 5 mai 1789, déclare les rétablir.
[In Jean Barbey, Être
roi, pp. 271-272.]
(38)
Henri IV, qui passe pour débonnaire et libéral, sait imposer
sa prérogative royale dont il ne rend compte qu'à Dieu. Situation que résumait Louis XIII, selon lequel Dieu m'a
mis pardessus tout, Louis XV affirmant, lors de la séance de la flagellation du 3 mars 1766: C'est en ma personne seule
que réside la puissance souveraine [...] que l'ordre public tout entier émane de moi, ou Louis XVI soutenant que le
pouvoir absolu [...] caractérise la monarchie.
[In idem, ibidem, p. 149.]
(39)
Par une naturelle réaction, les Bourbons mettent tout en
oeuvre pour préserver l'indépendance du monarque et s'ingénient à instaurer un ordre public s'imposant à tous: domestication
de la grande noblesse, concentration plus décisive du pouvoir entre les mains du roi, croissance proportionelle d'une administration
plus efficace et centralisée, intervention dans de nouveaux domaines comme l'économie, exigences fiscales accrues et parallèlement
désuétude de certaines instances représentatives des intérêts particuliers. États généraux ou provinciaux à moindre titre en sont les manifestations les plus visibles. Une telle
dilatation de l'autorité - encore que toute rélative comparée à l'époque actuelle - n'est pas sans correspondre à une évolution
logique vers une nécessaire unification politique et juridique du royaume. Elle est par là facteur de progrès: ainsi Louis
XIV imposant un nouvel impôt direct, la capitation, n'excluant ni le clergé ni la noblesse, traditionnellement exemptés de
la taille, esquisse l'égalité fiscale définitivement consacrée sous la
Révolution, et c'est par un semblable acte d'autorité que Louis XV fait entreprendre de salutaires réformes
en 1770.
[In idem, ibidem, pp. 151-152.]
(40)
O controlo da nobreza francesa pela coroa precede um pouco,
conforme constata Norbert Elias em O processo civilizacional, o início do governo de Luís XIV. Com efeito, durante
a menoridade deste soberano, a submissão da nobreza à omnipotência do trono já fora assegurada pelo Cardeal Mazarino, cuja
habilidade política foi a de saber aproveitar, em benefício do reforço do poder central, as dissensões internas dos grupos
que integravam a Fronda, minando a unidade desta e, consequentemente, a sua capacidade de resistência à política centralizadora
promovida pela regência de Ana de Áustria.
Luís XIV não esqueceu a lição de Mazarino e sempre preservou
os contrapesos existentes entre os diferentes grupos sociais, avivando as divergências sociais e económicas existentes entre
eles. O desejo do Rei-Sol, por conseguinte, era controlar a nobreza no seio da corte e não aniquilá-la, pois isso faria perigar,
conforme escreve Norbert Elias, o equilíbrio de tensões entre ela e a burguesia, pondo necessariamente em risco os
fundamentos da política régia.
[Vide Norbert Elias, O processo civilizacional, vol.
2º, pp. 159-160 e 216-217.]
Como é óbvio, esta política obrigava o rei a uma atenta vigilância,
pois, para Luís XIV, o controlo dos desacordos e rivalidades sociais era uma das principais tarefas do poder régio:
A arte de governação não é nada difícil nem desagradável, disse Luís XIV, uma vez, nas instruções ao herdeiro do trono. Consiste simplesmente em conhecer
os verdadeiros pensamentos de todos os príncipes da Europa, em sabermos tudo o que as pessoas querem esconder de nós, os seus
segredos, e em exercer sobre elas atenta vigilância.
[In idem, ibidem, vol. 2º, p. 164.]
(41)
La noblesse n'est pas absente des cercles dirigeantes, soit
par la présence individuelle de certains de ses membres dans les rangs des officiers royaux, soit par le devoir de conseil
qui lui fait obligation de seconder le roi; mais la grande noblesse est souvent agitée par des prétentions politiques, seulement
canalisées au XVIIe siècle, à partir de Louis XIV, par la discipline de la
Cour.
[In Jean Barbey, Être
roi, p. 291.]
As dissensões entre a nobreza hereditária e o poder real, controladas
na centúria de seiscentos pela rígida etiqueta de corte, foram-se desvanecendo ao longo do século XVIII. O nobre italiano
Alfieri, inimigo jurado do absolutismo, reconhecia em 1777 que os Grandes desempenhavam a maioria dos cargos governativos
importantes e, embora sofressem muitas vezes os vexames de uma realeza ciosa da sua supremacia, eram sem dúvida o mais sólido
sustentáculo da monarquia absoluta:
Uma classe há aí de gente que se jacta e vangloria de ser
de muitas gerações ilustre, ainda que ociosa e inútil passe a vida. Intitula-se nobreza; e não menos do que a classe dos sacerdotes,
se deve considerar como um estorvo ao viver livre, e um dos mais ferozes e permanentes apoios da tirania [em Alfieri este termo é sinónimo de absolutismo régio].
[...]
Concluo, quanto à nobreza hereditária, que as repúblicas,
onde ela já existir, não serão por muito tempo verdadeiramente livres; e que nas tiranias, enquanto houver nobres hereditários,
se não pode estabelecer nem sustentar verdadeira liberdade.
[...]
A nobreza, por mais ignorante e inculta que seja, como vive
um tanto menos oprimida e é mais abastada, sempre tem tempo e meios para reflectir um pouco mais que o povo; chega-se mais
ao tirano [rei]; estuda e conhece-lhe melhor a índole, os vícios e
a nulidade. Acrescente-se a necessidade que ele ainda julga ter em certa medida dos nobres, e de tudo isto se entenderá facilmente
aquele ódio inato contra eles, que está no coração do tirano, o qual não quer nem deve querer que se pense, e muito menos
gostar de quem o espie e conhece. Nasce deste ódio intrínseco aquela ostentação de popularidade que fazem alguns tiranos da
Europa e as muitas mortificações que lhes aturam os seus nobres. O povo, satisfeito de ver assim abatidos esses sátrapas,
sofre com mais resignação o opressor comum e a opressão dividida. Os nobres mordem a trela; mas são demasiado corruptos e
efeminados para poderem quebrá-la. E o tirano, entre uns e outros alternadamente vai distribuindo alguns mimos fingidos de
mistura com muita bofetada: e deste modo vai sustentando e perpetuando a tirania. Não destrói os grandes, senão um a um, e
sempre os mais antigos, para criar outros que, não menos soberbos com o povo, se mostrem para com ele mais submissos e rendidos;
e não os extermina a todos porque os julga (e não se engana) parte essencialíssima da tirania.
[In Alfieri, Tratado da Tirania (Della Tirannide), pp.
119, 121 e 127-128.]
(42)
...dans sa Politique tirée de l'Écriture sainte,
Bossuet rédige non pas un traité du pouvoir royal, mais un manuel de parfait souverain chrétien faisant écho à Louis
XIV selon lequel, pour régner heureusement, [...] ce n'est pas assez de donner ordre aux affaires générales si nous ne
réglons aussi nos propres moeurs. C'est ainsi que le monarque chrétien n'est pas le maitre de l'ordre politique, mais
il en est le régulateur: aussi, pour assurer cette mission, doit-il agir en se subordonnant à son auteur.
[In idem, ibidem, p.
154.]
(43)
Il ne désire que le bien
de ses sujets: si le roi savait, il ferait tout aussitôt disparaitre les injustices et les désordres de son royaume.
Toute Justice, tout Savoir sont ramenés au prince parce que ces activités s'exercent à l'intérieur de son corps symbolique.
Quand un juge prononce une sentence, il est la justice du roi; lorsqu'un auteur compose une oeuvre, c'est un serviteur des
plaisirs du roi; lorsque frappe le bourreau, il devient la main du roi, et les intendants qui surveillent la noblesse de province
se veulent un pur organe d'enregistrement, l'oeil du roi. Aussi le monarque apparait-il comme l'incarnation transitoire d'une
fonction sacrée.
[In Jean-Marie Apostolidès,
Le roi-machine. Spectacle et politique au temps de Louis XIV, pp. 11-12.]
(44)
L'entrée triomphale était
l'un des moyens fondamentaux de révéler au peuple la majesté du roi. Il n'est pas toujours facile aujoud'hui d'apprécier le
choc que devait produire l'apparition solenelle du roi. Nous pouvons comprendre rationnellement la glorification du roi dans
les tableaux, les poèmes et les polémiques qui ont survécu, mais l'émotion que dégageaient les grandes mises en scène solennelles
du passé n'est pas facile à saisir. Or il est incontestable que l'un des aspects vitaux du culte du roi durant la Renaissance était la manifestation de sa personne physique au peuple.
[In Ralph Giesey, Le
roi ne meurt jamais. Les obsèques royales dans la France de la Renaissance, p. 126.]
(45)
La coutume de voir les rois
accompagnés de gardes, de tambours, d'officiers et de toutes les choses qui ploient la machine vers le respect et la terreur
fait que leur visage, quand il est quelquefois seul et sans ses accompagnements imprime dans leurs sujets le respect et la
terreur parce qu'on ne sépare point dans la pensée leurs personnes d'avec leurs suites qu'on y voit d'ordinaire jointes. Et le monde qui ne sait pas que cet effet vient de cette coutume,
croit qu'il vient d'une force naturelle. Et de là
viennent ces mots: le caractère de la divinité est empreint sur son visage, etc.
[In Blaise Pascal, Pensées-Propos attribués a Pascal,
Oeuvres Complètes,p. 503.]
(46)
As precedências possuíam um enorme peso no cerimonial
cortesão, dado constituírem o principal testemunho público da preeminência social dos diferentes titulares e da proeminência
da posição ocupada por cada um deles, num dado momento, na hierarquia da corte, circunstância a que não eram alheias as dilecções
e antipatias do soberano.
Esta luta pela preferência nas precedências trazia
vantagens evidentes para o fortalecimento do poder real, mas também comportava sérios riscos, porque era geradora de frequentes
dissídios e quiproquos difíceis de gerir politicamente. Por essa razão, muitos soberanos, para evitarem conflitos entre os
nobres, recorriam frequentemente ao expediente da dispensa das precedências nas numerosas recepções e festas públicas
promovidas pela casa real.
[Vide Manuel Filipe Canaveira, A sedução dos sentidos.,
in Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nº 8, vol. 2º, pp. 29-30.]
(47)
Jusqu'au XVIIIe siècle, la
promotion reste liée, non exclusivement mais surtout, au service du roi, des princes, en un mot de l'État. Même si le circuit
économique constitue souvent la première étape de l'ascension, c'est l'entrée dans le marché des affaires du roi, de ses services,
et l'acquisition des charges officières - c'est-à-dire des délégations de pouvoir - qui marque la consécration des carrières,
l'élévation des familles, l'accès au prestige social. Au XVIIIe siècle, un glissement de grande importance se produit. Certes
le service du roi, comme agent moteur de promotion, ne disparait pas. Mais d'autres filières deviennent également importantes,
plus qu'elles ne l'avaient jamais été.
In Gui Chaussinand-Nogaret,
De l'aristocratie aux élites, in Histoire des élites en France du XVIe au XXe siècle, p. 253.]
(48)
Marie Du Bois, camareiro da corte durante a regência de Ana
de Áustria, narra nas suas memórias a forma submissa como rogou à regente Ana de Áustria e ao cardeal Mazarino, a concessão
de uma patente militar para um seu enteado e o direito de o filho primogénito, à data da sua retirada ou morte, lhe poder
suceder no exercício das funções que desempenhava no palácio [Ver Anexo 2].
Nas alegações apresentadas por Marie Du Bois à rainha para
abonar as suas pretensões, o cortesão lembra que dois dos seus familiares mais próximos tinham combatido e perecido em defesa
do reino. Para os nobres do Antigo Regime, a condição de bellatores - noblesse d'épée - justificava só por si
todos os seus privilégios nobiliárquicos, além de lhes conferir o direito de exigirem da coroa o devido galardão pelas façanhas
cometidas nos campos de batalha:
En effet, les revendications du second ordre [a nobreza], par exemple au moment de la
Fronde, entre 1648 et 1652, s'expliquent avant tout par le troc que les nobles pratiquent alors avec
le roi: se battre pour lui et son État, cela signifie que la dépense de soi doit être récompensée; l'économie des échanges
symboliques dans l'ordre aristocratique fait de la mort au combat, pour la cause du prince, une monnaie que le roi a pour
charge de gérer dans l'organisation et la distribution des pouvoirs, des honneurs, des pensions, au risque de devoir faire
face à une révolte jugée légitime, et voir alterer son crédit en cas de non-respect de ce contrat non écrit mais scellé
par le sang, dans la violence des combats.
[In Joel Cornette, A
bas l'État Absolu!, p. 33.]
(49)
É precisamente isso que se declara no início de uma carta de
nobreza assinada por Luís XV em 1746:
Louis...
De tous les titres d'honneur que dispense l'autorité souveraine,
il n'en est pas de plus précieux que la noblesse; aussi les Rois, nos prédécesseurs, ont-ils voulu qu'elle fut le prix des
talents supérieurs et des services qui intéressent l'Etat; attentif, comme eux, à maintenir les droits de notre couronne;
nous nous portons d'autant plus volontiers à suivre cet exemple qu'en illustrant le mérite par un titre à jamais durable,
nous proposons à tous nos sujets une récompense capable de transmettre l'émulation jusques à la postérité la plus recullée.
[In Alain Texier, Qu'est-ce que la noblesse?, p. 152.]
(50)
Certes, le but financier de l'anoblissement par lettres
est souvent manifeste, mais il n'est pas pour autant exclusif, comme en témoigne l'élévation à la noblesse par cette voie
de grands serviteurs de la monarchie dans tous les domaines d'activité: militaires, savants, médecins, fonctions judiciaires
ou financières diverses... [em França estes nobilitados eram designados de "noblesse
de robe"]. Il faut citer nottamment un arrêt du Conseil du 30 octobre 1767 concernant les négociants. Reconnaissant
en eux les éléments moteurs de l'activité économique, le roi décida: d'accorder chaque année deux lettres particulières
d'anoblissement à ceux qui se seront distingués dans leur profession
[In idem, ibidem, p. 58.]
É indubitável que desde o reinado de Luís XIV, a iniciativa
dos reis franceses de premiarem os "méritos" de alguns vassalos endinheirados coincidia, quase sempre, com a imperiosa necessidade
de resolver os frequentes desequilíbrios financeiros da monarquia absoluta:
Dès lors, le renouvellement
de la noblesse fut étroitement contrôlé par le pouvoir royal, et ce jusqu'à la fin de l'Ancien Regime. Chaque anoblissement
était en effet l'occasion d'obtenir de l'argent. En 1696, lorsque Louis XIV décida d'anoblir d'un coup cinq cents personnes,
il précisa certes qu'elles seraient choisies parmi ceux qui se sont le plus distingués par leurs mérites, vertus et bonnes
qualités; mais ses lettres furent vendues pour soulager le Trésor, en cette fin de la guerre de la ligue d'Augsbourg (1686-1697).
En mai 1702, l'opération fut d'ailleurs renouvelée
pour aider au financement de la guerre de Succession d'Espagne (1701-1714).
Au cours du XVIIIe siècle,
cinq à six mille familles les plus riches du royaume purent s'anoblir, la plupart en achetant un office; mais les négociants,
les médecins ou les artistes furent de plus en plus nombreux à bénéficier d'une lettre d'anoblissement.
[In Laurent Bourquin,
Qu'est-ce que la noblesse?, pp. 29-30.]
(51)
Les occasions d'imposer
le versement d'un droit de confirmation étaient variées: par un édit de janvier 1598, Henri IV ordonne que tous les anoblissements
accordés depuis 20 ans par lui-même et par son prédécesseur depuis 1578 seront révoqués sans mentionner aucune possibilité
de racheter sa noblesse. Il fallut attendre l'édit de mars 1606 pour pouvoir effacer les effets de la révocation, moyennant
finances. Le règne de Louis XIII offre en 1640 un exemple rare d'une révocation d'anoblissements obtenus moyennant finances
sans possibilité de rétablissement par paiement d'une somme d'argent. En décembre 1699, Louis XIV veut bien confirmer toutes
les lettres de noblesse, confirmations et réhabilitations accordées par les rois d'Espagne, les archiducs et gouvernents des
Pays-Bas, dans les provinces d'Artois, Flandres et Haynaut depuis 1600 à la charge par ceux qui ont obtenu lesdites lettres
ou leurs descendants de payer...une légère finance. Cet exemple n'est pas absolument identique aux précédents,
ici l'exigence financière à sa contrepartie, les anoblis par lettres ne l'avaient pas été par un roi de France. En 1715 annulation
des anoblissements conférés depuis 1696 et confirmation moyennant le versement de 6000 livres. En septembre 1723, le roi Louis
XV impose à son tour une taxe à payer dans les trois mois.
[In Alain Texier, Qu'est-ce
que la noblesse?, pp. 60-61.]
(52)
L'anoblissement par
charge a représenté 80% des accessions à la noblesse à la fin de l'Ancien Régime.
[...]
Depuis 1665, plusieurs
textes se sont opposés à l'augmentation de la valeur officielle de la finance par traité volontaire pour ne pas supprimer
toute possibilité de selection au merite et à la vertu.
[...]
La situation souvent difficile
des finances royales entraina la multiplication des charges. On en comptait plus de 46000 en 1665. A la fin de l'Ancien Régime, 4160 de ces offices donnaient la noblesse dès
réception dans la juridiction, la chancellerie ou la municipalité, soit à titre héréditaire, soit à titre personnel selon
le cas.
[In idem, ibidem, pp. 42 e 47.]
(53)
L'anoblissement
par lettres providence du pouvoir royal.
Là encore, la remarque apparait d'évidence. L'anoblissement par lettres est bien une providence pour le trésor royal. Il n'y
a pas que cela, pense le vicomte de Marsay lorsqu'il accuse les souverains usant et abusant de cette technique d'anoblissement
de déprécier et d'affaiblir en la vulgarisant une caste souvent hostile. L'argument ne peut être retenu, la moyenne
des lettres de noblesse conférées au XVIIIe n'est que de 11 par an. Quelques lignes plus loin, le même auteur de L'âge
des privilèges au temps des vanités se place cette fois du côté des roturiers anoblis à qui il prête de la reconnaissance
envers ceux à qui ils doivent tout. Ce faisant, les rois préparent et favorisent la fusion d'éléments hétérogènes
qui aboutira, non à l'unification des classes mais à l'abaissement de la plus forte et à sa soumission désormais absolue au
pouvoir royal.
Il n'est certes pas
possible d'exclure que des marques de reconnaissance aillent jusqu'à la servilité mais ce ne devrait pas être la pente naturelle.
Une fois anoblis, qu'avaient les promus à craindre? N'avaient-ils pas enfin la certitude de posséder - sous réserve des confirmations
cycliques - ce qu'ils avaient souhaité? Dès lors, loin de conduire les anoblis par lettres à la passivité, les lettres de
noblesse ont plutôt du engendrer la sérénité et une relative indépendance d'esprit à l'égard du pouvoir royal.
[In idem, ibidem, pp. 62-63.]
O risco de o poder real ficar prisioneiro dos interesses da
burguesia nobilitada, como afirmavam os nobres de linhagem, nunca foi muito grande porque os privilégios outorgados estiveram
sempre dependentes de múltiplas confirmações reais [ver nota seguinte]. No entanto, essa possibilidade não era totalmente
infundada, pois, conforme reconhece em 1876 o historiador Hippolyte Taine, o crescente endividamento estatal na última fase
do Antigo Regime em França, contribuiu para condicionar o poder de decisão da coroa em matéria de politica económica:
Par cet accroissement de son action et par cet emprunt de
capitaux, il devient le débiteur universel [refere-se ao Estado]; dès lors
les affaires publiques ne sont plus seulement les affaires du roi. Ses créanciers s'inquiètent de ses dépenses, car c'est leur argent qu'il gaspille; s'il gère mal, ils seront ruinés.
Ils voudraient bien connaitre son budget, vérifier ses livres: un prêteur a toujours le droit de surveiller son gage. Voilá
donc le bourgeois qui relève la tête et qui commence à considerer de près la grande machine dont le jeu, dérobé à tous les
regards vulgaires, était jusqu'ici un secret d'État.
[In Hippolyte Taine, Les
origines de la France contemporaine, vol. 1º, p. 230.]
(54)
C'est tout d'abord
le principe même de la vénalité des charges, de leur hérédité, de leur cession accompagnée de la noblesse qui se pratiquait
en toute liberté, dit-on. Cette première critique n'est pas entièrement fondée car, on va le rappeler, le roi était le maitre
absolu de la délivrance des provisions qui, seules, donnaient la noblesse après enquêtes et réception dans une cour ou dans
une chancellerie. Il délivrait ces provisions à celui qui avait acquis la finance, ou à
celui qui avait l'autorisation du propriétaire de se faire pourvoir. Au préalable, le candidat remettait l'acte de résignation du démissionnaire avec le nom en blanc, au trésorier des revenus
casuels et pendant huit jours le roi se réservait de nommer un autre postulant. Ce délai écoulé sans nomination, la procédure
continuait conformément à l'accord des parties. C'est à ce stade du processus de cession que de temps en temps, le roi voulait
bien retenir une charge de secrétaire du roi pour en délivrer les provisions à un sujet auquel il voulait marquer sa satisfaction
ou accorder une récompense sous cette forme. On ne saurait trop répéter que la vénalité des charges s'arrêtait à la finance,
créance sur le roi, négociable et hypothécable. C'est une des raisons pour lesquelles un officier n'était pas toujours
propriétaire de tout ou partie de la finance de la charge qu'il exerçait.
[In Alain Texier, Qu'est-ce que la noblesse?, pp. 54-55.]
(55)
O Parlamento de Paris, confrontado com a proposta de supressão
dos corpos dos juízes (apresentado pelo ministro das finanças - Turgot - em 12 de Março de 1776), recordou de imediato a Luís
XVI que a aprovação desta iniciativa legislativa provocaria o desmoronamento das corporações e, consequentemente, significaria
a destruição pura e simples da monarquia. Para o demonstrarem, os parlamentares citavam na representação que enviaram ao rei
uma passagem de um discurso do chanceler Séguier, onde se encarecia e explicava a função dos corpos e comunidades na sociedade
francesa do Antigo Regime:
Todos os vossos súbditos, Senhor, estão divididos em tantos
corpos diferentes quantos os estados diferentes que há no reino. O clero, a nobreza, as cortes soberanas, os tribunais inferiores,
os oficiais ligados a estes tribunais, as universidades, as academias, as companhias de finanças, as companhias de comércio,
tudo apresenta, em todas as partes do estado, corpos existentes que podem ser encarados como elos de uma grande cadeia, estando
o primeiro nas mãos de Sua Majestade como chefe e soberano administrador de tudo o que constitui o corpo da nação.
[Citado por Jacques Revel, A Invenção da Sociedade,
p. 185.]
A eliminação de um "elos" significava para os parlamentares
parisienses a quebra da "cadeia" social, conquanto existisse na representação enviada a Luís XVI o reconhecimento tácito de
que assistia ao rei, na sua qualidade de elo inicial dessa corrente, o direito de o fazer, cabendo-lhes no entanto a eles
o dever de o alertar para a gravidade de semelhante decisão.
Os conselheiros reformistas de Luís XVI, por seu turno, também
aceitavam o princípio de que só poder real podia tomar a resolução de empreender uma reforma estrutural das instituições absolutistas,
embora não compartilhassem, obviamente, das teses catastrofistas do Parlamento de Paris.
[Vide idem, ibidem, p. 192.]
(56)
In Jaime Cortesão, Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid,
citado por Joel Serrão, Da Regeneração à República, p. 13.
(57)
O Estado sou eu
dizia Luís XIV, e dizia mal; porém na mais limitada monarquia o rei pode com exacção dizer: O Estado está em mim; porque
ele e o Estado são uma só entidade, porque os interesses do soberano e da república são inseparáveis e em comum.
[In Almeida Garrett, Da educação. Cartas dirigidas a uma
senhora ilustre encarregada da instituição de uma jovem princesa, in Obras Completas, vol. 3º, p. 291.]
Parece-nos evidente que estas frases de Almeida Garrett se
inspiram numa afirmação produzida pelo escritor seiscentista La Bruyère
em Les Caractères (1688):
26 (VII) Tout prospère
dans une monarchie où l'on confond les interêts de l'État avec ceux du prince.
[In La Bruyère, Les Caractères ou les moeurs de ce siècle, p. 219.]
A sentença de La
Bruyère e a afirmação de Garrett são secundadas pela historiografia actual, que considera a assimilação do
estado na pessoa do rei, enquanto instituição, o principal alicerce ideológico do absolutismo:
Si quelque souverain absolu vient à énoncer un jour: l'État,
c'est moi, ce n'est point qu'il identifie indument - despotiquement, dira-t-on -, ce qui lui appartient à titre de personne
privée et ce qui constitue le domaine public inaliénable, mais c'est parce que, à titre de souverain précisément et par la
pour ainsi dire dépersonnalisé et comme revêtu d'une figure seconde, la personne royale justement, il incarne ou présentifie
hic et nunc la lignée royale, celle qui donne son être à l'État, le constitue comme entité publique poursuivant une
fin propre (le bien commun) et en assure le statut. En 1610, dans son libelle, La défense des puissances de la terre contre Mariana, Antoine Le Clerc notait par exemple:
Les particuliers ne sont pas l'estat, ains subjects à l'estat mais le Prince est lui seul l'estat; d'autant pour faire
un Royaume il faut un Roy... en lui seul consiste l'estat de son Royaume. Celui qui peut dire légitimement L'Etat,
c'est moi, ce n'est point tel ou tel, Louis XIV par exemple, mais le Roi, au sens où l'on peut affirmer de lui
qu'il ne meurt jamais, au sens où l'identité essentielle du père et du fils droit assurer à la Republique, comme le redira encore Bodin, son indispensable perpétuité.
[In Jean-François Courtine,
L'héritage scolastique dans la problématique théologico-politique de l'âge classique, in L’état barroque.
Regards sur la pensée politique de la France du premier XVIIe
siècle, p. 93.]
(58)
Que coisa é a sociedade, senão uma grande máquina, de que
ainda as menores partes devem jogar com proporção, para que resulte o regular movimento de todos? O mancebo robusto deve sustentar
no campo o peso das armas, oferecer o braço, e peito às cruezas da guerra, enquanto o filósofo tranquilo no gabinete investiga
os mais suaves meios de lhe curar as feridas: o lavrador, a quem as armas intimidam, revolvendo a terra pacífico, prepara
nos saudáveis frutos o sustento dos seus compatriotas: o mercador afoito, cruzando os mares, transporta os géneros para o
abrigo dos defendidos muros: vigia o político sobre os interesses, e regulamentos do estado: as artes, que se nutrem no seio
da paz, imortalizando nos bronzes, e nos pergaminhos as façanhas singulares, estimulam o valor e o brio dos que aspiram a
sobreviver o termo comum de outros homens, e enquanto o ancião carregado com o peso dos anos passa o semi-vivo resto dos seus
dias, a cargo daqueles, em cujo serviço gastara a melhor porção da sua vida, num irrepreensível ócio está dando um testemunho
do agradecimento que deveu à pátria, e convidando o vigoroso filho, e tenro neto a gostar como ele, no fim de uma carreira
honrada, a mesma gloriosa tranquilidade. A escolha, com que se distribuem os talentos próprios para estes ministérios, a actividade
com que se exercitam, é principal objecto do poder supremo, e o cunho com que se marca a felicidade dos povos.
Tornou o príncipe as rédeas do governo; lançou os olhos
pelo extenso corpo da monarquia, examinou as suas diversas partes; e como artífice perito, que reconhece, e vê de um golpe
as belezas, e os defeitos de qualquer obra, aplicou-se a reparar os desgastes, que o abuso tinha feito numas, a conservar
outras no mesmo plano; e reformar o todo sem alterar, ou inverter a direcção total. Pesou os génios, as opiniões, e os talentos,
e passando-os pelo exame de uma experiência rigorosa elegeu poucos ministros para o conselho; muitos para os tribunais; e
como quando o rei cultiva não há idade estéril de espíritos sublimes, reluziram os talentos, brilharam os génios, cujos nomes
na sucessão dos séculos farão o elogio da presente idade.
[In Francisco Maria de Andrade Corvo de Camões e Neto, Ao
muito alto, muito poderoso, e fidelíssimo rei D. José primeiro nosso senhor, fls. 188v-189.]
(59)
A sujeição dos nobres portugueses à boa vontade dos monarcas
aparece bem visível neste excerto do diário do conde da Ericeira:
A 17 às nove horas da noite morreu o Marquês de Angeja [na Gazeta de Lisboa de 19 de Julho de 1731 diz-se que foi a 16], e ainda na manhã
do mesmo dia teve acordo para repetir os actos, que sem falar acrescentaram os indícios da sua predestinação; na manhã seguinte
o enterraram em S. João da Praça com ofício rezado
por clérigos pobres, e assistência de poucos fidalgos, porque se não soube, nem tomam visitas os oito enojados, El-Rei lhe
deferiu na véspera com tudo o que pedia que era uma vida mais no título de marquês, e o de conde para seu neto, e para o mesmo
os bens de quem lhe deu El-Rei vida em uma comenda grande que a não tinha, e ficando os serviços do novo marquês D. António
em seu vigor, a casa perde cinco mil cruzados de prestimónios do Senhor Infante D. Francisco, e quatro devedor da fazenda.
[In D. Francisco Xavier de Meneses, Diário de D. Francisco
Xavier de Meneses, 4º conde da Ericeira (1731-1733), p. 52.]
Menos dependentes da liberalidade régia estavam, evidentemente,
os burgueses. No dia anterior ao óbito do marquês de Angeja falecera um simples plebeu detentor de uma avultada fortuna, que
não teve necessidade de pedir qualquer mercê a D. João V:
No dia antecedente morreu Feliz Machado, dizem que deixou
dinheiro, que se não supunha, sua mulher no dia de antes foi para sua casa, onde já assistiam seu filho, e nora, foi a enterrar
a Xabregas.
[In idem, ibidem, p. 52.]
No reinado de D. João V, contudo, vários comerciantes lisboetas
mais abastados, almejando a nobilitação, procuraram introduzir os seus descendentes no paço e colocá-los ao serviço do rei.
Esta ambição burguesa era naturalmente repelida pela nobreza cortesã, como se constata na censura feita ao Magnânimo
por ter admitido para as funções de guarda-roupa pessoas indignas pelas suas qualidades; ou seja, dois plebeus pelos
seus bens metidos a nobres embora fossem netos de um cordoeiro e de um espadeiro [Ver Anexo 23, folha 5].
Apesar de nunca ter procurado rebaixar a preeminência dos Grandes
(por essa razão foi sempre generoso para com os nobres em dificuldades económicas), desde que se mantivessem submissos perante
o trono, D. João V jamais tolerou a rebeldia nobiliárquica e preferiu nomear para as tarefas de governo pessoas conhecidas
pelo seu mérito e não por pertencerem à alta nobreza.
[ Vide
Jorge Couto, "D. João V", in História de Portugal - Portugal absolutista, vol. 7º, pp. 258-259.]
(60)
Num documento datado de 1768 contendo as determinações ordenadas
em 1768 por D. José I para serem observadas nos aposentos do seu neto - D. José, Príncipe da Beira -, existe uma passagem
onde se reputa inquestionável a obrigação de os reis jamais permitirem aos nobres a postergação das suas prerrogativas majestáticas.
Evocando a execução do Duque de Bragança ordenada por D. João II, após uma sucinta explicação dos motivos que levaram o soberano
quatrocentista a tomar essa decisão extrema, adverte-se o jovem príncipe para a necessidade de ele seguir o bom exemplo do
seu avô D. José I, cerceando desde o início do seu reinado as excessivas pretensões dos cortesãos.
[Vide Cópia da instrução, e ordens que Sua Majestade foi
servido dar para se observarem no quarto do príncipe nosso senhor (7 de Dezembro de 1768), in Frei Manuel do Cenáculo,
Diário, pasta 1 (1766-1780), fls.234 e 234v.]
Não deixa de ser deveras esclarecedor que este trecho da cópia
manuscrita inclusa no Diário de Frei Manuel do Cenáculo existente na Biblioteca Pública de Évora [Ver Anexo 21-A],
seja pura e simplesmente elidido numa outra transcrição do documento, provavelmente mais tardia (talvez executada durante
a regência do príncipe D. João), existente no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro [Ver Anexo 21-B].
(61)
Em 1761, dezasseis anos antes da subida ao trono de D. Maria
I, Frei Inácio de S. Caetano (na altura era já o confessor da Princesa do Brasil) proclamava no púlpito que todos os vassalos
são filhos do mesmo rei, não podendo haver entre eles no ser de vassalos distinção alguma mais, que os merecimentos,
com que se fazem dignos da preferência ou do desprezo.
Esta quase igualitarização dos súbditos parante o monarca,
significa que todos estão obrigados, sem excepção, a observar as leis da monarquia, não sendo lícito a ninguém invocar os
seus privilégios para se eximir ao seu cumprimento.
[Vide Fr. Inácio de S. Caetano, Portugal agradecido,
pp. 18-19.]
(62)
Na Biblioteca da Ajuda existe um manuscrito anónimo dedicado
a D. Maria I, que critica a alta nobreza por estar interessada em legitimar o príncipio da origem popular da monarquia para
poder questionar a preeminência institucional do poder régio:
Quando se hão-de persuadir muitos homens das quiméricas,
e extravagantes ideias com que têm ofuscado os seus juízos de que o poder que os soberanos têm lhe provém dos povos, e que
destes mesmos povos alguns de nenhum modo lhes estão sujeitos? Péssimo ajuizar! Indigna condição de homens! Que esquecidos
da razão, da verdade, e da história cegamente se alucinam, e alucinam aos outros. Bárbaro atentado! De que desordens não é
fonte este sistema!
[...]
Em que país vivemos, ó homens amotinados! Quem são os nossos
irmãos? Que religião temos? Que qualidade de governo é o nosso? Quais foram as ideias, e os sistemas dos nossos maiores? Acaso
nos obscuros tempos de Portugal, ouviu-se os nossos Grandes do reino, os nossos fidalgos não foram sempre os primeiros em
se mostrarem sujeitos aos nossos soberanos; não foram os primeiros em pagarem tributos, em os defenderem, e em receberem com
humilhação castigos?
[...]
Quando me ponho a considerar em que ainda entre nós, nos
fins do século 18 surgem tão bárbaras, diabólicas, e ignorantes opiniões, eu me confundo, e pasmo de quanto os homens em lugar
de se iluminarem, e polirem, se abusam e precipitam! ó tempo! ó costumes! É bem certo que costumes maus, e que de favorecerem
a liberdade lavram mais fogo, e pegam como em seco mato a voraz chama.
[In Discurso em que se demonstra que o Poder dos Reis não
depende dos Povos, e mormente o dos Senhores Reis de Portugal, fls. 1-1v]
Durante a regência de D. João continuaram as denúncias anónimas
para incitar o poder real a não se deixar intimidar pela suposta ou declarada rebeldia dos nobres. Numa missiva endereçada
em 1802 ao Cardeal-Patriarca de Lisboa (D. Francisco José de Mendonça), prontamente enviada por este prelado ao Príncipe-Regente,
constata-se que existia o pânico de estar em preparação uma conjura nobiliárquica:
O Marquês de Alorna tem projectado um plano para reunir
em um só corpo parte da nobreza, que juntando-se em dias certos numa casa destinada para isso tenha sessões regulares em que
além da eleição de directores que hajam de correr com as despesas anuais e da escolha, e aprovação dos que houverem de ser
admitidos à sociedade (para a qual é um título de exclusão o não ser da primeira nobreza) se leiam os papéis públicos, e se
tratem objectos políticos.
O fim aparente deste clube aristocrático, que ilude aos
que se procuram para entrar nele é a reunião da fidalguia portuguesa dividida em partidos; porém o motivo secreto porque seu
instituidor o concebeu é bem diferente.
O espírito perverso que fez cúmplice o horroroso, e sacrílego
atentado cometido contra o Senhor Rei D. José ao avô do marquês de Alorna renasce neste moço imprudente, e ímpio; a lembrança
da execução com que a justiça daquele monarca rectíssimo deu ao seu povo a satisfação pública dos infames crimes de seus parentes,
mas que ele considera como crueldade, e tirania, desperta em seu coração o desejo de vingança, e a soberba com que olhando
como igual a casa de Bragança, repugna dobrar o joelho ao seu príncipe, faz conceber-lhe o intento de destroná-la.
[Citado por Ångelo Pereira, D. João VI príncipe e rei. ûltimos
anos dum reinado tormentoso, vol. 4º, p. 19.]
O patriarca de Lisboa, siderado com semelhantes acusações,
escreveu ao Marquês de Alorna para o persuadir a desistir do seu projecto sedicioso, obtendo do fidalgo a seguinte resposta
em 17 de Novembro de 1802:
Com efeito trata-se de restabelecer as casas da conversação
que houve sempre na nobreza, e de fomentar nelas a amizade que é natural que haja entre parentes e os sentimentos de lealdade,
prontidão, e brio que se devem encontrar em gente de qualidade e que se acham talvez diminuídas em razão da separação em que
nos achamos.
Não sei se V. Eminência ignora, que o Marquês de Loulé é
que nos mostrou a necessidade de velar sobre os nossos filhos e sobrinhos - é doloroso dar notícias deste género a uma pessoa
como V. Eminência, que tanto peso sabe dar, a faltas de dignidade e aos erros de sentimentos, mas é mais doloroso para toda
a gente de bem, muito principalmente para mim que me criei na Casa de Vale de Rei e ver essa mesma casa, santuário de dignidade,
de brio e amabilidade, trocada em lojas de franc-maçonaria.
[...]
A primeira diligência que se fez foi dar conta ao príncipe
meu senhor, e pedir-lhe que a mesma protecção que el-rei da Prússia deu a Voltaire, a D'Alembert e outros destruidores do
trono, e do altar Sua Alteza Real a concedesse aos que se juntavam para professar inviolavelmente Deus - Rei - e honra
S.A.R. não só aprovou mas até teve a bondade de agradecer estes sentimentos - para nos certificarmos ainda mais do seu beneplácito,
tornou-se a fazer a S.A.R. a mesma proposição, e tornou S.A.R, segunda vez a abençoar a nossa assembleia - Portanto esta carta
que é segredo como V. Eminência julgará se tem motivos para ser a favor ou contra, e se deve entrar pessoalmente, ou se julga
melhor ficar de fora.
[Citado por idem, ibidem, vol. 4º, p. 20.]
(63)
O autor deste manuscrito começa por defender que a nobreza
se deve opor à vileza e possuir duas qualidades; a saber: sabedoria e nobreza. O nobre de antiga linhagem merece, por isso
mesmo, ser mais estimado do que o de fresca data, porque se purificou em repetidas acções de heroísmo.
A conservação da nobreza é, nesta conformidade, imprescindível
em todos os reinos e, por esse facto, os reis precisam de conhecer todos os seus vassalos nobres, em particular os ilustres
e grandes que moram perto da corte, pois existem muitos outros espalhados pelo reino que será difícil aos monarcas contactarem-nos
directamente. Por esse motivo, os príncipes deveriam mandar fazer um mapa de todas as famílias do seu reino que gozassem
nobreza, para se saber quais os títulos verdadeiramente reconhecidos, evitando-se assim os costumados abusos.
O redactor deste manuscrito exorta o regente D. João a nobilitar
todos os que pelas suas virtudes adquiriram a estimação geral, porque a nobreza não nasce só da continuidade da riqueza,
mas aconselha o príncipe a não se julgar detentor do poder de mudar-lhes de repente a condição abjecta (se a têm) da natureza,
ou do sangue que lhes circula nas veias. Para se constituírem verdadeiramente nobres só tem forças o tempo e a continuação
de algumas acções honradas. Na verdade, em sua opinião, só os nobres de antiga linhagem estão habilitados, pelos seus
dons e virtudes, a coadjuvar o rei na administração do reino: Livre-se V.A.R. Senhor, de consentir homens semelhantes
[refere-se aos "sem qualidade"] em lugares autorizados: e menos encarregá-los de governo...
[Vide Apontamentos políticos que com observação, estudo,
e experiência..., fls. 24, 25v, 29v, 30v e 32v.]
Este texto pró-nobiliárquico, declaradamente crítico da nomeação
de recém-nobilitados para altos cargos na corte, reconhece, ainda assim, que só a primazia do poder real pode evitar a completa
desautorização política da alta nobreza:
Livre-se, Senhor, por quem é dado consentimento a semelhantes
propostas. Lembre-se que os príncipes soberanos nunca se devem considerar por coisa alguma dependentes da vontade dos vassalos,
para duvidar, que eles hajam de concorrer para remir as necessidades do estado e conservação do reino em que nasceram.
[In idem, fl. 35.]
Esta asserção dirige-se em particular aos burgueses endinheirados
que, tal como sucedia em França no século XVIII, beneficiavam dos crónicos apertos financeiros da casa real, dispondo-se a
aliviar os défices públicos em troca da obtenção de funções governativas e de títulos de nobreza [ver nota 53].
Em suma, a posição da alta nobreza portuguesa setecentista
era a de aconselhar o rei a usar com extrema moderação o direito de conceder novos títulos nobiliárquicos (o melhor era evitar
fazê-lo), mostrando-se deste modo defensora de uma tradição que remonta ao século XVI, como podemos observar no quinquagésimo
sexto capítulo do Libro primero del espejo del principe cristiano de Francisco de Monzón (1571), embora na centúria
de quinhentos a principal preocupação não fosse controlar os recém-nobilitados, mas sim refrear as ambições de promoção social
e o poder económico da nobreza de linhagem:
Tanto D. Manuel I como D. João III apenas permitiram a existência
em Portugal de duas casas nobres de dimensão e recursos extraordinariamente avultados: a do duque de Bragança e a de D. Jorge;
uma terceira poderia criar desequilíbrios em desfavor do Estado. As proverbiais dificuldades financeiras de D. Pedro de Meneses,
tradicionalmente relacionadas com os gastos da embaixada que, em 1526, conduziu a Sevilha a futura imperatriz D. Isabel, têm,
no quadro que elaborámos, explicação cabal. O sonho da casa de Vila Real de ver-se transformada em ducado apenas será concretizado
em 1585 por mercê de Filipe I, e D. Pedro, sem o apoio de D. João III, pagou à sua custa a preocupação social de querer parecer
tão poderoso como os duques D. Jaime e D. Jorge.
[In João Cordeiro Pereira, A renda de uma grande casa senhorial
de quinhentos, pp. 802-803.]
(64)
António de Araújo e Azevedo (1754-1817) foi um bom exemplo
da burguesia portuguesa ilustrada que ambicionava desempenhar altos cargos públicos.
Entusiasta dos estudos matemáticos e históricos, Araújo e Azevedo
fundou no ano de 1779 em Ponte de Lima, localidade onde nascera, a Sociedade Económica dos Amigos do Bem Público, associação
que previa vastos melhoramentos daquela região minhota, nomeadamente a navegabilidade do rio Lima. O prestígio de que disfrutava
nos meios intelectuais lisboetas era indiscutível, tendo-se tornado amigo dos académicos Abade Correia da Serra e Duque de
Lafões, devendo a este último o ingresso na carreira diplomática. A sua presença na legação portuguesa de Haia foi prestigiada
pela habilidade com que conduziu as negociações com o Directório e firmou o tratado de paz luso-francês de 1797, cujo clausulado
só não foi implementado porque D. Rodrigo de Sousa Coutinho, adversário de Araújo de Azevedo, tudo fez para que o Príncipe-Regente
não o assinasse.
Apesar deste desaire, D. João prezava as qualidades de diplomata
de Araújo de Azevedo, tendo-o nomeado em 1804 ministro dos Estrangeiros e da Guerra, de onde passaria, dois anos depois, para
a pasta do Reino. Em 1808, instalada a corte no Rio de Janeiro, o regente nomeou novo executivo e Araújo de Azevedo não foi
convidado a integrá-lo, voltando de novo à política activa em 1814, altura em que sobraçou a pasta da Marinha.
Pouco antes do seu falecimento (Dezembro de 1815), D. João
agraciou-o com o título de Conde da Barca.
[Vide Nobreza de Portugal e do Brasil, vol. 2º, pp.
373-375.]
(65)
A paz geral da Europa traz consigo o sossego das armas;
mas as questões que os sediciosos excitaram, não se decidiram, os males políticos que causaram não se remediaram, e hão-de
produzir uma crise violenta, se os Reis e os Grandes não derem as mãos para dissipar este fermento fatal da dissolução das
Monarquias. Falar aos Príncipes verdade é tão rigorosa obrigação, que em quase todos os Códigos se encontra a pena de morte
para os que mentem ao seu Rei. Eu bem sei, Senhor, que esta verdade se requer no Vassalo quando é consultado, mas quando as
circunstâncias apertam, quando um verdadeiro zelo fala, não há razão para recear falta de respeito, porque a Grandeza do Reino
não pode manter as suas distinções e fortunas se não tratar com escrupuloso acatamento o Autor da Ordem Política, que é o
Soberano. Esta preciosa liga do Príncipe e dos seus Magnates, esta dependência mútua dos Reis e seus imediatos é um terrível
obstáculo para os malvados, que pretendem de salto conseguir as honras, sem o trabalho de as merecer; e não querendo subir
às hierarquias superiores pelo antigo preço de nossos bons maiores, intentaram fazer um perigoso cisma entre os Reis e os
primeiros súbditos. Este cisma foi introduzido com muita arte, e este artifício deve descobrir-se ao Pai comum da Nação para
que não lavrem entre nós os males que incendiaram a Europa, e abalaram quase todos os tronos. Eis aqui, meu Senhor, o que
obrigou a escrever este papel cheio de lealdade, de respeito, e de amor ao meu Soberano, que por fortuna nossa não tem nenhum
vício, é cheio de Virtudes Reais, e passa a maior parte da sua vida no laborioso exercício do seu Augusto Ministério."
[In Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses (3º marquês de
Penalva), Carta de um vassalo nobre ao seu rei, in O Investigador Português em Inglaterra, 1814, vol. 9º, pp.
685-686.]
(66)
Tem-se feito publica uma carta do marquês de Penalva, Grande
de Portugal, à S.A.R. o Príncipe Regente, que tem por fito o advertir este Príncipe virtuoso do perigo que corre a sua pessoa
e o seu Reino de elevar aos grandes empregos do Estado pessoas que não sejam da primeira nobreza. Esta carta, escrita na verdade
com as palavras mais hipócritas, não é senão um libelo insultante para a pessoa do Príncipe, para suas luzes e virtudes. O
autor mostra estar persuadido da insuficiência do discernimento do Príncipe para escolher as pessoas que devem entrar na sua
privança e conselho. Esta carta manifesta todo esse orgulho que forma a base das qualidades primitivas de uma grande parte
da alta nobreza Portuguesa. A pena do autor, tão mesquinha em política quanto pouco sensata e prudente, qualidades que deve
ter todo o homem de Estado, todo o Juiz recto todo o conselheiro imparcial, e todo o bom escritor, parece que também adoptou
todos os princípios contrários e destruidores da sociedade civil, e os mais funestos à segurança da Pátria como a segurança
do Soberano. As suas perniciosas doutrinas, disfarçadas com um zelo aparente pelo bem do Estado, e do Soberano só tendem a
produzir os efeitos contrários: a inveja que as sugeriu, atribuindo só ao nascimento o direito de ocupar as altas dignidades
do Estado, sufoca toda a emulação de uma classe distinta, e a mais numerosa do Estado, que sempre pelos seus puros sentimentos
foi o apoio do Príncipe e da Pátria, e ao mesmo tempo desanima o seu zelo e os desejos de distinguir-se pelas letras e pelas
armas, e todas as mais virtudes civis.
[In António de Araújo de Azevedo (1º conde da Barca), Resposta
à carta do marquês de Penalva, por um português amigo do seu soberano, in O Investigador Português em Inglaterra,
1814, vol. 9º, pp. 690-691.]
(67)
Se os Grandes, saindo da circunferência, se aproximassem
demasiadamente do Monarca, nós veríamos então a ordem social usurpada por uma única classe, e as outras duas andariam sempre
mui afastadas do centro sem esperança de poderem ser vistas ou premiadas pelo pai comum da Pátria. Acabar-se-ia por consequência
toda a emulação, e toda a esperança de conseguir as altas recompensas do Estado, e as duas últimas classes apenas seriam consideradas
como escravos pertencentes ao domínio dos Grandes; sim a familiaridade e a benevolência particular do Soberano seriam somente
para aqueles que estivessem mais perto dele, ou que já o tinham estado dos Soberanos seus antecessores, e a sua equidade e
a sua justiça nunca poderiam ser imparciais. O sol, que ilumina o mundo, o vivifica também igualmente com os seus raios, e
não priva parte alguma da terra da sua influência celeste.
Desta comparação podemos logo concluir que os Soberanos
devem sempre estar em igual relação com os seus vassalos, sem liberalizar mais favores a uns do que a outros; porque a existência
civil e política de um Estado Monárquico deve estar fundada na igual protecção do merecimento, em qualquer das classes em
que ele se encontre."
[In António de Araújo de Azevedo (1º conde da Barca), Resposta
à carta do marquês de Penalva, por um português amigo do seu soberano, in ibidem, p. 692.]
Numa segunda carta, publicada no mesmo ano noutro exemplar
de O Investigador Português em Inglaterra, Araújo de Azevedo reafirma e precisa melhor o príncipio político de que
nada obriga o rei a dispensar uma especial protecção aos Grandes:
Segue-se o 3º artifício de que se servem os inimigos do
Príncipe, e os Grandes, que é quererem, que [não] dêem os Empregos a quem não tiver a representação hereditária. Eu posso
dizer, que este é um artifício do A. para desanimar o grande corpo dos cidadãos; fazer esmorecer os talentos, e acabar com
as grandes acções. Eu em nome de todos os bons patriotas desminto o A. dizendo, que os votos públicos, e universais sempre
foram que os empregos se devem dar aos beneméritos em qualquer classe, que eles se encontrem; a qualidade da grandeza hereditária
não forma o jus invariável dos empregos. Se os indivíduos da primeira ordem forem desprovidos de talentos (como são pela
maior parte;) querer, que o nobre seja empregado só porque é nobre, é ser manifesto inimigo do Príncipe, do bem público,
e da glória da pátria; diria bem o A. se ele dissera, que em igual linha de talentos, e luzes devem ser os nobres preferidos,
sem que por isso sejam desprezados os das classes médias; porque dá mais autoridade ao emprego, a grandeza convencional do
empregado; mas querer, que os Governos façam pertencer os Empregos, confusa, e exclusivamente, aos grandes nobres é uma injúria
feita à razão, à natureza, à justiça, à humanidade: é ser inimigo do trono que ele procura apoiar, e é defender a glória da
Monarquia com absurdos cavilosos, destruidores do mesmo fim a que se propõem: a glória da Monarquia consiste em empregar os
beneméritos sem injúria de nenhuma classe de vassalos.
[In António de Araújo de Azevedo (1º conde da Barca), Resposta
à carta do marquês de Penalva, por um português amigo do seu soberano, in ibidem, 1814, vol. 10º, pp. 61-62.]
(68)
As mãos dos assassinos, que pretenderam aniquilar a casa
de Bragança no sangue do Snr. Rei D. José I ainda não teriam largado os seus punhais regicidas, se um Nobre de Província,
Sebastião José de Carvalho, elevado pelas suas luzes e talentos a um dos maiores empregos do Estado, e à ilimitada
confiança do seu Monarca, os não tivesse arrancado ao Duque de Aveiro, fazendo-lhe sofrer uma morte ignominiosa, e
lavando no seu sangue a nódoa mais infame que tem manchado a fidelidade Portuguesa.
[In António de Araújo de Azevedo (1º conde da Barca), Resposta
à carta do marquês de Penalva, por um português amigo do seu soberano, in ibidem, p. 693.]
(69)
Vide André Duchesne, Les antiquités et recherches de la
grandeur et majesté des rois de France, pp 368-476.
(70)
Vide idem, ibidem, pp. 497-529
Não foram os teóricos seiscentistas adeptos do absolutismo
régio, entre os quais se encontra André Du Chesne, os primeiros a divisar a importância do vestuário do rei como sinal exterior
da primazia deste na hierarquia social e política das monarquias centralizadas. Em 1571, Francisco de Monzón dedica um longo
capítulo do Libro primero del espejo del principe cristiano (o quinquagésimo sexto) à questão da indumentária real,
recomendando ao príncipe o uso de uma roupa sóbria (para não se confundir com as vestes "artificiosas" dos cortesãos), ligeiramente
diferente do vulgarmente utilizado pelos vassalos, seja qual for a sua condição social. Além disso, Monzón tenta persuadir
o monarca a envergar o trajo e modo de vestir antigo da sua nação, uma atitude conservadora destinada a afastar da
corte e do reino a nociva adopção de modas estrangeiras.
Apesar de considerar essencial a discreção do rei no vestir,
Francisco de Monzón rejeita liminarmente a possibilidade de, em cerimónias públicas, os nobres aparecerem melhor ataviados
que o monarca.
(71)
Vide idem, ibidem, pp. 477-496
(72)
Vide idem, ibidem, p. 356
(73)
Num interessante artigo publicado no jornal Público,
o filósofo José Gil reflecte sobre a importância da fisionomia e gestos dos líderes na propaganda política das democracias
modernas, mormente em sociedades desenvolvidas que pensam estar a atravessar uma época de desideologização:
Mas o que é uma ideia política? É uma ideia-força, para
utilizar uma velha expressão; é uma ideia que não vale apenas pelos seus pressupostos ideológicos, intenções e conteúdos programáticos,
mas também pelo seu poder de acção-comunicação. Essa acção faz parte da relação política, e a ideia política define precisamente
essa relação. Não basta emitir essa ideia, pois o modo de a comunicar é um seu desenvolvimento e explicitação: no conteúdo
da ideia política está a relação política, que é também uma relação de (e do) poder (de comunicar).
A "imagem" de um partido ou de um líder pertence à ideia
política: encarna-a, esquematiza-a num rosto. A confiança, o sentimento de segurança não se transmitem só pelas ideias,
mas pelo tom de voz, pela cor dos dentes (literalmente) brancos para parecerem simbolicamente limpos e puros,
etc.), pela força tranquila dos gestos e da atitude corporal; e por todo o aparato contextual da imagem mediática que
vai reforçar o capital simbólico da imagem política. É a imagem dos líderes que faz hoje a diferença, quando todos
os programas políticos tendem a equivaler-se. É a imagem que influi subliminarmente nos espíritos, aparecendo paradoxalmente
como a garantia do cumprimento das promessas eleitorais; como a prova tangível do modo como se faz política, condensando em
si, na sua força de persuasão, a própria força das ideias. Como se sabe, ela determina muitas vezes a escolha final do eleitor.
[In José Gil, "A antinomia", in Público, 13 de Março
de 1995, p. 12.]
Ressalvando as diferenças decorrentes de dois séculos de distância,
já no século XVIII existia a concepção de que a presença física do rei ou a sua "imagem" sintetizavam, aos olhos da plebe,
o ideal de monarquia absoluta.
(74)
No excelente documentário televisivo denominado O poder
das imagens (realizado pelo alemão Ray Muller), revela-se o extraordinário contributo dado pela cineasta Leni Riefenstahl
à promoção das ideias nazis no filme O triunfo da vontade. O mesmo sucede em relação à exaltação do Fuhrer nas
cenas espectaculares filmadas em 1936 (com inexcedível apuro técnico e notável sentido estético) nos Jogos Olímpicos de Berlim
e no Congresso do NSADP em Nuremberga.
Leni Riefenstahl, hoje provavelmente incomodada com o ápodo
de nazi que depois da guerra a perseguiu ao longa da vida, faz questão em realçar a qualidade técnico-artística dos seus filmes,
desvalorizando sempre o poder persuasivo das suas filmagens, afirmando que só pretendeu captar a realidade, sem estar preocupada
em dar-lhe um cunho ideológico preciso. No entanto, ninguém poderá negar o intenso impacto emocional que as imagens de Leni
Riefenstahl provocam no espectador menos informado, conduzindo-o ao êxtase e manipulando-o politicamente. Nesse aspecto, Riefenstahl
rivaliza com Eisenstein, que também se revelou um génio na arte como publicitou, através da imagem, o bolchevismo.
Estes dois exemplos, referentes ao século XX, podem fazer supor
que a força mediática das imagens só se tornou uma forma de manipulação política nas sociedades contemporâneas, mas isso não
corresponde exactamente à verdade. Neste ponto, o mundo moderno não inovou tanto quanto se pensa, apenas se serviu de tecnologias
mais poderosas; primeiro o cinema, depois a rádio (a fala constrói imagens ainda mais fantasiosas na mente do ouvinte) e,
por fim, a televisão. De facto, a persuasão política das multidões com recurso à imagética não é uma invenção dos nossos tempos,
pois já na centúrias de seiscentos e setecentos se conseguiam efeitos similares no decurso das festas barrocas, autênticas
simbioses de magnificentes rituais religiosos e laicos. Por isso, nessa época era igualmente fundamental o cuidado posto no
aparato da apresentação do soberano em público, uma vez que isso favorecia o regime simbolizado na imagem do monarca: o absolutismo
régio.
Façamos uma suposição, partamos do príncipio que a televisão
já existia no século XVIII; imaginemos, embora isso seja bem mais difícil, que se tratava de uma técnica rudimentar (não dependente,
por conseguinte, das descobertas científicas realizadas nos últimos cento e cinquenta anos), mantendo-se por essa razão inalterada
a genuinidade cultural, religiosa e política das sociedades do Antigo Regime. Se isso fosse possível, é muito natural que
a programação televisiva se resumisse à transmissão das diuturnas procissões realizadas em todo o reino e, em particular,
ao quotidiano palaciano da realeza, em particular os actos oficiais e oficiosos do soberano. Quem sabe se, inclusive, seriam
difundidas notícias sobre diversos aspectos da sua vida privada, hoje considerados íntimos, mas que não o eram então.
Basta ler as gazetas ou pegar nas descrições dos fastos da
monarquia e teremos, provavelmente, uma noção muito aproximada daquilo que o poder instituído de então desejaria mostrar ao
nosso imaginário "súbdito telespectador".
(75)
Frederico II, rei iluminado e culto, amigo de Voltaire e um
dos melhores historiadores do século XVIII, no parecer de Saint-Beuve, também era uma pessoa ríspida e implacável nas apreciações
que fazia dos homens em geral. Na Histoire de mon temps, o monarca prussiano deprecia
a maioria dos soberanos europeus seus contemporâneos [Ver Anexo 3], uma atitude deselegante que ajuda a esclarecer
os motivos porque Luís XV de França o achava ...un fou qui risquera le tout pour le tout, et qui peut gagner la partie,
quoique sans religion, sans moeurs et sans principes.
[In Fréderic II, la Grand, in Dictionnaire des auteurs de tous les temps et de tous les
pays, vol. 2º, p. 238.]
(76)
Louis XV était grand
et fort, la taille cambrée et bien prise, d'une corpulence heureusement proportionnée à sa stature: en 1737, il pesait 165
livres (quelque 80 kilos) et, à la veille de son départ pour l'armée en 1746, 185 livres (90 kilos). Il se tenait très droit
et son port de tête lui donnait un air de grandeur incomparable. Devenu homme, il avait gardé longtemps un visage d'adolescent,
ainsi qu'on le voit sur son grand portrait en costume de sacre peint par Rigaud en 1730. Ce masque se virilisa vers 1740,
tel qu'il apparait en 1748 sur le fameux pastel de La Tour:
les traits s'accusèrent, les joues se firent plus pleines sous les pommettes saillantes, la mâchoire solide, le menton proéminent
sous une bouche bien dessinée et un nez tracé d'une ligne aigue. Visage harmonieux animé
par de grands yeux bruns entourés de longs cils, glissant entre des paupières bridées et remontées légèrement vers les tempes.
Étonamment expressifs, ces yeux donnaient à
sa physionomie un air tantôt altier et intimidant, tantôt doux et charmeur. Jamais habile peintre, atteste Casanova, n'est
parvenu à rendre l'expression de cette magnifique tête, lorsque le monarque la tournait avec bienveillance pour regarder quelq'un.
Le Roi était beau, le plus bel homme de son royaume, disait-on, d'une beauté noble, mâle et sensuelle, propre à troubler les
femmes. Et sa prestance, servie par de très grandes manières, lui conférait une étonnante majesté, un peu différente de celle
de Louis XIV, parce que plus hautaine et, parfois, plus cassante.
[In Michel Antoine, Louis
XV, p. 406.]
(77)
Luís XV tinha a mais bela cabeça que é possível imaginar,
e trazia-a erguida com tanta graça com majestade.
Nunca um hábil pintor conseguiu reproduzir a expressão daquela
magnífica cabeça, quando o monarca a voltava com um ar benevolente para olhar para alguém.
A sua beleza e a sua graça obrigavam o amor logo ao primeiro
aspecto.
Julguei, ao vê-lo, ter encontrado a majestade ideal, que
tão mal me impressionou não ter achado no rei da Sardenha; e não pus dúvida em
que Mme. de Pompadour se tivesse enamorado daquela bela fisionomia, quando travou conhecimento com este soberano.
Enganava-me, mas a figura de Luís XV obrigava o espectador a pensar assim.
[In Giacomo Casanova, Memórias de Giacomo de Casanova de
Seingalt, escritas por ele mesmo, vol. 2º, 4ª parte, p. 70.]
O poeta Alfieri corrobora esta opinião no início do terceiro
tomo da biografia intitulada Vida de Vittorio Alfieri, escrita por ele próprio (redigida em 1803), mas reprova a empáfia
e maliciosidade do monarca francês, fazendo jus aos seus ideais revolucionários e à aversão que lhe infundia a tirania absolutista:
A sua descrição, aliás em poucas linhas, de Luís XV que
esquadrinhando o homem que lhe apresentavam da cabeça aos pés, não dava sinal de receber qualquer impressão fornece-nos
um retrato realista do Bien-Aimé, em quem a majestade era um atributo natural. Em dada altura da recepção Luís
XV pergunta com sobranceira indiferença pelos echevins [vereadores camarários
incumbidos de fixarem os preços e fiscalizarem os pesos e medidas] que deviam ter vindo de Paris à corte avistar-se
com o monarca. Uma voz cortesanesca responde-lhe Ils sont restés embourbés, sire (Ficaram atolados na lama, senhor);
os lábios encrespam-se num sorriso condescendente, E, com malévolo regozijo, recorda Alfieri ter visto, vinte anos mais tarde,
precisamente em 17 de Julho de 1789, três dias depois da tomada da Bastilha, o último Capeto receber com muito mais benignidade
o maire de Paris; a ausência dos nobres nessa recepção sugere-lhe que dessa vez foram os aristocratas que ficaram embourbés.
[In Daniel Augusto Gonçalves,Prólogo - Um poeta contra os
tiranos, in Alfieri, Tratado da Tirania (Della Tirannide), pp. 10-11.]
(78)
El Delfín, quien nunca gozó
de las simpatías de su padre el Rey Sol, y tal vez no le faltase razón al pensar que buena parte del desdén paterno procedía
precisamente de su deplorable aspecto físico. Como decimos, no debe extrañarnos que existiese algún tipo de relación entre
ambas cuestiones, conociendo el culto que Luis XIV rendía a la belleza física y lo poseído que se hallaba de su arrogante
figura y de forma muy particular de sus piernas y bien contorneadas pantorrillas.
[In José Calvo Poyato, Felipe
V, el primer Borbón, p. 12.]
Não era realmente fácil para nenhum príncipe igualar a circunspecção
e majestade de Luís XIV, conforme reconheceu o próprio duque de Saint-Simon, uma opinião que não pode ser considerada lisonjeira,
pois Louis de Rouvroy, como se constata nas suas extensas memórias, não nutria grande simpatia pelo Rei-Sol:
La majesté n'est pas un attribut de la fonction de roi et
tous les princes ne sont pas nécessairement majestueux. Saint-Simon n'utilise d'ailleurs jamais ce terme quand il parle du
souverain d'Angleterre ni quand il fait allusion à l'Empereur. Il est vrai que le premier n'avait pas de royaume et que le second était un lointain rival. Mais il ne l'emploie pas davantage à propos d'Henri III, Henri IV ou Louis XIII, trois rois grands maitres cependant
(t. III), ni à propos du duc de Bourgogne qui rappela (pourtant) le souvenir de Saint-Louis, de Louis XII père du peuple,
de Louis-le-Juste (t. III). Louis XIV seul posséda toute sa vie cette décence extérieure, cette gravité, cette majesté
(t. IV) qui agissent même sur la postérité à la façon d'un charme merveilleux. On arrive à peine à découvrir les quelques
artifices par lesquels Louis XIV savait parfois rehausser les manifestations spontanées d'une décence majestueuse qui frappait
de respect. Il ne se tournait presque jamais en marchant (t. I). A la grace naturelle (...) de toute sa personne
(t. IV), il ajoutait un air haut et rengorgé (t. III). Là il faisait un froid et méprisant signe de tête (t.
III), ailleurs il prenait un ton de maitre (t. III). Il savait jouer à merveille un personnage; voici par example comment il se conduisit chez la princesse des Ursins:
On ne revenait point
d'étonnement (...) de voir le roi caresser le petit chien, et à plusieurs reprises (...). On ne s'y accoutumait pas, et, à
qui l'a vu, et connu le roi et sa cour, on en est surpris encore (...) après tant d'années (t. II).
[Nicole Ferrier-Caverivière,
Le grand roi à l'aube des lumières (1715-1751), pp. 150-151.]
(79)
On plaisantait le
roi sur l'écorce grossière que la nature lui avait donné, écrit un de ses serviteurs. Le manque de dignité extérieure est toujours fâcheux pour un roi: pour Louis XVI ce fut
un malheur. A lui plus qu'a tous ses prédécesseurs, dans les événements qui se préparaient, un air noble et imposant eut été
nécessaire. Jusqu'alors la personne royale était renfermée dans le château de Versailles; le peuple ne l'entrevoyait que rarement
et de fort loin, plein de vénération pour tout ce qui est entouré d'une sorte de mystère. Mais voici que les Etats généraux
font sortir la royauté de ce sanctuaire; elle va se rencontrer face à face, avec le tiers état d'abord, et bientôt avec la
populace; derrière le souverain on va découvrir l'homme lui-même: chacun pourra le regarder, le juger, le mesurer en quelque
sorte. En de pareilles circonstances la majesté d'un
Louis XIV aurait pu protéger l'institution monarchique. Mais avec sa figure placide et bonasse
Louis XVI pouvait-il commander le respect?
[In Henry Druon, Histoire de l'éducation des princes dans
la maison des Bourbons de France, vol. 2º, p. 349.]
Esta opinião de Druon corresponde à realidade, embora os pintores
de Luís XVI tenham tentado escamotear a verdade nos retratos de majestade deste rei. Se Antoine-Francois Callet não teve êxito
nesse intento, pois apresenta-nos Luís XVI com um semblante algo melancólico [Fig. 6], Joseph Siffrein Duplessis, pelo
contrário, obteve pleno sucesso, tendo emprestado ao rei um ar garboso e altivo [Fig. 7], que em nada desmerece dos
retratos de Luís XIV e Luís XV de Rigaud, sobretudo deste último monarca, figurado no auge da sua beleza e juventude [Figs.
8 e 9]
(80)
Hubo una auténtica obsesión
por la imagen del rey y de la realeza, y ello estaba vinculado al mundo del arte y de la cultura. Frente a la depauperada
y macilenta figura de Carlos II, Felipe V podia ofrecer otro perfil. Ya lo había hecho en los años de la guerra, poniéndose
al frente de sus tropas, arriesgando su vída y compartiendo peligros y penalidades. Nadie se hubiese imaginado al último de
los Austria en tales avatares. Concluida la contienda, habia que dar una imagen de majestad. Ya nos hemos referido a la carta
de Luisa Gabriela de Saboya a su cuñada Madame Royale excusándose del envio de sus retratos por no disponer en España de un
pintor de calidad adecuada para tan importante encargo.
Aunque en algunos circulos
cortesanos versallescos se afirmaba que la imagen que ofrecia Felipe V era desgraciada, la realidad era que frente a su antecesor
representaba la gallardía personificada. En este sentido la Maintenon
describía al duque de Anjou de la siguiente manera a la duquesa de Orleans: Todo lo que él dice está bien dicho, lleno
de sentimiento y rectitud; el tono y la lentitud con que habla es desagradable; quizá disguste menos en Madrid que en Versalles...
Tiene un aspecto muy austriaco la boca siempre abierta. Yo le he hecho cien veces esta observación: cuando se le dice, la
cierra porque es muy sumiso; pero en cuanto se le olvida, la tiene abierta de nuevo.
[In José Calvo Poyato, Felipe
V, el primer Borbón, pp. 208-209.]
Esta opinião é compartida por outros historiadores espanhóis,
nomeadamente Morán Turina num artigo intitulado Felipe V y la guerra. La iconografia del primer Borbón:
La belleza era, dentro de
unas concepciones de raíz neoplatonica que no había terminado de desaparecer aún a principios del siglo XVIII, un rasgo proprio
distintivo del rey, porque en sí misma constituía un símbolo externo de su superioridad física y moral. La belleza exterior
se concebía como una manifestación visible del Bien, de tal forma que el hombre fisicamente bello resultaba también necesariamente
puro y perfecto en su ser moral, y viceversa.
[In José Miguel Morán Turina,
Cuadernos de arte e iconografia, citado por Maria Pilar Monteagudo Robledo, La monarquía ideal, p. 39.]
Em finais de setecentos ainda perdura em Espanha o hábito de
estabelecer uma íntima correlação entre o aspecto físico do soberano e a majestade da função real. O retrato físico e moral
de Carlos III traçado pelo Conde de Fernán-Núñez - D. Carlos Gutiérrez de los Rios (1742-1795) -, constitui uma tentativa
paradigmática de elogiar as qualidades e virtudes de um rei através da sua fisionomia, e isto porque no caso do referido monarca,
conforme reconhece o próprio conde e o comprova a imagem pouco grata que dele nos dá Goya num retrato de inspiração velasquenha
pintado em 1786-1788 - Carlos III caçador (exposto no Museu do Prado) -, a beleza corporal não era um dos seus apanágios,
como sucedia com seu pai (Filipe V) e primo (Luís XV):
Era el rey Carlos de una
estatura de cinco pies y dos pulgadas, poco más; bien hecho, sumamente robusto, seco, curtido, nariz larga y aguileña, como
lo demuestra su retrato, muy semejante, que está al principio de esta obra, y que hice grabar de uno muy parecido, añadiéndole
las inscripciones al pie [alude à gravura colocada
junto ao frontispício e que aparece reproduzida na edição por nós utilizada]. Había sido en su niñez muy rubio, hermoso y blanco; pero el ejercicio de la caza le había desfigurado
enteramente, de modo que cuando estaba sin camisa, como le ví muchas veces cuando le servía como su gentil hombre de cámara,
parecía que sobre un cuerpo de marfil se había colocado una cabeza y unas manos de pórfido, pues la mucha blancura de la parte
del cuerpo que estaba cubierta, obscurecía aún más el color obscuro de la que estaba expuesta continuamente á la intemperie.
Su fisonomía ofrecía casi en un momento dos efectos, y aun dos sorpresas opuestas. La magnitud de su nariz ofrecía á la primera
vista un rostro muy feo; pero pasada esta impresión, sucedía á la primera sorpresa otra aún mayor, que era la de hallar en
el mismo semblante que quiso espantarnos una bondad, un atractivo y una gracia que inspiraba amor y confianza."
[In Conde de Fernán-Nunez, Vida de Carlos III, tomo
II, pp. 39-40.]
Nesta apreciação físico-moral de Carlos III de Espanha, é notória
a influência das concepções de sublime e belo explicitadas por Edmund Burke em
A Philosophical enquiry into the origin of our ideas of the sublime and the beautiful (1757).
O Conde de Fernán-Nuñez, um diplomata instruído e viajado (visitou várias vezes Londres e Paris), deveria conhecer esta obra
- que sumariza várias outras anteriores, desde os fragmentos de um tratado do século I intitulado Sobre o sublime (Peri
hypsous, atribuído, segundo alguns erradamente, a Longinus) ao Essay on the sublime (1744) do inglês John Baillie
-, pois afasta-se da retórica do belo, adoptada pelos panegiristas do início do reinado de Filipe V, para promover a sublimidade
de Carlos III.
Esta intenção resulta evidente quando o conde, reportando-se
às "qualidades" do "objecto" que constitui o corpo do monarca (no plano da matéria, evidentemente), não realça as "linhas
suaves e ondulatórias", a "macieza e polídez", a "delicadeza" ou "fragilidade" da beleza corporal, mas sim a "rugosidade",
"negligência" ou "linhas rectas com desvios angulares" que são elementos distintivos do sublime. Contudo, enquanto as qualidades
do belo, no plano das virtudes do homem, significam "imperfeição" e "fraqueza", sendo apenas "úteis" ao indivíduo e não à
sociedade, as imperfeições do sublime traduzem a "perfeição" moral, assim como a "dignidade" da "justiça" e "sabedoria", atributos
imprescindíveis nos reis porque permitem o governo esclarecido dos súbditos.
[Vide Helena Maria Mesquita Barbas, Edmund Burke: "A philosofical
enquiry into the origin of our ideas of the sublime and the beautiful" - Algumas considerações sobre a evolução do conceito
de sublime, p. 25.]
(81)
Una descripción, evidentemente
destinada a la propaganda que los borbónicos estaban realizando de la figura del nuevo soberano [Filipe V] nos lo presentaba así: El rey es graciossíssimo en su persona y acciones; muy galán y muy español en el ayre. El cabello
es proprio, y muy blondo; y rizado a la moda; aunque se cree que antes de salir de Francia se pondrá Peruca (sic). Su
frente es ancha y lisas sus cejas, grandes y arqueadas. Sus ojos grandes, pero lo labio de abaxo un poco levantado, en que
lleva las señales de austriaco... sus costumbres son tan buenas que à no aver nacido para tan gran rey, mereceria serlo por
ellas.
[In idem, ibidem, pp. 39-40.]
(82)
In Matias Aires, Reflexões sobre a vaidade dos homens e
carta sobre a fortuna, p. 4.
(83)
Era de mediana estatura, o corpo mais grosso que delicado;
alvo, e algum tanto corado, olhos azuis escuros, mas alegres, e cheios de tanta majestade, e com um tão real aspecto, que
se perturbavam os que não eram costumados a falar com ele; quando chegavam à sua presença quase lhes faltavam as palavras:
mas de natureza tão benigno, que se fazia amável a todos os que o viam.
[In D. António Caetano de Sousa, História genealógica
da casa real portuguesa..., tomo III, livro IV, p. 290.]
(84)
Foi El-rei D. Sebastião de mediana estatura, branco, e louro,
olhos azuis, de aspecto majestoso, com admirável proporção das partes, de espíritos verdadeiramente reais.
[In idem, ibidem, tomo III, Livro IV, p. 353.]
(85)
Foi el-rei D. Pedro agigantado de corpo, cabelo negro, moreno,
olhos grandes, mui majestoso, e juntamente afável, os estrangeiros que com ele tratavam, vinham cativos assim da majestade
da pessoa, como da urbanidade de suas palavras, entendimento agudo, quando discorria se via o ponto com muitas, e excelentes
razões, era pronto no perceber os negócios [...] nada queria sem ouvir seus conselheiros,
mas não se atava a eles; era amoroso, compassivo, e enternecido dos que lhe representavam suas calamidades, a todos desejava
remediar [...] e por isso o concurso às audiências era inumerável.
[In Vida de el-rei D. Pedro II de Portugal escrita pelo
seu confessor e padre Sebastião de Magalhães S.J. e pela sua mesma letra, fl. 38.]
Este testemunho, valioso por ter sido expresso por uma pessoa
que conheceu de perto D. Pedro II, talvez tenha influenciado em parte a descrição do porte atlético deste monarca feita por
Frei Cláudio da Conceição no Gabinete Histórico :
Foi o senhor rei D. Pedro II de estatura elevada, grosso,
mas bem proporcionado, olhos grandes, pretos, e formosos, nariz aquilino, e cabelo preto, e cor trigueira. Teve forças extraordinárias,
e de compleição robusta, que prometia mais larga duração.
[In Frei Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico, vol.
5º, p. 269.]
(86)
Num manuscrito datado de 1698 existente na British Library,
redigido por um diplomata da legação francesa em Lisboa, faz-se o seguinte elogio da aparência física de D. Pedro II:
Il n'y a point d'homme mieux fait, ni qui ait meilleur air,
et l'air plus fier après notre roi [Luís XIV] que celui de Portugal.
[Citado por Frederico Francisco Figanière, Catálogo dos
manuscritos portugueses existentes no Museu Britânico, p. 181.]
A fortaleza de D. Pedro II é confirmada, na altura, numa relação
da corte portuguesa escrita em francês, mas neste caso não se faz uma apreciação tão benévola do comportamento do monarca
em actos públicos:
Il est d'un temperament robuste et vigoureux; grand de taille,
un peu au dessus de la taille ordinaire, et gros à proportion; d'une force prodigieuse, et d'une grande activité de corps,
comme il parait toujours par les preuves qu'il en donne dans ses exercises et divertissements ordinaires. Il a le regarde grave et décent, où ne se remarque rien de hautain, mais
bien un air de modestie peu ordinaire aux personnes de son rang. Il parait un peu embarrassé quand il est regardé de beaucoup
de monde; et l'on apperçoit un peu de desordre dans sa contenance lors qu'il parle en public à ceux auxquels il n'est point
accoutumé de parler.
[In Relation de la cour de Portugal sous D. Pedre II à present
regnant, vol. 1º, pp. 3-4.]
(87)
O Visconde de Santarém, no quinto volume do Quadro elementar
das relações políticas e diplomáticas de Portugal, cita uma curta passagem de um texto coevo em francês - L'administration
de Pombal -, onde se diz que D. João V se assemelhava a Luís XIV nas feições, no andar e ar nobre e majestoso.
[Vide António Filipe Pimentel, Arquitectura e poder. O real
edifício de Mafra, p. 20.]
Esta opinião é, de certo modo, confirmada pelo viajante francês
César Saussure numa carta enviada de Lisboa em 28 de Janeiro de 1730:
João V, que hoje ocupa o trono de Portugal, é neto de João
IV, duque de Bragança, que subtraiu o país ao domínio de Filipe IV, rei de Espanha, e subiu ao trono de seus avós. Este príncipe
andará pelos quarenta anos. Tem boa figura, rosto comprido e é moreno como a maioria dos portugueses. Usa grande cabeleira
negra, empoada, e veste habitualmente com grande magnificência. Tive ensejo de o ver quatro ou cinco vezes, uma das quais
em dia de festa, na capela real. Nessa ocasião cobria-lhe as vestes um longo manto de seda preta semeada de estrelas bordadas
a ouro.
[In César de Saussure, Cartas escritas de Lisboa no ano
de 1730, p. 267.]
(88)
Não quis a natureza ocultar tão egrégios dotes da alma,
e logo os indicou nos do corpo, por isso lho formou com elegância tão industriosa, que ainda quem ignora a dignidade, que
logra, o distingue pela majestade da pessoa; porque o resplendor dos olhos, a gravidade do riso, a seriedade do gesto, a madureza
das palavras, a agradável, e juntamente respeitável gentileza está mostrando ser domicílio de uma alma sublime, de um espírito
régio incomparável, sem semelhante.
[In Padre Manuel Monteiro, Elogios dos reis de Portugal
de nome João, pp. 149-150.]
(89)
Em 1750, data da morte de D. João V, D. Francisco Coutinho
retratava o monarca defunto desta maneira:
Foi o augusto monarca de estatura proporcionada, tão brilhante,
e majestoso, que lhe era natural inculcar majestade aos estrangeiros, ainda a não distinguí-lo o ceptro.
[In D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, Elogio do
muito alto e muito poderoso rei D. João V, p. 20.]
Nesse mesmo ano, o académico Francisco Xavier da Silva era
bastante mais preciso ao descrever fisicamente D. João V no elogio fúnebre que proferiu na Academia Real da História:
Foi o senhor D. João V o XXIV entre os monarcas, que governaram
este reino, e a natureza o fez perfeitíssimo também nos seus dotes; porque foi de uma proporcionada estatura, de agradável
presença, majestoso aspecto, ágil, desembaraçado, e robusto: teve a testa espaçosa, sobrancelhas bastante escuras, e carregadas,
olhos pardos escuros, que infundiam um olhar, no mesmo tempo que severo, grave, e majestoso, que urbano; o nariz algum tanto
aquilino, com a ponta não muito viva, e um pouco elevada, os beiços muito cheios de cor vermelha, e grossos, e o de cima bastante
levantado, os quais lhe formavam a boca em proporção, e engraçada; a barba bem povoada, e circular, e a segunda barba era
de forma, que fazia um círculo perfeito; as faces, especialmente nos cantos da boca, eram bem levantadas, e a cor delas em
algumas ocasiões declinava para a vermelha, ainda que lhe era natural a branca, não muito exaltada, a qual ilustrava todo
o régio vulto, sendo as mais feições proporcionadas; de sorte que só inculcava majestade, e mostrava que era rei.
[In Francisco Xavier da Silva, Elogio fúnebre, e histórico
do muito alto, poderoso, augusto pio e fidelíssimo rei de Portugal, o senhor D. João V, pp. 344-345.]
Nas solenes exéquias celebradas na capela da embaixada portuguesa
em Londres por ocasião da morte de D. João V, o padre Blyth recorda a dignidade de um varonil aspecto e majestosa
e não vulgar presença do recém-falecido monarca na juventude, para o apresentar como a imagem perfeita de um herói
digno de ser retratado pelo próprio Apeles, principe dos pintores da Antiguidade Clássica:
Ainda era de pouca idade o nosso herói ao tempo que começou
a reinar; porque apenas contava dezassete anos completos quando subiu ao trono com universal aplauso, e sumo contentamento
de todo o povo, que já desde então se prometia a futura felicidade, que depois experimentou, persuadido não só do sumo amor,
e estimação, que tinha à bem notória índole do seu príncipe, senão também da sua majestosa, e não vulgar presença, a qual
condecorava os mais estimáveis dotes de uma rara gentileza com a dignidade de um varonil aspecto. Era de estatura mais do
que mediana, e de uma robusta proporção das partes sem excesso, nem defeito; tal, qual poderia apetecer para exemplar o mesmo
Apeles, se houvesse de delinear a perfeita imagem de um herói; e tal, que não podiam alguns pôr nele os olhos sem confessar,
que (se dera menos que anjo) ao menos parecia mais que homem, ou que rei humano.
[In F. Blyth, Oração fúnebre nas solenes exéquias do augustíssimo
senhor D. João V..., pp. 14-15.]
Este texto constitui uma excelente prova de como a heroização
do sumo imperante, a que faremos referência mais adiante, está também intimamente relacionada com o doairo dos monarcas.
(90)
Vide Caetano Beirão, D. Maria I (1777-1792). Subsídios para
a revisão da história do seu reinado, p. 57.
Com o filho primogénito de D. Maria I sucede exactamente o
contrário. A beleza facial e o porte atlético do príncipe D. José são elogiados em vários testemunhos coevos, portugueses
e estrangeiros, o que confere, sem dúvida, maior credibilidade às apreciações feitas sobre a aparência física do jovem Príncipe
do Brasil.
Numa carta enviada a D. Maria I, a Madre Teresa de Jesus escreve
que o príncipe tem "uma figura de anjo" e afirma não conhecer "cara mais linda e perfeita figura". Por ocasião da deslocação
de D. José à fronteira do Caia em 1778 (para receber a sua avó - D. Mariana Vitória - no regresso de uma visita que esta fizera
à corte espanhola), um cortesão português pertencente ao séquito do Príncipe do Brasil refere não ter havido "um só castelhano
que deixasse de gravar com as maiores expressões a lindíssima figura do Príncipe Nosso Senhor o qual elevou os olhos a todos
com a sua bela presença".
Os ingleses Wraxall e Beckford são um pouco mais comedidos,
mas não deixam de concordar sobre o aspecto elegante de D. José. O primeiro, em 1772, põe em evidência a sua altura e delicadeza
de expressões - his expression of countenance, it must be admitted, indicated intelligence -; o segundo, mais sensível
ao ideal de "gentilhomme" setecentista, retrata D. José como sendo um mancebo de aspecto simpático, mais belo e corado
do que a maioria dos seus compatriotas, o qual caminhou para mim com um ar muito agradável e insinuante.
[Citado por João Pedro Ferro, Um príncipe iluminado português:
D. José (1761-1788), pp. 30-31.]
(91)
As suas maneiras me fizeram impressão - escrevia o viajante,
para Londres, em carta datada de 22 de Setembro de 1787 - por serem características de majestade e de agrado. Parece nascida
para mandar, mas, ao mesmo tempo, para fazer aquela suma autoridade mais querida que temida. A justiça e clemência, mote ou
divisa tão enormemente mal aplicada na bandeira da detestável Inquisição, pode ser transferida com a mais restrita verdade
para esta boa princesa... Nada excede o profundo respeito e cortesania que a sua presença inspira.
[In William Beckford,
Italy with sketches of Spain
and Portugal, citado por idem, ibidem,
p. 56.]
(92)
E assim pode servir o Desenho da Pintura em seus retratos
para deixarem sua boa memória ou para mandar a outros reinos, pois o permite a Igreja. Como fiz a El-Rei e Rainha seus avós [D. João III e D. Catarina]; e a Vossa Alteza [D. Sebastião] primeiro que ninguém
o retratasse, para mandar à princesa sua mãe a Castela [D. Joana].
[In Francisco de Holanda, Da ciência do Desenho, p.
28.]
O envio de retratos dos reis às cortes estrangeiras, referido
por Francisco de Holanda (apesar de o exemplo concreto que dá não possuir conotações políticas óbvias), também tinha importantes
incidências diplomáticas, nomeadamente na recepção dos embaixadores e, sobretudo, no estabelecimento de alianças entre dois
reinos, quase sempre iniciadas com propostas de casamento entre príncipes das casas reais contraentes.
De facto, a eficácia da imagem pictórica reside na sua percepção
imediata, o que não sucede com os discursos laudatórios proferidos pelos enviados de um monarca sobre o seu amo, quase sempre
apreciações complacentes da pessoa do rei onde as informações de jaez mais ou menos objectivo - como é o caso da especificação
dos atributos físicos do monarca -, são parcas e apenas servem para ajudar a vincar as qualidades de carácter do retratado,
conforme se constata na Oração de Obediência lida em 1484 por Vasco Fernandes de Lucena na presença do papa Inocêncio
VIII:
De propósito passo em claro muitos e admiráveis dotes do
seu alto espírito e do seu corpo [refere-se a D. João II]; altura e forma
insigne, grandeza de alma, liberalidade, vida integérrima, moderação, fé, constância, valor na arte militar, justiça na administração
e prudência em tudo, religião para com Deus e piedade para com o reino e para com os súbditos, omito os louvores do seu valor
e engenho, omito a lembrança da sua glória e vitórias, não falarei também da astúcia, da habilidade da prudência e da fortaleza
de ânimo de que deu provas, dissimulando o conhecimento das conspirações, por vontade de Deus descobertas, de dois duques
e castigando os conspiradores.
[In Vasco Fernandes de Lucena, Oração de obediência, dirigida
ao Sumo Pontífice Inocêncio VIII por Vasco Fernandes..., p. 81.]
Os pintores régios tinham, como é do conhecimento geral, instruções
precisas para retratarem o rei com a dignidade e gravidade devidas à sua alta função, facto que implica, sem dúvida, a inexistência
de uma arte inóqua em termos ideológicos. No entanto, as representações visuais, embora possam ser propositadamente melhoradas,
sempre deixam transparecer algo da "realidade" observada pelo artista:
En los últimos días de 1700,
Hyacinthe Rigaud pintaba en París el primer retrato oficial de un adolescente que, sin haber cumplido aún diecisiete años,
se encontraba a punto de abandonar su pais natal para ponerse al frente de sus nuevos estados. El sobrio traje negro, la espada
y la pose majestuosa no lograron disimular la impresión de extrema juventud que emanaba del retratado. Y fueron precisamente
esta juventud y esta agradable apariencia fisica de Felipe V las que produjeron el mayor impacto sobre sus súbditos, acostumbrados,
como hemos dicho, a ver un Rey siempre enfermo, macilento y melancólico.
[In Miguel Moran Turina, La
imagen del rey. Felipe V y el arte, p. 21.]
(93)
Among the most important
of the inanimate representations of the king were his portraits. The artist Charles Lebrun was described as representing in
a portrait of the king all his high qualities, as if in a very clear mirror [il y représente comme dans une glace
très pure toutes ses hautes qualités]. These paintings were also treated as if they were substitutes for the king. The
famous portrait of the king by Rigaud, for example, took his place in the throne room at Versailles
when the king was elsewhere. To turn one's back on the portrait was an offence, like turning one's back to the king. Other
portraits presided over festivals in the king's honour in the provinces. They might even be carried in procession like the
image of a saint. The comparison is not as far-fetched as it may seem, since the king was sometimes represented as St. Louis.
[Peter Burke, The fabrication
of Louis XIV, p. 9.]
(94)
Saavedra Fajardo conta-nos em La republica literaria,
obra póstuma editada em 1655, que ao ver-se pela primeira vez perante retrato equestre de Filipe IV, pintado por Velásquez,
experimentou de imediato a vontade de o reverenciar:
...con tan airoso movimiento
y tal expresión de lo majestuoso que en mí se turbó el respeto y le incliné la rodilla y los ojos.
[Saavedra Fajardo, La republica
literaria, citado por Miguel Moran Turina, La imagen del rey. Felipe V y el
arte, pp. 25-26.]
(95)
De volta à sua terra natal, o "rústico" Florindo descreve a
estátua equestre de D. José aos seus amigos Relvasio e Rusticano, dizendo a dado passo:
De numerosa gente conduzido/ Na Praça entrei, que está fronteira
ao Tejo,/ Quando no meio cá de longe vejo/ Um pedestal, quase redondo erguido:/ E da sorte, que pude/ Cheguei-me mais de perto;/
Conheceram-me rude, / E por ser rude, achei caminho aberto: Vi levantado então por sábio Mestre/ A uma Estátua, que chamavam
Equestre./ Assim que pus meus olhos na Figura,/ Que na mão Real Ceptro sustentava,/ Ao vivo conheci, que ela mostrava/ do
nosso Amável REI a formosura./ Os joelhos lhe dobro/ Tremendo reverente,/ Ergo-me, e valor cobro:/ A Imagem torno a ver resplandecente;/
E quanto mais com atenção a via,/ Mais choravam meus olhos de alegria./ Não me fartava, não, de ver a bela/ Estátua singular
do Soberano;/ Crê-me Relvasio, crê-me Rusticano,/ Que no Mundo não há outra como ela.
[In Joaquim de São Pedro de Alcântara, Écloga em aplauso
da estátua equestre, dedicada à memória do Fidelíssimo rei, e senhor nosso D. José I, de Portugal, no feliz dia dos seus anos,
citado por Thomas Freund, Pombalmythen in der portugiesischen literatur, pp. 105-106.]
A imagem de majestade do rei absoluto causava nos pacóvios
um grande deslumbramento, mas também suscitava, por vezes, a desaprovação de alguns vassalos mais instruídos. Numa poesia
intitulada Fala do Infante D. Pedro, Correia Garção censura o aparato da estátua equestre de D. José I, colocando na
boca do ilustrado filho de D. João I - na sua qualidade de regente do reino durante a menoridade de D. Afonso V - uma manifestação
de humildade régia que, simultaneamente, satiriza a soberba do monarca reinante.
- Não, lusitano povo, eu não consinto/ Que estátua
ao meu nome se dedique:/ O amor da Pátria, o zelo da justiça,/ Não sede de mandar ou vanglória.
[...]
Não deixa durar muito os elogios./ Porém se vós, ilustres Portugueses,/ Desejais conservar meu nome eterno,/ Não é preciso o mármore
soberbo,/ Basta-me a tradição de pais a filhos/ Com fiel saudade transmitida./ Este o jaspe, este o bronze
em que pretendo/ O meu nome esculpir: chegue aos vindouros,/ Sem perder o carácter que o fez grande./ Lembre-se
o benemérito do prémio;/ Recorde-se o culpado o castigo;/ Todo o Reino do público descanso,/ Em florente
comércio, em paz segura./ Mas haja quem se lembre deste caso,/ E quem diga que rejeitei modesto/ As honras
de uma estátua; e que estas honras/ Quem chega com justiça a merecê-las,/ Também sabe atrever-se a desprezá-las./
Acabou de falar, e os circunstantes,/ Imóveis e calados, pareciam/ Outras tantas estátuas dedicadas/ æ regência feliz do sábio
Infante.
[In Correia Garção,Fala do Infante D. Pedro, in Obras
completas, vol. 1º, pp. 283 e 285-286.]
Esta invectiva a D. José I mostra a grande coragem política
de Correia Garção, pois, enquanto membro da Arcádia Lusitana, ele escreveu e recitou várias orações encomiásticas ao mecenatismo
do monarca.
[Vide idem, ibidem, vol. 2º, pp. 141-226.]
(96)
A Praça des Vosges em Paris foi, desde o segundo quartel
de seiscentos, a primeira Place Royale, tornando-se um modelo que inspirou as "praças reais" do século XVIII construídas
em diversas urbes da França nos reinados de Luís XIV e Luís XV [ver nota 98]. As mais famosas são as das cidades de Rennes,
Nantes, Nancy, Reims, Bordéus e as magnificentes praças Vendôme e da Concórdia em Paris.
As circunstâncias da edificação de cada uma delas revelam bem
a finalidade política que tinham de contribuirem para a apologia da monarquia absoluta. Assim, depois do grande incêndio de
Rennes ocorrido em 1720 (que durou oito dias e arrasou por completo esta cidade bretã), o arquitecto-mor do rei, Jacques-Jules
Gabriel planeou a reconstrução da cidade e projectou duas praças reais, colocando numa a estátua equestre de Luís XIV e noutra
a estátua a pé de Luís XV, instalada num imponente nicho situado perto da câmara municipal. Em Bordéus, capital da rica Aquitânia,
o mesmo Gabriel construiu também a esplêndida Place de la Bourse
em frente ao rio Garona (a localização desta praça bordalesa leva alguns historiadores a aventarem a hipótese de ela ter inspirado
os arquitectos pombalinos quando delinearam a Praça do Comércio), enquanto em Paris o filho deste arquitecto, Ange-Jacques
Gabriel, realizava a sua obra-prima ao conceber a admirável Praça Luís XV, que após 1789 mudou o nome para Praça
da Revolução e depois da restauração bourbónica passou a designar-se Praça da Concórdia. Nesta última cidade, no
final do reinado de Luís XIV (1687), já Jules Hardouin-Mansart havia desenhado a chamada Praça das Conquistas (hoje chamada
Vendôme), onde foi colocada a estátua equestre do Rei-Sol, tendo por esse motivo sido denominada, até às vésperas de Revolução
Francesa, de praça Luís-o-Grande [Fig. 10]
Em Nancy, capital da Lorena, o arquitecto Emmanuel Héré desenhou
a Praça Stanislas, assim chamada em memória do deposto rei polaco Stanislas Leczinsky, que a mandou construir em honra
do seu genro Luís XV, encontrando-se a estátua equestre deste último no centro da praça. Em Reims, a cidade da Champagne que
foi o centro espiritual da monarquia francesa, encontramos outra estátua equestre do Bem-Amado no meio da Place
Royale projectada pelo engenheiro de "pontes e calçadas" Legendre. Nesta estátua de Luís XV, esculpida por Pigalle, o
homenageado aparece representado como um príncipe pacífico e mecenas dos filósofos e economistas.
Várias praças reais foram previstas para receberem a estátua
de Luís XVI, como é o caso da de Nantes, na Bretanha, onde nunca chegou a ser erigida a estátua deste monarca. Vivia-se então
numa época em que o interesse político das praças reais perdera sentido, pois já esmorecera o fervor das elites urbanas pela
instituição real, estando prestes a acontecer o mesmo com a populaça.
(97)
Foram erguidas praças reais em várias capitais europeias ao
longo do século XVIII. A Praça do Comércio na Lisboa pombalina não é, portanto, um caso singular fora do território francês;
em Copenhaga, no periférico reino da Dinamarca, os monarcas absolutistas Cristiano V (1670-1699) e Frederico V (1746-1766)
também mandaram levantar as suas estátuas equestres antes de D. José I de Portugal o haver feito. A de Cristiano V foi colocada
no centro da Praça Kongens Nytorv e a do seu bisneto no largo fronteiro ao palácio de Amalienborg.
[In Denmark history, vol. 2º, pp. 172-173 e 208-209.]
Os grandiosos meios técnicos utilizados na fundição da estátua
equestre de Frederico V, a complicada operação para a depor no plinto, bem como o significado simbólico das festas realizadas
em 1771 aquando do seu descerramento, fazem lembrar as descrições sobre o que se passou em Lisboa quatro anos depois, em especial
o manuscrito anónimo publicado em 1938 por Ångelo Pereira sob o título A inauguração da estátua equestre de El-Rei D. José
I. Narração verídica feita por um jesuíta, testemunha ocular do acontecimento:
It was due very largely
to Adam Gottlob Moltke that Denmark experienced
an artistic boom in the latter half of the eighteenth century. His collection of classical European, especially Dutch and
Flemish paintings was for long the only one of its kind open to the public. The Academy
of Fine Arts was founded on his initiative, and he brought in distinguished
artists like the French architect Nicolas Henri Jardin and his fellow-countryman the sculptor Jacques François Joseph Saly
to occupy the newly established professorships. Moltke was also the prime mover in the construction of Frederiksstaden and
Amalienborg, and he built one of the four palace mansions here that have been royal residences since 1794. The crowning glory
was one of the world's most entrancing equestrian statues, designed by his protegé Saly and executed at great cost by the
Asiatic Company through its chairman, the ubiquitous Moltke. It took the Frenchman fourteen years to get it ready for casting,
and it was a further three years before the sculpture - five metres high and weighting 22 tons - could be placed on its pedestal.
That was in 1771. The unveiling ceremony was an occasion for great celebrations and was attended by half Copenhagen or more. Here in Amalienborg palace square his majesty's most humble subjects
could really see their absolute ruler by the grace of God, the laurel-wreathed imperator, towering over them in all his pomp
and splendour. Frederik V can hardly have looked quite like this on his slow ride through the capital, acclaimed by all his
people. That was the artist's inspiration; but far more than a true portrait of the rather portly model, Saly's masterpiece
was destined to be a fine symbol of a noble monarchy.
[In ibidem, vol. 2º, p. 208.]
(98)
L'idéal d'embellissement des villes comporte une dimension
politique. Création d'abord parisienne d'un XVIIe siècle français où s'affirme la monarchie absolue - c'est Richelieu qui,
en 1639, faisant dresser une statue équestre de Louis XIII au centre de la place royale d'Henry IV, la transforme en place
royale [Fig. 11] -, la place royale devient
au XVIIIe siècle une figure obligée pour les métropoles provinciales, en même temps, d'ailleurs, que pour beaucoup de capitales
européennes. Soit spontanément, soit à l'initiative des représentants royaux, villes et provinces décident les dépenses nécessaires
que la royauté autorise généralement.
[In Jean-Louis Harouel,
Le roi et l'embellissement des villes, p. 89.]
A função primordial das praças reais era conferir dignidade
à celebração dos fastos da monarquia, conforme patenteia uma relação contemporânea das festas realizadas na Place Royale de
Paris durante o consórcio do jovem Luís XIII com a infanta espanhola Ana de Áustria:
Palais de la
Félicité, basty dans la place royalle au devant du grand pavillon royal du costé de septentrion, avec quatre
tourelles aux quatre coins. Trois jours suivants, les trouppes des princes et grands seigneurs y firent leurs entrées avec
quantité de chariots, de triomphes et leurs suittes lestement habillez qui, à l'entour, coururent la lance à la barrière dressée
à la mesme place devant le thêatre du Roy. Puis, les assaillans assaillirent les tenans qui estoient dans ledict chasteau
qui, ayant valeureusement combattu, on mit le feu aux fusées de ce dict chasteau qui remplissoient l'air de feux et de diverses
figures qui donnèrent un plaisir indicible à plus de cinquante mille personnes (sic) qui estoient en ceste place. A
la fin de quoy la nuict arriva se fit derechef une grande escoupeterie, l'artillerie, commença à jouer qui rendit le chasteau
tout en feu, deux mille fusées en l'air, et se vit alors trois sortes de chiffres, l'un d'un double M (Marie de Médicis régente),
l'autre d'une L (Louis XIII), et l'autre d'une fermesse. Pendant que cela se faisoit, il se tira deux cens pièces de canon sur le boulevard de la porte Sainct Anthoyne.
[Citado por Michel Le Moel,
Paris. La Place Royale. Place des Vosges, p. 11.]
As entradas reais em Paris, incluindo as dos soberanos estrangeiros
e das embaixadas enviadas ao Rei Cristianíssimo, também tinham por palco privilegiado a Praça Real:
Toute entrée solenelle comporte
le détour par la place royale. Ainsi en est-il du défilé des ambassadeurs polonais, en 1645, dont les carrosses couverts
d'argent massif éclipsaient même les voitures de la Cour de
France. Il en est de même, lorsque la reine Christine de Suède est reçue en septembre 1656 place royale par où on la
fit premièrement passer, comme par le plus beau lieu non seulement de Paris, mais qui soit en aucune ville du monde. La reine
et son escorte traversèrent la place royale toute tapissée de tentures, d'étoffes rares, de guirlandes de fleurs. Aux fenêtres
des pavillons, les toilettes les plus extraordinaires et les plus riches, pendant qu'un peuple immense circulait sous les
arcades et dans les jardins. Au terme du règne de Louis XIV, en 1715, les ambassadeurs persans suivront le même trajet.
[In idem, ibidem, p. 22.]
(99)
Mas esta manobra de assentar as ceras no esqueleto contêm
em si dois objectos: um é o referido assentamento, outro ir juntamente construindo o macho, ou caroço, que fica
dentro da cera, para que o metal não encha todo o vácuo, mas só o espaço, que ocupa a cera; a qual a seu tempo, e à força
de fogo se faz expelir, para o metal ir depois introduzir-se no lugar, que a cera ocupava: e acabado que foi este trabalho,
tornei com os meus operadores a dar os últimos retoques no meu modelo de cera já encrostada sobre o predito esqueleto de ferro,
e referido macho, ou caroço.
[In Joaquim Machado de Castro, Memória sobre a estátua equestre,
in Joaquim Machado de Castro. Escultor conimbricense, p. 347.]
No final deste parágrafo, o escultor coloca uma nota onde revela:
Todas estas manobras são tiradas das duas descrições das estátuas de Luís XIV, e Luís XV.
[In idem, ibidem, p. 347.]
Os meios técnicos utilizados na deslocação da estátua equestre
de D. José da oficina de fundição para o Terreiro do Paço, foram praticamente idênticos aos utilizados em França para transportar
a de Luís XIV do local onde foi construída (o Convento dos Capuchinhos de Paris) para a Praça Vendôme [Fig. 12].
(100)
No que pertence à Acção, ou Feito, que nos
representa o herói, nem pela sua imagem, nem pelos acessórios, podemos alcançar este conhecimento. O autor antigo da estátua
de Marco Aurélio, representou o seu herói, como pai do povo, em Acção de o proteger. Girardon mostrou Luís XIV,
na sua Estátua, como dando ordens aos seus Exércitos. Bouchardon lembrou-se do título, com que os seus naturais caracterizaram
Luís XV, o Bem-Amado: e por isso o figurou apoiando a mão no bastão de comando por uma extremidade, e firmando a outra
sobre a coxa direita; mostrando usar da autoridade régia com doçura.
Neste apoiar a mão, em lugar de pegar-lhe, consiste
o fino desta expressão: é certo que apoiando, não se pode usar do bastão com a mesma violência, com que se pode mover
pegando-lhe: e isto é que quiseram mostrar aqueles judiciosos, e instruídos escultores, para indicar, do modo que lhes era
possível, a benignidade dos seus heróis, e as outras qualidades, ou Acções, que lhes exprimiram com diversas atitudes,
e mais circunstâncias. Todas estas meditações, e muitas mais faz um escultor, ou pintor, que judiciosa, e cientificamente
maneja a sua arte.
[In Joaquim Machado de Castro, Descrição analítica da execução
da real estátua equestre do senhor rei fidelíssimo D. José I, pp. 12-13.]
(101)
Sendo a Atitude a terceira qualidade, em que prometi
discorrer, digo que é insípida: e ainda que isso procedesse de se lhe não ter determinado Acção activa, que se fingisse
estar o herói executando; vem especialmente esta falta da mão, que desenhou: a incorrecta simetria, os desacertados contornos,
a mesquinhez de umas partes, o pesado de outras, tudo concorre para esta insipidez. Não tem garbo, nem aquele ar de vitalidade,
que encerra em si um como engano da vista. Este ponto ainda é mais difícil: e ainda que a figura tenha beleza; faltando-lhe
o espírito, pouco será o seu merecimento. Diz Horácio, que
Não basta que o poema seja belo,
Deve ser persuasivo...
E o seu comentador lusitano, ilustrando este lugar,
com Dacier, se vale da pintura, dizendo, que: em faltando a vitalidade às figuras, não consegue o professor o fim
da sua arte.
Não faltará quem julgue ser uma mesma coisa Atitude,
e Acção, ou Feito, em que se exprime a figura; porém eu acho-as muito diferentes: confesso que elas são tão
unidas, como a alma com o corpo; mas assim como a alma, e corpo são duas substâncias totalmente diversas, assim Acção,
e Atitude são dois acidentes absolutamente distintos. Exemplo: quer-se representar um homem lendo em um livro: o ler,
é a Acção, ou Feito, neste caso; porém pegar no livro com uma, ou ambas as mãos, estar em pé, sentado, ou encostado,
mais, ou menos torcido, etc., esta é a Atitude.
[In idem, ibidem, pp. 14-15.]
(102)
Se a Acção Épica não só deve ser grande, porém
maravilhosa, útil, e interessante, para uma Estátua Equestre, deve-se escolher a que ornada destes predicados
represente a virtude mais brilhante do Herói, e com uma tal atitude, que além de ser animada, seja muito conforme ao Carácter,
Qualidade, Emprego, e Estado da pessoa, cuja imagem se representa: não só para respeito, e veneração
da Personagem efigiada; mas para que este Padrão das suas virtudes fique mudamente falando, e servindo de estímulo de imitação
à Posteridade.
[In idem, ibidem, pp. 8-9.]
(103)
Antes de Vossa Alteza felicitar os horizontes do Reino Unido
de Portugal, Brasil, e Algarves, e antes que o nosso augusto soberano tomasse a denominação de rei destes vastos domínios,
já eu como escultor da sua real casa, havia projectado fazer-lhe um elogio figurado; por ordem que para isso tive, e oferecer-lho
não só em meu nome, como no de todos os indivíduos da repartição das obras públicas, a que me vejo ligado: mas como isto devia
ser executado por minha própria mão, e eu não julgo dever preferir as obras de que estou incumbido, às que são casuais, e
o modelar de própria mão cinco figuras com os seus acessórios, carece de muito tempo; isto é que tem demorado tanto a apresentação
deste obséquio.
[In Joaquim Machado de Castro, Memória sobre a estátua equestre,
in Joaquim Machado de Castro. Escultor conimbricense, p. 259.]
(104)
O Feito, ou Acção, em que se representa é
= Regenerando o Brasil; = título do seu principado: e isto se indica na atitude de dar ordens, com o seu bastão de
comando superior na mão direita: vendo-se em torno do seu plinto atributos das ciências, das artes, da milícia, da indústria,
da agricultura, e do comércio; os quais, com a mão esquerda, está indicando, para que se ponham em prática os exercícios,
que os tais símbolos designam; a fim de conseguir-se a dita Regeneração. Na mesma frente, à esquerda, e em cima do
mesmo plinto, junto à estátua, se vê um globo geográfico, por ser um dos símbolos das ciências, e para indicar que os soberanos
de Portugal têm domínios em todas as quatro partes do mundo.
O plinto (contra o costume ordinário) é um cubo, perfeitamente
quadrado, equilátero, e equiângulo: porque assim é símbolo da estabilidade, permanência, e firmeza. E para adoçar o excesso
de elevação do mesmo plinto, é (no lugar onde deveria começar, ou terminar a sua medida) cingindo com duas varinhas de carvalho,
cujos extremos se unem na frente, servindo-lhes de jóia (no lugar do atado) as armas do mesmo herói.
As folhas, e bolotas desta grinalda, é que dão a conhecer,
que é de carvalho; colocando-se neste lugar, não só pelo que fica dito (a respeito de adoçar-lhe, o que tem de mais na elevação),
como também, porque o carvalho é símbolo da estabilidade dos impérios.
Os atributos, que ficam acima referidos, colocam-se em torno
do referido plinto pelo motivo indicado de adoçar-lhe a elevação, assentando sobre a cimalha do pedestal, que deve ser da
ordem jónica; ocultando-se-lhe parte da própria base do mesmo pedestal, para mostrar que ele vem saindo do centro do
território, em que aparece; pois deve assentar, ou expor-se em um terraço montuoso; visto que no Brasil ainda há grande porção
de terreno inculto, e sem civilização; a cuja falta o herói se acha ocorrendo.
[In idem, ibidem, pp. 261-262.]
(105)
Os retratos, por exemplo, revelam qual a pose, os gestos,
a expressão e os bens que o artista considerava (ou pensava que o seu cliente considerava) apropriados para determinado
papel social, incluindo a armadura para os nobres que nunca lutaram e livros para os bispos que nunca estudaram. Representar
o papel de grande nobre na Inglaterra dos séculos XVI e XVII implicava enormes despesas em bens deste tipo, incluindo roupas
sumptuosas e uma grande casa, sem as quais quem desempenhava esse papel não receberia o respeito e adoração a que se
achava com direito.
[...]
Haverá que acrescentar que um dado grupo social pode desempenhar
papéis diferentes, e que num dado momento os seus membros podem ter que escolher papéis. O papel de rei, por exemplo não gerava
na Inglaterra de 1760 as mesmas expectativas que em 1066.
[In Peter Burke, Sociologia e História, pp. 48-49]
(106)
The king is generally
portrayed in armour, Roman or medieval, or in the royal mantle decorated with fleurs de lis and fringed with ermine.
He combines these archaic costumes with a late seventeenth-century wig. In his hand is an orb, a sceptre or a baton, all symbols
of command. His figure is usually impassive and immobile, and this pose too symbolises power. It is probably what contemporaries
are referring to when they comment on the air of grandeur or majesty in royal portraits.
[In Peter Burke, The
fabrication of Louis XIV, p. 32.]
(107)
Um exemplo flagrante de como são quiméricas estas representações
dos soberanos absolutos, é o busto de D. João V de Giusti [Fig. 13] destinado à livraria do Palácio das Necessidades,
hoje colocado na Sala da Bênção do Convento de Mafra depois de ter estado durante largos anos no Palácio de Belém. Neste caso,
como observa Maria Margarida Calado num artigo sobre os artistas imigrados no período joanino, o escultor romano retratou
o rei de forma idealista, no auge da vida, coroado de louros e rodeado por símbolos das artes e ciências que ele protegera,
uma imagem de D. João V totalmente inverosímil à data da feitura da referida obra (1747), pois nessa altura o soberano padecia
de uma grave moléstia e achava-se fisicamente diminuído, aguardando com resignação uma morte anunciada.
[Vide Maria Margarida Barradas Calado, Artistas imigrados
no Portugal de D. João V.]
A intenção deliberada dos artistas em melhorar a imagem física
do sumo imperante, retocando-a no sentido de apagar possíveis mazelas ou fazer passar despercebidas deficiências corporais,
remonta à Antiguidade Clássica. Na realidade, o velho Luís XIV não inovou absolutamente nada quando escondeu a sua calvicie
com uma bela cabeleira negra ao posar para Rigaud, pois também o franzino Octávio (na apreciação que dele fez Suetónio) foi
representado pelos escultores com a cabeça e o troco de um atleta grego (a estátua de Augusto colocada na Prima Porta inspirava-se
numa figura grega idealizada, cinzelada no inicio do século IV A.C.).
[Vide John Woodforde,
The history of vanity, pp. XII e 88.]
(108)
As for the expression
on the royal visage, it tends to vary between ardent courage and a dignified affability. A smile was apparently considered
inappropriate for a king of France. Indeed, it has been suggested that it was the indecorous
smile on the face of the equestrian statue by Bernini, wich led to its rejection, or more exactly - since it would have been
a pity to waste the marble - to its recycling into an ancient Roman hero.
[In Peter Burke, The
fabrication of Louis XIV, p. 32.]
(109)
Sobre esta pintura, exposta sobre o segundo altar lateral situado
à esquerda de quem entra na nave, o artista anónimo (provavelmente agastado pelo facto de D. Maria I ter encomendado a um
estrangeiro os vários quadros que ornamentam o templo) formula a seguinte crítica:
No painel em que se mostra alegoricamente a Soberana de
Portugal, não há menos que notar; quando nele reparei, apenas podia crer o que via, que posição é aquela em que está representada
a rainha? Pintaria Batoni de um outro modo uma mulher enfeitada da plebe? Em que se descobre ali o carácter e majestade de
uma soberana? Que responderia Batoni a estas interrogações?... Se tivesse lido ao menos a arte da pintura de Mr. Du Fresnoy,
ele teria enriquecido o seu espírito com as grandes ideias que aquele poeta sabe inspirar; é coisa usada representar as figuras
mudas da pintura com a mão no peito, quando se quer exprimir algum dos afectos da alma, que alguns filósofos disseram que
residia no coração, porém Batoni querendo sair desta acção trivial, pôs a mão da rainha sobre o ventre, e tendo esta a cabeça
levantada, e olhando para Santa Teresa, parece que se queixa de alguma dor que está sofrendo...
[Citado por Ayres de Carvalho, A Basílica da Estrela no
segundo centenário da sua fundação, pp. 28-29.]
(110)
The paintings of Charles
I himself of course subsume many of these ideas into the most powerful visual statements of the claim of virtue to exercise
government. The man in domestic harmony with his family may rule harmoniously as the father of his people [Fig. 14]; the monarch in Garter robes is the
quintessence of nobility and piety. The three most famous paintings of Charles I, however, depict him on horseback or with
his horse and attendants à la chasse [refere-se aos três conhecidos quadros de Van Dyck pintados entre 1633
e 1637]. Here we view, at first reading, the accomplished noble hunter, the horseman, the heir to emperors mounted
à l'antique, the martial victor riding through the arch of triumph. But as we read in the literature of Caroline England,
we learn that the mastery of the great horse was recommended for young princes as an education in taming the passions. Specifically
Sir Henry Wotton in Plausus et Vota depicted the king's command of the great horse as a symbolic of his taming of the
furies. In Le Roi à la chasse the beast bows its head towards the king, who strives not as a hunter but commands the
natural world he surveys. His triumph is not merely over himself; it is - note the gaze of St. Antoine - that of Christ, over
the sins that had thrown confusion into paradise."
[In Kevin Sharpe, The
personal rule of Charles I, pp. 224 e 227.]
A escola inglesa cultivou até ao final do século XVIII estas
formas simbólicas de representar as figuras reais. Um bom exemplo disso é a estátua equestre de Carlos II de Stuart colocada
em Cornhill Exchange (naquela época o local onde
tinham início as entradas entradas reais na cidade de Londres), na qual a personificação da Rebelião se encontra caída
por terra, calcada pelas patas do cavalo [Fig. 15]. Quanto à representação do rei caçador num momento de descanso,
encontramos no período georgiano vários exemplos da sua persistência e boa aceitação, como se pode verificar num dos mais
conhecidos retratos do príncipe regente Jorge, futuro rei Jorge IV [Fig. 16].
(111)
Existe um manuscrito intitulado Projecto de execução do
retrato de D. José que transcreve os pareceres emitidos sobre este assunto numa sessão da Academia Real da História Portuguesa
realizada antes de 1729, data da morte do 2º marquês da Fronteira, um dos mais activos participantes nessa reunião académica.
O tema da conversa era sobre os símbolos reais que deveriam
constar no retrato do rei - coroa, ceptro... -, qual a sua localização - se o rei coroado ou a coroa sobre o bufete, se o
ceptro deveria ou não ser empunhado ... - e configuração - coroa aberta ou fechada, disposição das armas reais... -, pondo-se
sempre em evidência o princípio de que as insígnias reais nunca poderiam ser iguais às colocadas nos retratos dos familiares
do rei, nem mesmo nos do príncipe do Brasil, apesar de ele ser o herdeiro presuntivo do trono.
[Vide Projecto de execução do retrato de D. José, fls. 13-16.]
É importante sublinhar que os quatro principais intervenientes
nesta sessão académica, integravam o círculo restrito dos colaboradores do Magnânimo. D. Fernando de Mascarenhas (2º
marquês da Fronteira) pertencia ao Conselho de Estado e desempenhava as funções de presidente da Academia Real da História
e do Desembargo do Paço, D. Joaquim Francisco de Sá Almeida e Meneses (2º marquês de Abrantes) ocupava os cargos de vedor
da Fazenda e gentil-homem da Câmara de D. João V, D. Manuel Teles da Silva (3º marquês de Alegrete) fora nomeado secretário
perpétuo da mencionada academia e D. Francisco Xavier de Meneses (4º conde da Ericeira) era um dos directores e censores desta.
[Vide Nobreza de Portugal e do Brasil, vol. 2º, pp.
205, 222, 562 e 624.]
Note-se, ainda, que o retrato do principe D. José referenciado
na acta desta sessão académica, talvez seja aquele que podemos observar no Palácio de Mafra, atribuído a Antoine Quillard
e executado por volta de 1728 [Fig. 17]. Nesta pintura encontramos vários adereços alusivos à majestade real, mas não
aparece nenhum artefacto específico do poder régio, nomeadamente a coroa e o ceptro:
Nesta obra estão presentes os atributos de Majestade, Autoridade
e da Justiça - a cortina, a mesa, de larga tradição hispânica e a coluna, símbolo de Majestade (raro nessa mesma tradição
mas frequente noutras escolas). O relógio que se vê na pintura representa o Bom Governo, reflectindo também a linguagem hispânica,
pois noutras correntes significa a Temperança. A erudição traduz-se na presença de um livro. Na mão direita, o Infante apresenta
ao espectador a Grande Cruz da Ordem Militar de Cristo que, como seu pai, terá recebido quando foi declarado herdeiro do trono.
Ao apresentar D. José como futuro Rei de Portugal, a pintura formaliza (pedagogicamente) a sucessão e a continuidade da dinastia
dentro dos valores expressos nas várias alegorias, mensagem que se destina ao espectador e, quem sabe, oferecendo-se à reflexão
do próprio Príncipe.
[In José Fernando Pereira e outros, Lisboa no tempo do rei
D. João V (1689-1750), p. 87.]
(112)
Los recursos tradicionales
del retrato español no satisfacían en absoluto el concepto de majestad de los Borbones, que preferían verse retratados en
un auténtico trono que aludiendo a él discretamente por la mano que se apoya en el respaldo de un sillón medio oculto; revestidos
con el manto, y no sólo con el collar del Toisón de Oro, o con sus arreos, recibiendo la sumisión expresa de sus reinos, y
acompañados frecuentemente por figuras alegoricas o mitológicas que refuerzan su majestad al exponer con claridad sus virtudes
y cualidades. Aunque aparecen novedades iconograficas, en definitiva, los simbolos tradicionales de la monarquía eran los
mismos para los franceses que para los españoles: Baudoin, en su Recueil d'emblemes representaba la monarquía por medio
de una mesa sobre la que descansa una corona y de un espejo. La mesa es un atributo de la majestad y de la justicia, y no
puede ser confundida con la mesa instrumento de trabajo, al que no hace ninguna referencia; y la posición de pie, apoyado
levemente sobre ella, no se debe a un artificio del pintor colocando a su modelo, sino que está tomada directamente de la
etiqueta cortesana. Prácticamente nunca la mesa que acompaña a los soberanos Austrias soporta la corona, cosa que sí sucede
el cien por cien de las veces en los retratos de los Borbones. El espejo, entre sus múltiplas connotaciones, tiene una que
se adapta particularmente bien a la persona del principe, que espejo es publico en quien se mira el mundo, siendo el
espejo, además, el atributo de la prudencia, virtud que mas que cualquier otra debe adornar al príncipe.
[In Miguel Moran Turina, La
imagen del rey. Felipe V y el arte, pp. 33-34.]
Os conhecidos quadros de Van Loo e de Van Meytens "O Jovem"
retratando, respectivamente, as famílias de Filipe V e Maria Teresa de Áustria (em exposição no Museu do Prado e na Galeria
Palatina do Palácio Pitti) [Fig. 18], mostram bem a enorme influência que a pintura de corte francesa. Na Espanha bourbónica
e Áustria habsburguesa. As colunas, arcos, balaustradas, drapeados e a presença de músicos tocando, levam ao extremo o pendor
teatral já observável nos retratos de aparato de Rigaud e dos seus epígonos [ver nota 79].
(113)
La belleza es, pues, un rasgo
proprio y distintivo del gobernante porque su detentación constituye en si misma un simbolo de su superioridad física y moral
que legitima su situación privilegiada dentro de la jerarquia social. En su libro, Huarte insistía en la circunstancia de
que ser el Rey hermoso y agraciado es una de las cosas que más convidan a los súbditos a quererle y amarle, por que el
objeto del amor, dice Platón que es la hermosura y buena proporción; y si el Rey es feo y mal tallado, es impossible que los
suyos le tengan afición, antes se afrentan de que un hombre imperfecto y falto de los bienes de la naturaleza los venga a
regir y a mandar. Y este estado de opinión se mantuvo a lo largo de todo el siglo XVII. A modo de ejemplo sólo recordaremos
la forma en que Van der Hammen elogiaba el porte externo de Felipe II y el hecho de que Gracián señalara entre las grandes
necedades la existencia de una reina fea, que hiciera corresponder la belleza de Artemia a sus virtudes morales y que, yendo
mucho más lejos, llegase a afirmar que la hermosura del cuerpo había sido creada para la virtud. Una idea ésta que siguió
operante en el siglo XVIII y sobre la que se hizo gran hincapié en los panegíricos funerales.
Pero la belleza física nos
es sólo una condición propria e inherente de la persona real, y que, en concuencia, sólo por eso debe encontrarse en ella.
La belleza es también un útil y conveniente estímulo para mover las voluntades y atraer las lealtades. La belleza y la noble
apariencia física son una forma de imperio, y su exacta representación, el retrato, constituye un asunto de estado.
[In idem, ibidem, pp.
24-25.]
(114)
De hecho, la imagen con que
los súbditos se han representado a su rey ha variado muy poco a lo largo de los tiempos. Siempre se ha ajustado a unos patrones
tópicos - fortaleza, belleza, prudencia, sabiduría... - mantenidos de forma casi invariable, y los cambios más notables producidos
en ella se han debido no al abandono de alguna de estas cualidades sino a la deferente prelación que se establece entre ellas
en cada una de las épocas. Y la gran popularidad de que gozó el nuevo rey, Felipe V, se debió, en gran parte a que su persona
se ajustaba muy exactamente a los patrones establecidos por sus subditos a finales del siglo anterior, durante los últimos
años de la vida del rey hechizado [refere-se a Carlos
II].
[In idem, ibidem, p.
18.]
(115)
El de rey es un oficio más
y, por tanto, exige un temperamento preciso para ser ejercido con competencia: el templado, que, a su vez, es reconocible
a través de algunos rasgos fisicos determinados que estableció ya Galeno: el cabello subrufo, que es un color de rubio
y blanco mezclado, ser bien sacado y airoso, de buena gracia y donaire, de manera que la vista se recree en mirarlo
como figura de gran perfección.
[In idem, ibidem, p.
22.]
(116)
C'est pourquoi la présence
du Roi sur les tableaux, dans la sculpture, sur les monnaies et médailles, et la constante et répétitive présence des symboles
de ce prince (le soleil et ses rayons), si elle ne se relie pas aux usages paiens de la Rome impériale, encourage le loyalisme, anime le patriotisme. Le Roi n'est jamais éloigné, et celui
qui serre dans sa huche sa première pièce d'argent a gagné en sus de son salaire un portrait de Sa Majesté.
[In François Bluche,
Louis XIV, p. 916.]
(117)
Jusqu'à Louis XIV, tableaux,
effigies des monnaies, médailles habillent le roi en héros de l'Antiquité ou en dieu olympien. En 1607, Henry IV est figuré
parmi les fondateurs d'empire comme Charlemagne mais aussi comme Alexandre ou César. Sur une pièce de monnaie, il est représenté
en Hercule nu portant une masse sur l'épaule, sur une autre en Atlas, Minerve ou Mars. Louis XIII est plus souvent Apollon quand Anne d'Autriche est Junon. Louis XIV, on le sait,
prise particulièrement le dieu solaire, ainsi qu'on le voit dans les fêtes et carnavals du début du règne; mais Hercule conserve
une bonne cote et on ne dédaigne pas voir dans le Grand Roi Mars ou Jupiter de ce bas hémisphere. La race sainte s'accommode
ainsi, au temps du grand éclat du droit divin, de ces images symboliques propres à amplifier l'admiration et la reconnaissance
des sujets envers un être hors de pair en ce monde.
[In Jean Barbey, Être
roi, p. 261.]
A utilização da medalhística para propagandear a glória da
realeza absoluta e perpetuar a sua memória per seculo seculorum era feita de modo consciente e manifestamente assumida
pelos académicos franceses:
Chapelain répondant à Colbert, responsable de la fondation
académique, note à propos des médailles: C'est une invention dont les Grecs et les Romains se sont servis pour éterniser
la mémoire des actions héroiques de leurs Princes, de leurs capitaines et de leurs Empereurs, à cause de l'incorruptibilité
des métaux dont elles étaient composées, surtout celles d'or et d'argent.
[In Jean Marie Goulemont,
Le règne de l'Histoire. Discours historiques et révolutions XVIIe-XVIIIe siècle, p. 173.]
(118)
Vide Altar, in Dicionário dos Símbolos, p. 57.
(119)
Vide Pirâmides, in ibidem, p. 528.
(120)
Vide Oliveira, in ibidem, p. 486.
(121)
O manuscrito existente na Biblioteca Nacional de Lisboa contém
três projectos alternativos para a feitura de uma medalha em honra de D. José I, sendo que o segundo e o terceiro [ver descrição
deste último na nota 136 do 3º capítulo] são os mais originais do ponto de vista iconográfico:
I
Busto, ou retrato de Sua Majestade, e ao redor: Josephus
I Lusitaniae Rex Fidelissimos Aug. P.P.
No reverso; a efígie da mesma estátua. Ao redor: S.P.L.O.
Reg Opt. Max.
Ao pé D.V.
II
Efígie de Sua Majestade. Ao redor: Josephus I Lusitaniae
Rex Fidelissimos.
No reverso: Uma ara, ou pirâmide, em cima desta, um círculo,
formado de uma vara com folhas de oliveira: aos lados o círculo, e ara, duas figuradas: na parte direita a figura da Lusitânia,
a mão esquerda, segurando o círculo, e o braço direito estendido, e na mão o escudo das armas de Portugal. Da parte esquerda,
a figura da cidade de Lisboa; a mão direita, segurando o círculo, e o braço esquerdo estendido, e na mão o escudo das armas
da cidade de Lisboa: e no meio do dito círculo estas palavras.
VOT
PVB
Ao redor: Aeternae Lusitanorum Gloriae
Ao pé: Populorum Amor, et Benevolentia
[In Projecto de uma medalha em honra de D. José.]
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