Home | Contactos | SMF - PARTE I - Capítulo I | SMF - Notas (Parte I, Cap. I) | SMF - PARTE I - Capítulo 2 | SMF - Notas (Parte I, Cap. 2) | SMF - Parte I - Capítulo III | SMF - Notas (Parte I, Capítulo 3º) | SMF - Parte I - Capítulo IV | SMF - Notas (Parte I, Capítulo 4º)

Sua Majestade Fidelíssima

SMF - Notas (Parte I, Cap. 2)

(1)

Dans le monde gréco-latin, la monarchie n'a connu que des succès tardifs et sous une forme fortement personnalisé. En effet, passé l'âge des royautés homériques et survenu celui des cités, les philosophes grecs l'ont fait figurer en bonne place dans leurs typologies des régimes politiques, l'opposant à la tyrannie, gouvernement d'un seul pour son avantage personnel et dans l'infidélité aux lois. Platon et Aristote y voient une formule intellectuellement idéale, mais peu praticable à moins de reposer sur un homme exceptionnel.

[...]

Les Romains, eux aussi, aux deux premiers siècles de leur histoire s'y sont frottés: mais la royauté, parce que étrusque, leur fut odieuse et ils répandirent une vision négative."

 

[In Jean Barbey, Être roi, p. 10.]

 

Outros historiadores vislumbram, embora isso nos pareça excessivo, um cunho intrinsecamente monárquico no pensamento de alguns filósofos gregos do período clássico, considerando também não ter a república romana subvertido por completo a noção da sacralidade da instituição real:

 

Tous les philosophes, Isocrate, Xénophon, Platon, avaient vu la nécessité des réformes, et l'idée avait germé qu'un retour à la monarchie était seule solution possible. C'est que, dans la république grecque, le roi, qu'on ne pouvait pas dissocier des dieux, n'avait jamais cessé d'être au coeur même de la pensée.

[...]

Le peuple romain, très religieux, est parfaitement conscient que l'abolition de la monarchie a été un acte irréligieux qui n'a pu qu'éveiller la colère des dieux, vivant eux-mêmes sous la royauté de Jupiter. Pour les calmer, il recourt alors à une ruse digne de celles qu'affectionnent les fourbes Olympiens, notamment pour leurs peu innocentes amours: il laisse subsister une apparence de monarchie, représentée pas les rex sacrorum, les pontifex maximus, héretiers des fonctions liturgiques des anciens rois. Le monarque républicain, qui certains disent fossilisé, incapable de jouer le moindre rôle, ne gardant presque plus rien de sa gloire que les poids des tabous [refere-se a Marc Bloch - Religion romaine - e Mircea Eliade - Histoire], n'est pourtant pas dénué de toute importance puisque, souverain pontife, il conserve la direction de la religion et enseigne à l'État et aux citoyens les devoirs qui leur incombent.

 

[In Jean-Paul Roux, Le roi. Mythes et symboles, pp. 38 e 40-41.]

 

Em plena época helenística (séc. III a.C.) ainda persistia nas cidades do Peloponeso um forte sentimento anti-monárquico, pois os detentores dos direitos civis continuavam afeiçoados às liberdades democráticas [Ver Anexo 4-C]. Verificava-se mesmo a invulgar situação de os gregos preferirem aceitar o jugo de um soberano estrangeiro a proclamarem rei um compatriota, dado parecer-lhes inconcebível atribuir a este último um domínio absoluto sobre os seus concidadãos [Ver Anexo 4-B].

 

(2)

Ocupações dos reis dos Feaces - Logo surgiu a Aurora do trono magnífico, que veio acordar/ Nausícaa, a dos peplos formosos. Admirada com o sonho que tivera,/ atravessa o palácio, para ir contá-lo aos seus progenitores,/ ao pai querido e à mãe. Encontrou-os a ambos dentro de casa/ - a mãe sentada junto ao lar, com suas aias,/ a fiar a lã cor da púrpura marinha; ao pai, encontrou-o/ quando ia a sair a porta, juntamente com os ínclitos reis,/ a caminho do conselho, ao qual o convocavam os ilustres Feaces.

 

[In Hélade. Antologia da cultura grega, pp. 58-59]

 

(3)

Vide Claude Mossé, Histoire des doctrines politiques en Grèce, p. 8.

 

A cidadania era apenas conferida a uma minoria de privilegiados, sendo por isso absurdo considerar a monarquia homérica uma democracia.

 

(4)

Vide Jacques Ellul, Histoire des Institutions - L'Antiquité, pp. 31-32.

 

(4)

Vide Jacques Ellul, Histoire des Institutions - L'Antiquité, pp. 31-32.

 

La monarquia [na pólis] corresponde a los siglos XI, X y IX a. de C. Pensemos en una organización muy simple y de reducidas dimensiones: una aldea. La familia extensa constituye la base de esta estructura social. Uno de los jefes de las familias, el más prestigioso, es el caudillo de los guerreros, decide como juez en los litigios, ayudado por la asamblea que forman con él los otros jefes de familias (los nobles del lugar), y oficia como sacerdote. Es el basileus. Su poder de mando - no podemos llamarlo poder político, puesto que no tiene una organización a su servicio - es muy limitado fuera de la guerra y aun en ésta no puede pensarse en un general al frente de un ejército, sino en un caudillo que lidera a nobles que combaten en sus carros individualmente, asistidos cada uno por su séquito, tal como lo describe Homero.

 

[In Fernando Prieto, Manual de Historia de las Teorías Políticas, p. 6.]

 

(5)

Ainsi, faisant parler trois nobles Perses sur des problèmes qui étaient en realité ceux des cités grecques, Hérodote paraissait conclure à l'excelence de la monarchie. Pourtant, on ne peut manquer de remarquer que c'est le discours d' Otanés qui est le mieux construit: l'attaque contre la tyrannie en particulier est la plus approfondie, et cela n'étonne pas de la part d'Hérodote, qui lui-même a fui la tyrannie établie dans sa cité avec l'appui des Perses.

 

[In Claude Mossé, Histoire des doctrines politiques en Grèce, pp. 19-20.]

 

(6)

In Hélade, pp.490-491.

 

(7)

Na célebre oração fúnebre dedicada por Péricles aos soldados mortos em defesa da liberdade ateniense contra o autoritarismo espartano, citada por Tucídides em História da Guerra do Peloponeso, elogia-se a democracia ateniense por ser o regime da tolerância, da igualdade perante as leis, respeito pelo poder instituído de modo legítimo e valorização do mérito individual, independentemente da condição social do nascimento:

 

O regime político que nós seguimos não inveja as leis dos nossos vizinhos, pois temos mais de paradigmas para os outros do que de seus imitadores. O seu nome é democracia, pelo facto de a direcção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria; em relação às questões particulares, há igualdade perante a lei; quanto à consideração social, à medida em que cada um é conceituado, não se lhe dá preferência nas honras públicas pela sua classe, mas pelo seu mérito; nem tão-pouco o afastam pela sua pobreza, devido à obscuridade da sua categoria, se for capaz de fazer algum bem à cidade.

Administramos livremente os assuntos da comunidade, bem como o que toca à mesquinha e recíproca observação da vida quotidiana, sem estarmos encolerizados com o próximo, se faz alguma coisa a seu bel-prazer, e sem lhe lançar em rosto censuras que não são um castigo, mas que importunam. Mas, ao passo que vamos vivendo a nossa vida particular, sem causarmos incómodos, na nossa vida pública, temos receios de fazer transgressões, pois damos ouvidos aos que se conservam no poder das leis, especialmente àquelas que foram estabelecidas para socorro dos oprimidos e às que, mesmo sem serem escritas, causam em quem as transgredir uma vergonha que todos reconhecem.

 

[In Tucídides, História da guerra do Peloponeso (Livro II, 37), citado in Hélade, p. 295.]

 

(8)

Sobre este assunto leia-se o capítulo quarto da obra de Guthrie intitulada The Sophists ("Antítese Nomos/Fisis na moral e na política").

 

[Vide W.C.K. Guthrie, Les Sophistes, pp. 63-141.]

 

Acerca da pouca importância da lei, diz Eurípides:

 

Pela minha parte, declaro que não se deve respeitar a lei [Nomos], /nas situações críticas mais do que a necessidade.

Quere-o a natureza [Fisis] que nada cuida das leis [Nomos].

 

[In João Ribeiro Ferreira, Participação e poder na democracia grega, p. 133.]

 

Visão diversa tem Demóstenes:

 

Toda a vida dos homens, Atenienses, quer a pólis em que habitem seja grande, quer pequena, é regulada pela natureza [Fisis] e pelas leis [Nomos]. Desses elementos, a natureza é irregular e, para cada pessoa, particular ao possuidor: as leis, pelo contrário, são algo de comum. fixo e o mesmo para todos. Desse modo a natureza, se é vil, com frequência deseja o que é inferior. Daí que depois depareis com pessoas dessa espécie a cometer erros. Já as leis desejam o que é justo, belo e útil, e procuram-no; logo que o encontram, proclamam - na ordem comum, igual e a mesma para todos. Eis o que é o nomos.

 

[In Demóstenes, Contra Aristogíton, citado por idem, ibidem, p. 134.]

 

(9)

Vide Hélade, p. 148.

 

(10)

Vide Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. I Edad Antigua, p. 77.

 

(11)

A apologia do escravo nas tragédias de Eurípides, considerado igual ao homem livre em humanidade e espírito, certifica-nos do mal-estar que a questão da concessão de direitos de cidadania aos servos suscitava em Atenas:

 

Aos escravos apenas uma coisa traz vergonha,/ o nome; em tudo o resto não é inferior aos homens livres/ nenhum escravo, desde que tenha uma alma nobre.

 

[In Eurípides, Ion, citado por João Ribeiro Ferreira, Participação e poder na democracia grega, p. 135.]

 

Quanto a mim, se o nascimento me fez servo,/ possa ao menos ser contado entre os nobres/ escravos; se bem que não tenha um nome livre,/ sou-o, contudo, de espírito. É melhor do que por dupla desgraça...

 

[In Eurípides, Ion, citado por idem, ibidem, p. 135.]

Em relação aos estrangeiros (metecos), a situação de desfavor em que se encontravam provocava também protestos:

 

Meu pai, instado por Péricles, veio estabelecer-se nesta terra em que habitou trinta anos. Nunca citámos, nem ele nem nós, ninguém em justiça e também não fomos acusados. Enquanto durou o regime democrático, vivemos de modo a não causar dano aos outros nem a deles sofrer injustiça.

[...]

Não nos deixaram sequer, por piedade, a menor parcela dos nossos bens. Na sua cupidez, causaram-nos tanto dano, como se tivessem contra nós o ressentimento de grandes injúrias. Não o merecíamos pelo devotamento à cidade: exercemos as coregias e liquidámos a contento as contribuições; mostrámo-nos pessoas honestas e cumprimos tudo o que foi prescrito; não provocámos ódios e de muitos prisioneiros atenienses pagámos o resgate aos inimigos. E todavia assim nos trataram, apesar de termos observado as nossas obrigações de metecos de maneira bem diferente da que eles cumpriram os seus deveres de cidadãos.

 

[In Lísias, Contra Eratóstenes, citado por idem, ibidem, pp. 118-119.]

 

A necessidade de restringir a um pequeno número de habitantes da cidade os direitos de cidadania, negando a fruição das liberdades democráticas aos estrangeiros, é para Aristóteles uma conditio sine qua non da "pólis perfeita":

 

As actividades da pólis repartem-se pelos governantes e pelos governados; ora é tarefa do governante mandar e administrar justiça. Mas para julgar sobre questões de direito e para distribuir os cargos de acordo com os méritos, é necessário que os cidadãos se conheçam uns aos outros e saibam o que são; nos casos em que este conhecimento se não verifique, existe por força um exército dos cargos e uma administração de justiça de forma defeituosa, já que em ambos os domínios se não deve improvisar, como acontece evidentemente, quando há um número excessivo de população.

Além disso, os estrangeiros e metecos podem com mais facilidade usurpar os direitos dos cidadãos, já que lhes não é difícil passar despercebidos, graças ao excesso da população

 

[In Aristóteles, Política (7.4 8-14, 1326a 33-b25), citado por idem, ibidem, pp. 127-128.]

 

(12)

O democratismo de Demóstenes é sem dúvida um dos aspectos mais controversos para os seus biógrafos. Mais do que uma convicção política profunda, o ideais cívicos proclamados pelo orador ateniense eram sobretudo fruto dos complicados interesses políticos que dividiam Atenas no final do século IV a.C..

 

[Vide Claude Mossé, Démosthène. Ou les ambiguités de la politique.]

 

(13)

Vide Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. I Edad Antigua, pp. 93-94.

 

(14)

Torno agora ao que dizia: que convinha, Ésquines, fizesse a nossa cidade, ao ver que Filipe meditara e maquinara o domínio e tirania da Grécia? Que devia eu dizer ou ordenar, como conselheiro de Atenas - e isto é da máxima importância - eu, que desde que me lembro até o dia em que subi à tribuna, sabia que a minha pátria sempre combatera a hegemonia, pela honra e pela glória, e sacrificara mais vidas e bens por amor da honra própria e benefício de todos os gregos, do que cada uma das outras em defender-se a si mesma? Eu, que via Filipe, em conflito connosco, pelo império e pelo domínio, ter perdido um olho, quebrado uma clavícula, mutilado uma das mãos e um pé e que fácil e prontamente perderia qualquer parte do corpo desde que pudesse com o resto viver com honra e glória! Ninguém ousaria dizer que educado em Péla, então obscuro e pequeno povoado, atingisse tal magnanimidade que aspirasse ao principado da Grécia e a isso o levasse o seu ânimo. Mas que em vós, Atenienses, que dia a dia em todos os discursos e espectáculos contemplais os monumentos das virtudes dos antepassados, coubesse tão grande fraqueza que entregásseis a Filipe a liberdade dos Gregos! Ninguém pode compreendê-lo.

 

[In Demóstenes, A Oração da Coroa, pp. 20-21]

 

(15)

Embora muito marcada pela conjuntura política portuguesa de meados da década de cinquenta deste século, a opinião que Vieira de Almeida expressa sobre este assunto no prefácio da edição portuguesa de A Oração da Coroa, merece a nossa reflexão:

 

Atenas era a democracia; Macedónia a autocracia. Demóstenes bem o sabe, e alega que enquanto as suas próprias decisões encontravam obstáculos de vária ordem, Filipe mandava discricionariamente e era obedecido com prontidão; mas a forte cultura da inteligência que por ser tradição longa pode dizer-se que circulava já nas veias dos Gregos do tempo de Demóstenes não o deixa derivar de esse facto que conhece a preferência por um valor que não reconhece. Ele sabe que todos os males da democracia que defende não contrabalançam a vilania humilhante do despotismo que combate; ele não crê, à maneira dos profissionais do heroísmo alheio, que para uma democracia seja fatal a derrota ipso facto nem que Filipe seja necessariamente invencível, pela virtude mágica do mando absoluto; e mesmo depois da derrota procura averiguar o que levou ao desastre, sem se curvar perante qualquer interpretação ilusória da superioridade da força inimiga.

 

[In Vieira de Almeida, Prefácio, in Demóstenes, A Oração da Coroa, pp. LVIII-LIX.]

 

(16)

Vide Claude Mossé, Histoire des doctrines politiques en Grèce, p. 75.

 

(17)

Pero nos interesa Jenofonte, sobre todo, porque con su Ciropedia (La formacion de Ciro) comienza una nueva línea dentro del pensamiento politico griego que va a adquirir importancia un siglo mas tarde con el Helenismo: es la defensa del poder monarquico, ahora contemplado dentro de un espacio politico mayor que el de las poleis. La defensa de la monarquia se hace a través de la figura del monarca ideal que antecipa la idea del monarca como hombre providencial tan extendida en el Helenismo. Podríamos decir que se trata, a grandes rasgos, de un anticipo del despotismo ilustrado: el poder del monarca se legitima por su superior preparación.

 

[In Fernando Prieto, Manual de Historia de las teorías políticas, p. 34]

 

(18)

Livro IV 445. d-e: - Direi que uma das formas de constituição que nós analisámos será una, embora possa designar-se de dois modos: efectivamente, se surgir entre os governantes um homem só que se distinga, chamar-se-á monarquia; se forem mais, aristocracia.

- É verdade

- Contudo, isso considero-o eu como uma só forma de constituição, porquanto, quer haja vários, quer um só, não abalarão as leis importantes da cidade, desde que tenham a educação e instrução que expusemos.

 

[Platão, A República, p. 208]

 

(19)

Vide Sir Ernest Barker, Teoria política grega, pp. 196-197.

 

(20)

Vide Claude Mossé, Histoire des doctrines politiques en Grèce, pp. 77-78.

 

(21)

Para utilizar a expressão de Sir Ernest Barker.

 

[Vide Sir Ernest Barker, Teoria política grega, p. 248.]

 

(22)

Vide idem , ibidem, p. 265.

(23)

Vide idem , ibidem, p. 271.

 

(24)

In idem , ibidem, p. 266.

 

(25)

Quand donc il arrive à tout un lignage ou même à un individu de l'emporter en vertu au point que la sienne excède celle de tous les autres, alors il est juste que ce lignage ait le [pouvoir] royal et soit souverain en toutes choses ou que ce individu soit roi.

 

[In Aristote, Les politiques (Cap. XVII, 1288a 16-20), p. 272.]

 

(26)

Est [destiné] à être gouvernée par un roi la masse que caractérise une [aptitude] naturelle à produire un lignage l'emportant par une excellence à exercer la prépondérance politique; à être en aristocratie la masse qui a une [aptitude] naturelle à produire une masse capable d'être gouvernée par le pouvoir [appliqué à] des hommes libres par ceux qui ont la prépondérance politique du fait de leur vertu; à être en régime constitutionnel la masse dans laquelle surgit naturellement une masse guerrière capable d'être gouvernée et de gouverner selon une loi, laquelle répartit selon le mérite les magistratures entre les gens aisés.

 

[In idem, ibidem (Cap. 17, 1288a 7-15), p. 272.]

 

(27)

Sublinhe-se que Aristóteles considera a unicidade do poder real uma consequência da incipiência das instituições políticas existentes nas sociedades sujeitas a um regime monárquico, o qual é, por definição, transitório, pois deixa de ser útil quando os habitantes da polis progridem social e economicamente:

 

Et c'est peut-être pourquoi [les cités] furent d'abord gouvernées par des rois: parce qu'il était rare de trouver des hommes de beaucoup supérieurs en vertu, surtout qu'alors on habitait de petites cités. De plus c'est en fonction de [leur] bienfaisance qu'on établissait les rois, laquelle est le fait des hommes de bien. Mais quand se mirent à exister beaucoup [de gens] égaux en vertu, ils ne suportèrent plus [l'autorité royale], mais ils cherchèrent [une solution] commune et établirent une constitution [nouvelle (?)].

 

[In idem, ibidem (Cap. 15, 1286b 7-16), p. 264.]

 

(28)

Livro III, Capítulo VI - Atribuir a soberania à multidão em vez de a entregar aos homens distintos, que estão sempre em minoria, pode parecer uma solução equitativa e verdadeira da questão, se bem que ainda não resolva todas as dificuldades. Pode, com efeito, admitir-se que a maioria, cujos membros tomados separadamente não são homens notáveis, está, contudo, por cima dos homens superiores, senão individualmente, pelo menos em massa, do mesmo modo que uma comida paga por muitos é melhor que a que pode dar um particular pelos seus próprios meios. Nesta multidão, cada indivíduo tem a sua parte de virtude e ilustração, e todos reunidos formam, por assim dizer, um só homem, que tem mãos, pés, inumeráveis sentidos, um carácter moral e uma inteligência em proporção. Por isto a multidão julga com exactidão as composições musicais e poéticas; este dá o seu parecer sobre um ponto, aquele sobre outro, e a reunião inteira julga o conjunto da obra.

[In Aristóteles, Política, citado por João Ribeiro Ferreira, Participação e poder na democracia grega, p. 126.]

(29)

Em geral, os Estados monárquicos devem evidentemente conservar-se em virtude de causas opostas às que acabamos de focar, segundo a natureza especial de cada um deles. O reinado, por exemplo, sustenta-se pela moderação. Quanto menos extensas forem as suas atribuições soberanas, tanto mais probabilidades têm de manter-se em toda a sua integridade. Então o rei não pensa em tornar-se déspota; respeita mais em todas as suas acções a igualdade comum; e os súbditos, por seu lado, estão menos inclinados a ter-lhe inveja. Isto explica a larga duração do reinado dos molossos. Entre os lacedemónios durou tanto tempo porque, desde o príncipio, o poder dividiu-se entre duas pessoas, e porque, mais tarde, Teopompo suavizou o reinado criando outras instituições, sem contar com o contrapeso que lhe impôs a criação dos éforos. Debilitando o poder do reinado, deu-lhe mais duração; engrandeceu-o, longe de reduzi-lo, e quando a sua mulher lhe perguntou se não tinha vergonha de transmitir aos seus filhos o reinado com menos poder que aquele que tinha recebido dos seus maiores, ele contestou com razão: Certamente que não, porque assim lego-o muito mais durável.

 

[In idem, ibidem, p. 389.]

 

(30)

Vide François Châtelet, Aristote, in Dictionnaire des oeuvres politiques, pp. 30-31.

 

Esta opinião de Aristóteles não é confirmada pela História, já que as primeiras monarquias da Antiguidade Pré-Clássica tiveram origem em cidades-estado e não em reinos ou impérios. A monarquia israelita parece ter sido a única que nasceu em pequenas comunidades rurais, vindo somente a atingir um estatuto urbano - e nacional - após David conquistar Jerusalém.

 

[Vide Baruch Halpern, Kingship and Monarchy, in The Oxford Companion to the Bible, p. 414.]

 

(31)

Voltaire piensa, como tantos otros ilustrados, que la forma monárquica es la unica posible para los grandes Estados: la república sólo es válida para los pequeños. Piensa que en el caso de Francia la necesidad de la monarquía es, si cabe, más evidente, porque sólo así se pueden evitar las tendencias feudales (su expresión más reciente y típica había sido la Fronda) hacia la disgregación, que dificultan el progreso...

 

[Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. III Edad Moderna (2. La Ilustración), p. 131.]

 

(32)

In Aristóteles, Política, pp. 143-144.

 

(33)

Il semble que ce soit dans la constitution laconienne qu'on trouve par excellence celle des royautés qui est soumise à la loi: [le roi] n'est pas souverain dans tous [les domaines], mais c'est seulement quand il quitte le territoire qu'il est revêtu du pouvoir suprême dans les [affaires] touchant à la guerre. Les affaires religieuses elles aussi ont été confiées aux rois. Une telle royauté est donc comme une charge de stratège confiée à des gens qui ont plein pouvoir et à perpétuité, car [le roi] n'a pas le droit de mort, sauf dans une certaine [forme] de rayauté, à la manière où dans le temps anciens dans les expéditions guerrières [le roi] faisait justice de sa propre main. On le voit dans Homère: Agamemnon supportait de s'entendre injurier dans les assemblées, mais dans les expéditions [militaires] il avait droit de mort. Du moins dit-il que

celui que je verrai loin du combat, ... ne sera pas sur d'échapper aux chiens et aux oiseaux de proie, car sa mort m'appartient.

Voici donc une sorte de royauté: une charge de stratège à vie; certaines sont héréditaires, d'autres électives.

A côté de celle-ci il y a une autre forme de monarchie; y appartiennent par exemple les royautés de certains peuples barbares. Toutes sont à peu près semblables à des tyrannies qui seraient soumises à la loi et héréditaires, car du fait que les barbares ont un caractère naturellement plus servile que les Grecs, et les Asiatiques que les Européens, ils supportent le pouvoir despotique sans s'en plaindre. Elles sont donc tyranniques pour cette [raison], mais elles sont stables du fait qu'elles sont héréditaires et soumises à la loi. Et la garde est celle d'un roi et non pas celle d'un tyran pour la même raison, car ce sont les citoyens qui protègent les rois de leurs armes, alors que pour les tyrans c'est un [contingent] étranger. C'est que les premiers gouvernent, sous le contrôle de la loi, des [gens] consentants les seconds des [gens] non consentants, de sorte que ceux-là ont une garde parmi les citoyens, ceux-ci contre les citoyens.

Voilà donc deux sortes de monarchies, mais il y en a une autre qui existait chez les anciens Grecs, celle de deux qu'on appelle les aisymnètes. C'est, en bref, une tyrannie élective, qui diffère de la [royauté] barbare non par le fait qu'elle n'est pas soumise à des lois, mais seulement par le fait qu'elle n'est pas héréditaire. Certains détenteurs de cette forme de pouvoir l'exerçaient à vie, d'autres pour un temps ou des entreprises déterminées; ainsi les gens de Mytilène choisirent jadis Pittacos pour faire face aux exilés dont Antiménide et le poète Alcée avaient pris la tête.

 

[Aristote, Les politiques (Cap. 14 1285a 3-35), pp. 256-258.]

 

(34)

Vide Claude Mossé, Histoire des doctrines politiques en Grèce, p. 74.

 

(35)

Vide Jean-Marie Bertrand, Comment les rois grecs sont devenus des dieux, in L’Histoire, nº 166, p. 31

 

(36)

Ancient Near Eastern texts almost unanimously presuppose the institution of kingship as a social organizing principle. Kingship in Mesopotamia is "lowered from heavan" or is coeval with creation. The Assyrian King List, for example, can hypothesize a time when kings "lived in tents" but not a time before kingship. The image of the "first man" as the "image of God" and as lord over creation (Gen. 1.26-28) is not unrelated: YHWH is often portrayed in Israelite literature and iconography in solar terms; just as the sun, the "major" astral body, "rules over the sky" (Gen. 1.16-18), just as YHWH rules over creation, so the relationship between humanity and the world is modeled as one of royal domination from the very outset.

Near Eastern myths, too, principally portray the order of divine organization as monarchic. Egyptian, Greek, Hittite, Ugaritic, and Mesopotamian myths all recount tales of martial conflict whereby one of the gods emerges as their king.

 

[In Baruch Halpern, Kingship and Monarchy, in The Oxford Companion to the Bible, p. 413.]

 

É bem conhecida dos egiptólogos a forma como os soberanos da época raméssida celebravam o seu próprio culto antes de morrerem. Na fachada de Abu Simbel, a gigantesca estátua de Ramsés II está ladeada pelas dos deuses Ptah, Ámon e Rá-Harakhty, sendo hoje sabido dos arqueólogos o grande apreço que o faraó tinha por este templo, onde assistia a ofícios religiosos a ele dedicados. Por essa razão, a imagem divinizada do vencedor da batalha de Qadesh aparece em todas as paredes do interior do edifício, acompanhada de outros deuses do panteão egípcio que, no entanto, desempenham a função secundária de conferirem credibilidade ao conceito de um monarca transformado em deus ainda em vida.

 

[Vide As grandes descobertas da Arqueologia, vol. 2º, p. 109.]

 

A tradição de deificação do faraó estava de tal modo arraigada na mentalidade egípcia que prosseguiu na era ptolemaica (séc. III a.C.):

 

L'avènement des Ptolémées en 323 n'influe pas sur l'image de base que les Égyptiens ont du pharaon: ils continuent à voir en lui un fils de rê, bien que la maison des Lagides revendique de descendre d'Héraklès et de Dionysos. En l'honneur de Ptolémée Ier Sautor (305-283), le Sauveur, ont institue à Alexandrie des fêtes accompagnés de jeux, les Ptolémaia, célébrées tous les quatre ans, et vers la fin du regne de ce prince, on crée ou restaure un culte du dieu vivant qui se développe sous ses successeurs. [...] Ce n'est pourtant que Ptolémée III [246-221] qui rend enfin officiel le culte imperial en proclamant, lors de son avènement, que son père et sa mère sont des divinités, et en faisant élever pour eux des sanctuaires.

 

[In Jean-Paul Roux, Le roi. Mythes et symboles, p. 99.]

 

Os monarcas mesopotâmicos, persas e hebreus foram mais comedidos do que os faraós, nunca tendo reivindicado a condição divina. Contudo, nenhum deles deixou de se considerar um eleito dos deuses ou um seu vigário na terra.

Na Babilónia existiu uma certa tendência para a deificação do monarca após o reinado de Sargão I (2048-2020 a.C.), mas as tentativas que se fizeram então foram esporádicas. Os soberanos babilónicos consideravam-se, na sua generalidade, filhos e representantes do deus Sin (a Lua), que ao dar-lhes o ceptro os incumbira de "pastorear" o povo mediante a administração da justiça e estabelecimento da paz.

Na Pérsia, durante a dinastia dos Aqueménidas, os reis eram "escolhidos" pelo deus da luz, Aura Mazda. Ciro o Grande (559-530 a.C.), por exemplo, diz que o deus Marduk visitou totalidade do país e viu aquele que procurava para ser um rei justo, escolhido pelo seu coração, e que ele levaria pela sua mão. Ele pronunciou o seu nome: Ciro de Anshan, designando-o para reinar sobre tudo. No palácio de Susa, por sua vez, surge a seguinte inscrição: O grande deus é Aura Mazda que criou a terra [...] que fez de Dário rei único de tudo, legislador de tudo [...]. E eu Dário, rei, declaro: Aura Mazda, o maior dos deuses, ele, criou-me, fez-me rei, deu-me o reino [...]. Aura Mazda ajudou-me. Tudo o que faço, faço-o inteiramente pela graça de Aura Mazda. Em Persepolis, numa placa da fundação da cidade real, aparece um texto similar: Dário, o grande rei, o rei dos reis, o rei do país [...] eis que Aura Mazda me designou, ele é o maior dos deuses. Que Aura Mazda me proteja a mim e à minha casa.

 

[Citado por Jean-Paul Roux, Le roi. Mythes et symboles, pp. 100-101.]

 

O caso de Israel não é muito diferente. Jeová unge Saul e dá-lhe o poder real, mas este desobedece às ordens de Deus que prontamente o destitui: Arrependo-me de haver dado a realeza a Saul, porque ele se afastou de mim e não executou as minhas ordens (1 Samuel, 15,11). Afastado Saul, Jeová elegerá David e reservará para ele e seus descendentes o título de rei, razão por que Salomão Lhe agradece esse compromisso: E agora, Iahweh, Deus de Israel, mantém a teu servo David, meu pai, a promessa que lhe fizeste, ao dizer: Jamais te faltará um descendente diante de mim, que se assente no trono de Israel, contanto que teus filhos atendam ao seu procedimento e caminhem diante de mim como tu mesmo procedeste diante de mim (1, Reis, 8, 25).

Apesar da enorme intimidade entre os monarcas israelitas e Jeová, cujos tronos quase se equiparam em importância, a verdade é que eles são designados por Deus de seus servidores e por Ele mandatados para administrarem a justiça, como lembra a rainha do Sabá ao visitar Salomão em Jerusalém: Bendito seja Iahweh, teu Deus, que te mostrou sua benegnidade colocando-te sobre seu trono como rei em nome de Iahweh teu Deus; é porque teu Deus ama Israel e deseja consolidá-lo para sempre, que ele te deu a realeza para exerceres o direito e a justiça (2, Crónicas, 9, 8).

 

[In Bíblia de Jerusalém, pp. 441, 521 e 648.]

(37)

Importa esclarecer que não se tratavam de posições absolutamente inconciliáveis. Para a civilização grega não existia uma separação nítida entre Deus e os homens, como sucede na tradição cristã. A imagem do herói é disso prova, pois a sua humanidade não os impedia de participar da natureza divina, diferindo assim dos santos católicos, apenas intercessores dos crentes junto de Deus, função demiúrgica conferida por especial graça divina, é certo, mas que de modo algum lhes confere uma condição sobre-humana.

Assim, a divinização do monarca helenístico deve ser considerada dentro desta visão ampla e racionalizada, que os gregos tinham do estreito relacionamento entre heróis e deuses (também estes possuidores de virtudes e defeitos):

 

No hay pues contradicción entre la exigencia de racionalidad del monarca y su divinidad, puesto que tanto aquélla como ésta son cualidades que se demuestran por sus efectos [exercício das virtudes e prática de acções singulares]. Si cabe, se trata de una figura más racional que el derecho divino de los reyes absolutos europeos. Éste, aunque en su formulación más estricta fuera compatible con la más exigente racionalidad política, en su formulación más corriente y divulgada era un evidente recurso a la irracionalidad para conseguir una mayor sumisión política como más arrima dijimos al hablar del mito.

 

[In Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. I Edad Antigua, p. 153.]

 

(38)

Vide Jean-Marie Bertrand, Comment les rois grecs sont devenus des dieux, pp. 32 e 35.

 

(39)

É extraordinariamente difícil saber exactamente o que entendia o cidadão ordinário por divinização de um rei. Havia três precedentes principais: um era o divino monarca oriental, como o do Egipto, ao qual os Persas prestavam honras (tais como a obediência), que implicavam divindade para os gregos, mas não para os Persas; o segundo era o conceito de honras heróicas prestadas, entre outros, aos fundadores das cidades; o terceiro era o conceito primitivo de herói como filho de um deus, que acabava por ser divinizado como recompensa pelos serviços prestados à Humanidade - Héracles ou Asclépio. Uma vez aceite o princípio da ancestralidade divina, este levava, obviamente, à divinização depois da morte, mas não em vida [...].

Alexandre atou todos estes fios. Foi no Egipto que começou por pensar em termos novos, e as suas experiências no Oriente fortaleceram a sua decisão de se tornar um rei divino. [...] Proclamando-se, depois, filho de Zeus-Ámon e associando-se com Héracles e Dioniso [...], foi abrangido pelo conceito de personagem divina caminhando para a imortalidade.

[...] Também é certo ter visto o culto da realeza como o meio político de unificar o império; era a extensão natural da monarquia egípcia. [...] Não podemos saber se Alexandre alimentava outros planos políticos ou religiosos. Mas seria erro considerar o culto do monarca como cálculo racionalista. Não podemos separar os laços religiosos dos políticos, e é perfeitamente possível que os pensamentos de Alexandre houvessem sido exaltados pelas suas experiências, obcecado pela ideia da sua própria divindade.

Os Gregos aceitaram a divindade de Alexandre, mas não muito a sério. Diz-se que, em Atenas, Diógenes, o Cão, respondera: Façam-me Serápis enquanto é tempo. Em Esparta, o decreto dizia: Desde que Alexandre quer ser deus, que o seja.

 

[In John Ferguson, A herança do Helenismo, pp. 156-159.]

 

(40)

Vide Claude Mossé, Histoire des doctrines politiques en Grèce, p. 101.

 

(41)

El problema se concreta, pues, en la racionalidad del monarca. Nunca se piensa en una racionalidad cientifica, pues el monarca nunca pretende ser un sabio en el sentido moderno de la palabra, sino justamente la racionalidad politica, la necesaria para captar y expresar el orden conveniente a la sociedad que gobierna. Esta racionalidad operativa se expresa por el término areté aplicado al monarca. Hemos visto que el contenido politico de la areté justificaba la pretensión politica del ciudadano, es decir, su participación en el gobierno de la polis. Ahora se traslada el concepto al monarca: éste monopoliza la areté, entendida como el conjunto de disposiciones personales que lo hacen apto para gobernar, entre ellas las cualidades morales.

 

[In Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. I Edad Antigua, pp. 152-153.]

 

(42)

Vide Claude Mossé, Histoire des doctrines politiques en Grèce, p. 101.

 

En el caso del monarca helenístico, su particular relación con la esfera divina se encuentra mediada por la Fortuna, un concepto que entra en el mundo político con el Helenismo y que va a tener larga historia. La Fortuna es unas veces una diosa que asiste al rey en su gestión y otras una potencia impersonal que es poseída en mayor o menor grado por el monarca. La Fortuna es un concepto totalmente helenístico. No se trata del azar, pues éste es ciego e irracional, sino de un tipo especial de orden de los hechos que los hombres no tienen medios para comprender. El éxito del gobernante es la prueba de que tiene la Fortuna de su parte. Ante todo se requiere el éxito en la guerra. Como verificación ejemplar de la teoria weberiana del liderazgo carismático [ver nota 45 do 4º capítulo], los primeros monarcas de estas nuevas formas fueron siempre generales victoriosos. La victoria militar era signo eficaz de la presencia de la Fortuna junto al general y garantía de los frutos benéficos que se esperaban de su gobierno. Pero también en la paz los monarcas helenísticos adoptaron nombres que revelan las ideas políticas que los legitiman. Con frecuencia adoptaron sobrenombres como Benefactor [Evergète] o Salvador [Sôter].

 

[In Fernando Prieto, Manual de Historia de las teorías políticas, p. 67]

 

(43)

In Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. I Edad Antigua, p. 152.

 

(44)

Kings and other administrators in the ancient Near East regularly portray themselves, like the state gods, as champions of the weak and the oppressed. The king was the upholder of the social order - much like the divine king who resisted the threats and encroachments of chaos.

 

[In Baruch Halpern, Kingship and Monarchy, in The Oxford Companion to the Bible, p. 414.]

 

(45)

Vide Jacques Ellul, Histoire des Institutions - L'Antiquité, pp. 173-174.

 

(46)

Vide Paul M. Martin, L'assassinat de Jules César, in L'Histoire, nº 93, p. 40.

 

Em Le roi. Mythes et symboles Jean-Paul Roux admite, quanto a nós com argumentos pouco convincentes e à revelia da esmagadora maioria dos estudiosos da história romana, que a passagem do regime monárquico para o republicano na Roma Antiga se processou de forma pacífica, mantendo-se o essencial do cerimonial monárquico:

 

Il n'est pas impossible que le changement de régime se soit effectué en douceur et progressivement. Il y a des raisons de penser qu'il y eut tout d'abord une sorte de monarchie élective dont les monarques - des magistrats suprêmes, puis deux consuls égaux en pouvoirs - étaient désignés pour une période limitée: la chaise curule du consul aux pieds en X n'est rien d'autre que le trône royal.

 

[In Jean-Paul Roux, Le roi. Mythes et symboles, p. 40.]

 

(47)

Vide Paul M. Martin, Rome: la chute de la royauté, in L'Histoire, nº 108, pp. 29-30.

 

A reacção adversa da plebe surpreendeu decerto os senadores conjurados, pois deviam estar persuadidos de que o anti-monarquismo dos romanos continuava em 44 a.C. tão inabalável quanto o fora em 509 a.C., data tradicional da deposição de Tarquínio o Soberbo por Junius Brutus:

 

Passados então esses duzentos e quarenta anos de realeza (ou um pouco mais, com os interregnos), e depois da expulsão de Tarquínio, foi tal o ódio que o povo romano tomou ao título de rei, quanto a saudade que sentira depois da morte, ou melhor, da partida de Rómulo. De tal modo que, tal como então não podia estar privado de um rei, agora, após a expulsão de Tarquínio, não podia ouvir o nome de rei.

 

[In Cícero, A República (II.30.52), citada em Romana. Antologia da cultura latina, p. 38.]

 

(48)

Cette royauté n'ést ni héréditaire ni élective: le Roi est nommé par son prédécesseur probablement toujours dans certaines gentes, selon des règles de reconaissance de ses charismes magico-religieux.

 

[In Jacques Ellul, Histoire des Institutions - L'Antiquité, p. 251.]

 

Segundo alguns historiadores, o complicado processo de designação do sucessor do rei na monarquia romana, que não era formalmente hereditária ou electiva, mas um misto de ambas, pode ajudar a esclarecer os obscuros motivos que levaram Brutus O Antigo a perpetrar o regicídio:

 

Car si quelqu'un pouvait prétendre succéder à Tarquin, c'était bien Brutus. En effet, si l'on comprend bien le système de transmission du pouvoir dans la Rome primitive, celui-ci ne pouvait se faire que par les femmes, inaptes certes à régner, mais en quelque sorte dépositaires du pouvoir royal, qui se transmettait ainsi du roi à son gendre, ou au fils de sa fille, ou au fils de sa soeur, etc. (l'élection ne consistant probablement qu'à choisir parmi ces candidats potentiels celui que le roi avait associé au pouvoir). Or Brutus, fils de la soeur du roi, était, semble-t-il, ce candidat "désigné". Était-il impatient de succèder à Tarquin? Celui-ci commençait-il à manifester quelque préférence pour un autre candidat potentiel? Ou bien, plus simplement, n'était-ce pas l'institution royale traditionnelle qui commençait à ne plus être adaptée aux réalités socio-politiques?

 

[In Paul M. Martin, Rome: la chute de la royauté, in L'Histoire, nº 108, p. 28.]

(49)

Vide Claude Mossé, Histoire des doctrines politiques en Grèce, p. 122.

(50)

Políbio considerava a constituição romana como uma amálgama das três formas de governo tradicionais, não sendo por isso evidente que o regime político estabelecido em Roma fosse declaradamente monárquico, aristocrático ou democrático.

Assim, na opinião deste historiador grego romanizado, o poder dos cônsules e o dos senadores eram idênticos, respectivamente, ao da realeza e da aristocracia, enquanto os direitos da plebe se fundavam nos mais lídimos princípios democráticos:

 

Les trois formes de gouvernement, dont j'ai parlé plus haut, se trouvaient amalgamées dans la constitution romaine, et la part de chacune était si exactement calculée, tout y était si équitablement combiné, que personne, même parmi les Romains, n'eut pu dire si c'était une aristocratie, une démocratie ou une monarchie. Cette indécision était d'ailleurs très naturelle; à examiner les pouvoirs des consuls, on eut dit un régime monarchique, une royauté; à en juger par ceux du Sénat, c'était au contraire une aristocratie, enfin, si l'on considérait les droits du peuple, il semblait bien que ce fut nettement une démocratie.

 

[In Polibio, História, (VI, 11, 11-18), citado por Léon Homo, Les institutions politiques romaines, p. 136.]

 

(51)

Vide Cicero, in The New Encyclopaedia Britannica, vol. 4º, p. 608.

 

(52)

Vide Cicero, in Encyclopaedia Universalis, vol. 4º, pp. 484-485.

 

(53)

Vide Paul-Laurent Assoun, Cicéron, in Dictionnaire des oeuvres politiques, p. 186.

 

Esta preferência de Cícero pela monarquia não significa uma defesa sem reservas da inalienabilidade da função régia. Bem pelo contrário, em A República o senador romano propugna uma partilha do poder entre o rei e os cidadãos livres, para evitar o espectro do despotismo:

 

Sendo assim, das três espécies principais de constituição, de longe a melhor, em minha opinião, é a monarquia, mas mesmo à monarquia se sobrepõe uma outra, que seja harmonizada e temperada com elementos das três principais formas de governação. Pois o que me agrada é que haja na coisa pública algo de superior e de régio, que haja algo de atribuído e submetido à autoridade dos cidadãos de primeira qualidade, e que haja certos assuntos reservados ao juízo e vontade da multidão. Esta constituição possui, em primeiro lugar, uma certa equabilidade, da qual os cidadãos livres dificilmente poderão prescindir durante muito tempo; depois, a estabilidade, pois as formas primitivas facilmente deslizam para defeitos opostos, de o rei se converter em tirano, os aristocratas em facção, o povo em confusa turbamulta; pois as próprias formas de governo mudam com frequência para outras.

 

[In Cícero, A República (II.30.52), citada em Romana. Antologia da cultura latina, pp. 35-36.]

 

(54)

Ora eu penso que não apenas os Medos, como escreve Heródoto, mas também os nossos antepassados, entregaram o poder régio a homens dignos, para que se pudesse viver em justiça. De facto, quando as massas suportavam sem se revoltar o peso daqueles que detinham riqueza e poder, recorriam à protecção de alguém que se distinguira pela virtude. Esta pessoa, evitando que se prejudicassem os mais pobres, comportava-se de forma igual e mantinha estratos elevados e inferiores da sociedade numa igual condição jurídica. Na base das leis esta mesma razão pela qual se constituíram os reis. Quis-se sempre, sabemo-lo, um direito, cuja característica fosse a igualdade; nem de outra forma, vendo bem, poderia existir um direito. Obtendo-o de um único indivíduo, justo e bom, a sociedade satisfizera-se; mas quando isto já não aconteceu, inventaram-se as leis, que estavam em condições de dirigir-se a todos, sempre, como uma mesma e única voz.

 

[In Cicero, De officiis, citado em Mário Bretone, História do Direito Romano, p. 39.]

 

(55)

El principado de Augusto era, en realidad, omnipotente, mediante la posesión del imperium proconsular en las provincias y la potestad tribunicia en la misma Roma. El imperium proconsulare le daba poderes de tipo civil, militar y judicial - le otorgaba el mando sobre el ejercito, la posibilidad de inspección sobre cualquer actividad administrativa y el derecho a ser juez imperial -, teniendo como particularidad especial el hecho de que era aplicado a todo el dominio imperial y la tribunicia potestas, sin ser tribuno, hacía su persona inviolable, dándole igualmente el derecho de la intercessio frente al Senado y a los magistrados, la posibilidad de convocar el Senado y los comicios, así como someterles proposiciones de ley, y de arresto de los ciudadanos. Además de ello, hay que añadir el pontificado máximo, que le otorgaba la preeminencia religiosa, con lo que interpretaba el derecho religioso, disponia de jurisdicción sobre los sacerdotes, en cuyos nombranientos podía intervenir, fijaba el calendario, y le otorgaba la dirección moral del Estado, el título de princeps Senatus, que le convertía en el primero entre los senadores y toda una serie de derechos excepcionales y funciones administrativas especiales, como la dirección de la annona, el derecho de guerra y paz, de conferir la ciudadania, de fundar colonias, de recomendar candidatos en las elecciones o de otorgar honores y beneficios. La actitud pretenciosa de Augusto de que habia restaurado la República en las manos del Senado y del pueblo de Roma no es otra cosa que la palpable muestra de la utilización de su astuta inteligencia, puesto que resulta claro que la mano que podia restaurar los simulacra libertatis podia también fácilmente terminar con ellos en el momento en que así lo desease. Para mayor abundancia, los comitia perdieron con el emperador siguiente, esto es, con Tiberio, toda sombra de poder constitucional. Los detentores de las grandes magistraturas republicanas se mostrarán como meras y dóciles criaturas del emperador y obedientes ministros de su absoluto poder.

 

[In Arcadio del Castillo, Estado, economia y sociedad, in História de Roma - El Imperio Romano (siglos I-III), tomo II, pp. 299-300.]

 

(56)

Para resumir em poucas palavras, o sistema do governo imperial, tal como foi constituído por Augusto e mantido pelos príncipes que entenderam os seus próprios interesses e os do povo, podemos defini-lo como uma monarquia absoluta disfarçada sob as vestes de uma república. Os senhores do mundo romano rodearam o seu trono de sombra, dissimularam a sua força irresistível e intitularam-se humildemente os cônscios ministros do Senado, cujos supremos decretos eles ditavam e cumpriam.

 

[In Edward Gibbon, Declínio e queda do Império Romano, vol. 1º, p. 59.]

 

A historiografia contemporânea confirma a ideia de que quase todos os imperadores das dinastias Júlia-Cláudia e Flávia - até Domiciano (81-96 d.C.) [ver nota 60] - mantiveram conscientemente esta situaçäo de ambiguidade. Particularmente cuidadosos nesta questäo foram Octávio César Augusto (31 a.C.- 14 d.D.) e Tibério (14-37 d.C.), que recusaram sempre afrontar o Senado. Cláudio (41-54 d.C.) e Nero (54-68 d.C.) também se esforçaram por nunca excederem os limites no seu relacionamento com os senadores; só Calígula (37-41 d.C.), extasiado com os monarcas deificados das monarquias helenísticas, tentou sem êxito instituir o despotismo imperial:

 

Les deux premiers empereurs de la dynastie julio-claudienne, les véritables fondateurs du régime, Auguste et Tibère, s'étaient attachés à appliquer, avec un loyalisme d'autant plus sincère qu'il était intéressé, le système constitutionnel du principat. Tibère beaucoup plus encore qu'Auguste. On l'avait vu, en particulier, se refuser à prendre ce prénom d'Imperator où Auguste, comme César avant lui, avait vu un des attributs constitutifs du pouvoir impérial. Tout changea avec Caligula, dont le règne représente, dans l'histoire de l'Empire, une première tentative d'absolutisme intégral. Folie des grandeurs, manifestation maladive d'un esprit faible et mal équilibré sans doute, mais ce diagnostic ne saurait suffire à expliquer le cas. Héritier de la formule monarchique, que son arrière-grand-père Antoine, héritier de César, avait un instant réalisée en Orient et dont sa grand-mère Antonia, la fille du triumvir, lui avait fidèlement transmis la tradition, Caligula veut introduire à Rome la royauté absolue et théocratique à l'orientale, où le souverain est à la fois un maitre et un dieu, sur le tipe hellénistque, qui avait été celui des Séleucides et des Ptolémées

 

[In Léon Homo, Les institutions politiques romaines, p. 301.]

 

(57)

A constituição vigente na época de Diocleciano (284-305 d.C.) e Constantino (306-337 d.C.) reservava ao imperador um controlo directo sobre os senados de Roma e Constantinopla, chancelaria imperial, exército e administração provincial, cabendo-lhe o direito de nomear os responsáveis máximos das circunscrições do império (prefeituras, dioceses e províncias).

Acresce, ainda, que o imperador tinha na sua imediata dependência os membros do Conselho da Coroa, orgão palatino destinado a controlar os funcionários da corte.

 

(58)

Vide Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. I Edad Antigua, pp. 219-220.

 

(59)

Vide Ettore Paratore, História da Literatura Latina, pp. 587-588.

 

(60)

Vide idem, ibidem, p. 776.

 

Domiciano foi o primeiro imperador a adoptar o título de Dominus, iniciativa tendente a legitimar o despotismo imperial. Esta decisäo, no entanto, escandalizou os círculos aristocráticos e provocou a reacçäo adversa dos senadores, oposiçäo que deu azo a uma intensa repressäo política:

 

These savage eliminations were not isolated occurrences but climatic displays of Domitian's progressive and finally almost complete alienation from the ruling class of Rome. As he showed its members all too clearly, AUGUSTUS' polite insistence that the senate was the emperor's partner in a restored Republic only incurred his contempt. Domitian preferred to emphasize that he was an absolute monarch - a conviction which his unprecedented title of 85, Perpetual Censor, served to underline. Aware of the senators' hostile reaction - sometimes framed in the terms of free-thinking philosophy - he viewed its members with rising, unremitting suspicion. This process of estrangement gained impetus after the abortive rebellion of Saturninus. All the unpleasantnesses of treason trials were brought back with harrowing stringency, amid a proliferation of imperial spies and informers. Suetonius estimated the casualties among ex-consuls alone at no less than twelve. Alleged conspiracies came thick and fast; and some of them were no doubt genuine enough, since, as Domitian himself perceptively observed, it was an emperor's unhappy fate that nobody would belive stories about plots against his life until they had sucessfully taken place.

In this atmosphere the prospect of Domotian's own assassination became more and more imminent.

 

[In Michael Grant, The roman emperors. A biographical guide to the rulers of imperial Rome 31 bC - aD 476, p. 64.]

 

(61)

In Suetónio, Os doze Césares, p. 320.

 

(62)

In Edward Gibbon, Declínio e queda do Império Romano, vol. 1º, p. 60.

 

Actualmente os historiadores discordam da visão de Gibbon e atribuem à deificação dos imperadores romanos a maior importância política (principalmente a partir do século II), porque reforçava a coesão de um império extensíssimo, muito diversificado do ponto de vista cultural e religioso:

 

Quand Caligula (37-41) s' attribua la majesté divine, se fit adorer par ses sujets entre Castor et Pollux, et exigea qu'on lui sacrifiât, d'aucuns, dont Suétone, ne furent pas loin de le prendre pour un fou. On connait le mot d'une amère ironie que prononça Vespasien (69-79) au moment de mourir: Hélas! je crois que je deviens dieu. Pourtant, l'idée que le souverain était le dieu vivant sur la terre finit par s'imposer complètement. Elle parut, à la longue, nécessaire pour un peuple qui la réclamait et qui perdait en même temps une bonne partie de tout autre sentiment religieux. Dans un Empire démesuré, multiracial, de plus en plus materialiste, le culte croissant de l'empereur devenait l'armature la plus solide de la religion. Les Antonins comprirent qu'il fallait l'encourager et le firent par le truchement d'une propagande proclamant de plus en plus fort les vertus surnaturelles du prince. La reconaissance de la divinité de César devint preuve de civisme, et la religion impériale une des plus puissantes expressions de toute la religion romaine. Sous Aurélien (270-275), de nouveau dieu, première figure du panthéon, qu'était devenu le Sol invictus fut en quelque sorte inséparable de l'Empire et de l'empereur dont il était le protecteur.

 

[In Jean-Paul Roux, Le roi. Mythes et symboles, p. 110.]

 

No final do século III, num império onde as dissenções internas e ameaças externas eram cada vez mais poderosas, o reforço do poder absoluto do imperador passou a ser encarado, nomeadamente nos meios castrenses, como um factor de coesäo política e preservaçäo da autoridade:

 

A la fin du IIIe siècle après Jésus-Christ, les empereurs cherchèrent par un renforcement du despotisme à rendre au régime la stabilité qui, de plus en plus, lui manquait. L'idée était née sous l'influence des monarchies orientales et plus particulièrement de la monorchie sassanide, que seule la monarchie absolue pouvait sauver l'Empire et prévenir le retour toujours menaçant de l'anarchie militaire

 

[In Léon Homo, Les institutions politiques romaines, p. 304.]

 

(63)

Vide Karen Armstrong, A History of God, p. 84.

 

(64)

Vide Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. I Edad Antigua, p. 223.

 

A divinização do imperador foi aceite com naturalidade pelos primeiros pensadores cristãos. No século IV, o poeta Ausónio diz num panegírico dirigido ao imperador Graciano, seu discípulo, que o bom príncipe é vigário de Deus e o único executor da vontade divina.

 

[Vide Nair da Nazaré Castro Soares, O príncipe ideal no século XVI e a obra de D. Jerónimo Osório, p. 45.]

 

(65)

O imperador Constantino considerava-se detentor de dois poderes: um deles, o laico (romano), exercia-o enquanto imperador de Roma; o outro, religioso (cristão), era inerente à sua qualidade de igual aos Apóstolos. Ambas potestades achavam-se interligadas numa união mística transmissível por via hereditária.

 

[Vide John Julius Norwich, Byzantium, vol. 1º, p. 380.]

 

(66)

Vide Jean Barbey, Être roi, p. 10.

 

 

(67)

Vide Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. I Edad Antigua, p. 250.

 

Le Bas-Empire, plus encore que les régimes qui l'on précédé, donne satisfaction à cette aspiration profonde des consciences et des âmes, L'empereur n'est pas seulement le maitre. Revêtu d'un caractère divin, il est né divin et père de dieux, diis genitus et deorum creator; ses actes sont qualifiés de divins; tout ce qui touche à sa personne, à celles de sa famille ou émane de son activité est sacré, sacer. Ne pas lui obéir, c'est violer la loi religieuse et commettre un sacrilège. La divinisation impériale, au cours des IIIe et IVe siècles, a traversé deux phases successives et distinctes. La phase paienne: le monothéisme solaire à l'orientale d'Aurélien [270-275 d.C.], le soleil dieu suprême de l'Empire - sol dominus imperii romani - et l'empereur, sa corporelle émanation, deus et dominus natus. La phase chrétienne, pendant laquelle la théorie change et la pratique persiste; l'empereur conserve ses qualificatifs religieux antérieurs, par exemple l'épithète de sacré; on continue à adorer le souverain et ses images. Un seul élément du cérémonial disparait comme incompatible avec la doctrine chrétienne, les sacrifices offerts à la divinité impériale, mais, ce qu'il perd à ce titre, l'empereur le retrouve largement sous une autre forme dans la puissance formidable que lui assure la religion chrétienne triomphante. La reconnaissance du christianisme comme religion d'État ajoute à la double centralisation politique et administrative un nouvel élément, la centralisation religieuse. Représentant de Dieu sur terre, image vivante de la divinité, l'empereur est comme un dieu présent et corporel - tanquam praesens et corporalis deus - selon l'expression significative de Végèce [na sua obra Epitome Institutionum Rei Militaris] auquel on doit l'obeissance comme à Dieu même.

 

[In Léon Homo, Les institutions politiques romaines, pp. 315-316.]

 

(68)

Vide R. A. Markus, The Latin Fathers, in The Cambridge History of medieval political thought (c.350-c.1450), pp. 98-99.

 

Este autor utiliza a palavra inglesa crane, que possui vários significados, entre eles garça, o único aplicável neste caso. Contudo, segundo outros investigadores, Santo Ambrósio deu como modelo de república a sociedade das rãs, não a das garças:

 

No Hexaemeron, ao debruçar-se sobre a organização das sociedades animais, aponta a sociedade das rãs como modelo de uma república em que cada elemento dessa sociedade por sua vez exerce o poder e aceita deliberadamente a alternância. Esta fábula, destinada a estigmatizar a ambição que reina no coração do homem, pois Ambrósio aceita sem reservas o sistema monárquico do seu tempo, foi contudo interpretada como uma descrição da sociedade ideal primitiva, em que se privilegiariam os princípios republicanos.

 

[In Nair da Nazaré Castro Soares, O príncipe ideal no século XVI e a obra de D. Jerónimo Osório, p. 43.]

 

Num bestiário datado de 1220-1250 pertencente à Bodleian Library, podemos verificar que o animal em questão também poderá ser a garça. O autor deste manuscrito trecentista, inspirando-se na Bíblia e em vários outros textos congéneres redigidos anteriormente - desde o Physiologus (compilado entre os séculos II e V pelos cristãos de Alexandria), passando pelas Etimologias de Santo Isidoro de Sevilha (séc. VI), até à obra do monge alemão Rabanus Maurus intitulada Sobre a natureza das coisas (séc. VIII) -, descreve de modo sugestivo a organização democrática das garças (1.) e o disciplinado regime monárquico das abelhas (2.):

 

1.

Cranes get their name from the creaking sound of their own voices. It is worth remembering how they set out on a journey. They submit to a kind of military discipline, and, lest the force of the wind should hinder them on the way to their chosen land, they swallow sand and weigh themselves down with gravel until they are heavy enough. Then they climb to a great height, so that by looking down from high up they can see the land wich they are seeking. As they hurry on their way, they follow one leader, as Lucan says, until the letter is broken and disappears as the birds scatter [Pharsalia v. 716: Palamides was said to have invented the alphabet by copying the figures formed by flocks of cranes in the sky]. The leader knows the way, scolds lazy fliers, and keeps the line in order by his calls. If he becomes hoarse, another bird will take up his post. They are all of the same mind in looking after any birds who become weary, and gather round them to bear them up, until their strenght is restored by resting. In the night the cranes keep careful watch. You can make out the watchmen in their places with the rest of the flock sleeping; others go the rounds and look out for any enemies who might make a surprise attack. Their efforts ensure that all are safe. When the watchman has completed his alloted time he goes to sleep; but first he wakes one of the sleepers by calling to him, so that he can replace him. The new watchman takes over the task willingly, not like a man, who would do it in a bad temper and lazily because he wanted to go on sleeping. The crane comes quickly from its resting-place, and having enjoyed the benefit of his predecessor's watchfulness, carries out the task with equal care. The cranes divide the night into watches and arrange the sequence of watchmen according to strict rules, holding stones in their claws in order to ward off sleep. If there is cause for alarm, they call out.

 

[In Bestiary being an English version of the Bodleian Library, Oxford M.S. Bodley 764, pp. 127-128.]

 

2.

They [refere-se às abelhas] choose a king, create their own people, and although subject to a king are nonetheless free. For they maintain his right to judjement and are devotedly faithful to him because they recognise him as their elected leader, and honour his great responsability. The king is not chosen by lot, for a lottery is ruled by chance rather than judgement. And often the made chance of fate will prefer the worst to the best. With bees, the king is naturally endowed with special qualities, as his large and handsome body shows, and - the most important virtue in a king - his friendly nature. He has a sting, but does not use it in revenge; for there are laws of nature, not written down in letters, but innate in custom, that those who have unlimited power should be all the milder in their punishment. But those bees who fail to obey the royal laws inflict their own punishment on themselves, and die by their own sting, just as even today the people of Persia hold that they must expiate their crimes by carrying out their own death sentence. So no race on earth serves their king with such reverence and devotion as the bees, not even the Persians, who have the harshest laws for their king's subjects, nor the Indians, nor the Samartians. No bee dares to leave its hive and set out in search of food unless the king has gone first and is leading the flight.

 

[In idem, ibidem, pp. 178-179]

 

Os bestiários costumam transpor para o mundo animal as concepções e valores da sociedade medieval, como denota esta descrição do relacionamento dos "súbditos" com o "rei" na família dos apídeos. Na citação anterior surge, com toda a evidência, a intenção de descobrir na monarquia das abelhas o modelo da realeza ideal, passível de ser imitada pelos homens.

 

(69)

Vide idem, ibidem, p. 100.

 

 

(70)

Omnes quippe unctos eius chrismate, recte christos possumus dicere: quod tamen totum cum suo capite corpus unus est Christus

 

[In Santo Agostinho, La ciudad de Dios, tomo II, p. 347.]

 

(71)

Vide Michel Fédou, Augustin, in Dictionnaire des oeuvres politiques, p. 42.

 

(72)

El término rey deriva de regir, como sacerdote, de sacrificar. No rige el que no corrige. El nombre de rey, se posee cuando se obra rectamente; y se pierde quando se obra mal. De aquí aquel proverbio que corría entre los antiguos: Seras rey si obras con rectitud; si no obras así, no lo serás [este provérbio aparece no livro primeiro das Epístolas de Horácio]. Las virtudes regias son principalmente dos: justicia y la piedad. No obstante, más suele alabarse en los reyes la piedad, pues la justicia, por su propria esencia, es severa.

 

[In San Isidoro de Sevilla, Etimologias (Livro IX, 3, 4-5), vol. 1º, p. 755.]

 

Estas frases de Santo Isidoro de Sevilha requerem uma clarificação para que possam ser entendidas no seu exacto sentido:

 

The divinely imposed duty of service means above all the furtherance of ecclesiastical discipline and peace: the prince should prevent evil by his terror, preach the faith and impose right living by his laws, set a personal exemple of righteouness and so forth. Isidore sees the ruler's cardinal virtues and justice and mercifulness, with the latter the more praiseworthy since justice in itself is severe. Here, as sometimes elsewhere, iustitia signifies exaction of what is strictly due, bur often it expresses the much fuller concept of righteousness; thus the just ruler is humble, emulating David, and obeys de laws. Isidore's profoundly ethical conception of rulership is exemplified in a celebrated etymologisation: the very name of rex is dependent upon right behaviour.

 

[In P. D. King, The barbarian kingdoms, in The Cambridge History of medieval political thought (c.350-c.1450), pp. 140-141.]

 

(73)

Certamente que Afonso X não renegava a natureza de uma certa realeza sagrada tal como se insinua no fictício relato da batalha de Covadonga, elaborado pelos clérigos de Afonso III das Astúrias nos finais do século IX e reproduzido sem grandes alterações na sua Crónica [refere-se à Primeira Crónica Geral de Espanha escrita na corte leonesa nos finais do século XIII]. Nele, o proclamado fundador da resistência cristã peninsular contra o Islão, ao ser tentado por um bispo-nobre a pactuar com os Infiéis, negou-o em nome de uma funda convicção e fé pessoais no auxílio que lhe seria prestado pela divindade, o que, conforme a narrativa o afirma, viria a ocorrer durante a batalha de Covadonga, marcando o acontecimento a fundação da realeza asturiana. Neste caso, rei e divindade comungavam solidariamente numa idêntica causa, simbolizando inclusive, a figura do prelado traidor uma interferência à confiança demonstrada por Pelaio na ajuda sagrada.

 

[In Luís Krus, Os heróis da Reconquista e a realeza sagrada medieval peninsular: Afonso X e a Primeira Crónica Geral de Espanha, pp. 8-9.]

 

(74)

Vide Jean Barbey, Être roi, pp. 10-11.

 

Convém precisar que o baptismo de Clóvis não significou desde logo a sacramentalização dos monarcas merovíngios, mas apenas a conversão ao cristianismo daquele rei e, consequentemente, da realeza franca, pois estava implícita a ideia de que a religião do fundador da monarquia se transmitia automaticamente aos seus sucessores (apesar de a indigitação do novo rei ser formalmente electiva, já então se aceitava, na prática, o princípio da hereditariedade da função régia, baseado na crença da transmissão de pai para filho de um certo poder mágico, que se manifestava, essencialmente, na força física do rei-guerreiro).

Só a partir dos finais do século IX, devido à acção dos arcebispos de Reims, a começar pelo célebre Hincmar, é possível detectar a intenção deliberada de procurar provar que Clóvis, além de baptizado, também fora ungido. Esta pretensão dos clérigos champanheses carecia de base histórica; de facto, o primeiro monarca franco solenemente entronizado foi Pepino o Breve, precisamente quem depôs o último dos herdeiros directos de Clóvis (Childerico III) e se fez eleger rei em 751 na Assembleia de Soissons, instaurando a dinastia carolíngia.

 

[Vide Stéphane Lebecq, Clovis, le premier roi chrétien, in L’Histoire, nº 184, pp. 40 e 46.]

 

O significado bíblico da unção é assinalar a presença divina - Espírito de Javé (Génesis, 28, 16-18) -, cuja luz ilumina o ungido. Este sacramento não implica a deificação da pessoa consagrada, é somente um elemento de distinção que a diferencia do comum dos mortais, segundo se infere das afirmações feitas por S. Paulo na Segunda Epístola aos Coríntios, embora o apóstolo considere a unção um rito apenas destinado a distinguir os cristãos dos pagãos (II, Coríntios, 6, 21-22).

 

[Vide Unção, in Dicionário dos símbolos, pp. 668-669.]

 

Na tradição do Velho Testamento, a unção era reservada aos Reis - Salomão ungido por Sadok (1 Reis. 1, 39), Saul e David por Samuel (I Samuel. 10,1; 16,1-13), Hazael (I Reis, 19, 15) -, Sumos Sacerdotes - Consagração de Aarão e dos seus filhos (Êxodo. 29.7-8) - e Profetas - unção de Eliseu por Elias (I Reis. 19, 16). No Novo Testamento, apenas Cristo recebe a unção na sua qualidade de "Messias"; ou seja, "O Ungido de Deus".

 

[Vide Anoint, in The Oxford Companion to the Bible, pp. 30-31]

 

(75)

Vide Jacques Le Goff, Reims, la mémoire du sacre, in L'Histoire, nº 96, pp. 107-108.

 

(76)

The ecclesiastical complexion of kingship is developed to the fullest in this period. With the anointing of Pepin as king at Soissons in 751, and again at St. Denis along with his sons Carloman and Charles in 754, the old magical power of the long hair of the former Merovingian kings was replaced by a sacrament whereby the Carolingian kings became Christi. The Carolingian image of kingship was shaped by the Old Testament models of holy kings such as David and Salomon or Melchizedek who was both king and priest.

[In J. R. Burns, Introduction: formation of political thought, in The Cambridge History of medieval political thought (c.350-c.1450), p. 167.]

 

(77)

O casal imperial alemão reinou no início do século XI, mas a sua santificação só aconteceu na centúria seguinte. No entanto, as pretensões imperiais de Henrique II e do seu antecessor, implicaram desde logo a apropriação de uma simbologia sagrada, émula da pontifícia e da bizantina:

 

Otto slave of the Apostles stole the clothes of papal humility. Otto died young and his sucessor Henry II preferred to stay north of the Alps. But Otto's imperial vision never entirely faded. His successors perpetuated it in their symbols of state. Henry II's mantle, still to be seen at Bamberg, is embroidered with the stars of heaven in imitation of Byzantine imperial claims to cosmic authority [Ver nota 1 do 3º capítulo].

 

[In Janet Nelson, Kingship and empire, in The Cambridge History of medieval political thought (c.350-c.1450), p. 246.]

 

(78)

O caso de Filipe II de França é um excelente exemplo de tudo o que vimos afirmando. Com efeito, o primeiro biógrafo deste monarca, o monge Rigord de Saint-Denis, propunha a sua canonização devido ao facto de ele ter favorecido a Igreja, encorajado o espírito de cruzada, combatido os judeus e os heréticos. Chega mesmo a destacar os poderes taumatúrgicos de Filipe Augusto, para justificar o seu pio desejo.

A Igreja, contudo, conhecendo as reduzidas virtudes do rei, a sua propensão para a ira e apetites desenfreados (comida, bebida, mulheres...), recusou elevar aos altares alguém que em vida fora excomungado pela prática de bigamia.

 

[Vide Jacques Le Goff, Le dossier de sainteté de Philippe Auguste, in L'Histoire, nº 100, p. 29.]

 

(79)

Vide idem, ibidem, p. 24.

 

(80)

Vide Luis G. de Valdeavellano, Curso de História de las Instituciones españolas. De los orígenes al final de la Edad Media, p. 423.

 

Recorde-se que muitos teólogos dos séculos XIII ao XV, como é o caso do inglês Duns Escoto e do francês Jean Gerson, consideravam absoluta a soberania exercida por Deus sobre a humanidade.

 

[Vide Karen Armstrong, A History of God, p. 313.]

 

A comparação da monarquia terrestre com a celestial é anterior ao triunfo do cristianismo (recorde-se o domínio que a mitologia greco-romano concede a Zeus ou a Jupiter sobre os deuses do Olimpo), mas atingiu a sua máxima expressão na história da Cristandade:

 

Une autre théorie voudrait que la monarchie terrestre ait été calquée sur celle des cieux. En elle-même, elle ne mériterait pas de retenir l'attention, tant il serait aisé de répliquer que les hommes ont plutôt imaginé le monde des dieux organisé comme l'était leur propre monde. Pour lui rendre un minimum de crédibilité, il faudrait, avec P. W. Scmidt [na obra intitulada Origine et évolution de la religion] et son école, admettre une révélation primitive, ce qui est pur acte de foi. Mais le royaume de Dieu, le royaume des cieux, familiers aux lecteurs des Évangiles et que nous retrouverons en parlant du Christ, présentent le plus grand intérêt pour l'histoire de la monarchie.

 

[In Jean-Paul Roux, Le roi. Mythes et symboles, p. 23.]

(81)

Therefore, according to the general definition, the prince is the public power and a certain image on earth of the divine majesty. Beyond doubt the greatest part of the divine virtue is revealed to belong to the prince, in so far as at his nod men bow their heads and generally offer their necks to the axe in sacrifice, and by divine impulse everyone fears him who is fear itself. I do not believe that this could happened unless it happened at the divine command. For all power is from the Lord God, and is with Him allways, and is His forever. Whatever the prince can do, therefore, is from God, so that power does not depart from God, but it is used as a substitute for His hand, making all things learn His justice and mercy. Whoever therefore resists power, resists what is ordained by God, in whose power is the conferral of authority and at whose will it may be removed from them or limited. For it is not even the ruler's own power when his will is harsh to his subjects, but a divine dispensation at His good will to punish or train subjects.

 

[In João de Salisbúria, Policraticus, pp. 28-29]

 

(82)

A intenção de Guilherme de Ockam era criticar as teses curialistas que atribuíam ao papa o domínio sobre a autoridade secular, para além da espiritual, socorrendo-se para o efeito de diversas passagens bíblicas onde, segundo afirmavam os guelfos, era absolutamente evidente que Cristo agira, enquanto homem, como um autêntico rei.

O franciscano inglês contradiz estas opiniões curialistas, mas não questiona a ideia de Cristo haver possuído ambos os gládios, embora afirme que delegou um deles no Papado (poder espiritual) e o outro no Império (poder temporal).

 

[Vide Guilherme de Ockham, A short discourse on tyrannical government, Livro V, Cap. 8º, pp. 145-148.]

 

(83)

Vide Jean Barbey, Êre roi, p. 153.

 

 

(84)

No estandarte da casa real de França aparece a Flor-de-lis, ornamento heráldico da realeza francesa até às vésperas da revolução de 1789 [Fig. 22].

No início da Idade Média esta espécie de lírio teve um cunho marcadamente cristológico (Cristo aparece muitas vezes representado rodeado de Flores-de-lis), mas a partir do século XIII torna-se um atributo do culto mariano, o que evidencia uma melhor interpretação dos textos biblicos e patrísticos, onde o lis é considerado um sinal de virgindade.

Tem-se especulado muito sobre os motivos da escolha deste elemento vegetalista para emblema da monarquia francesa, mas parece seguro considerar que a Flor-de lis, além de ter sido utilizada para legitimar os direitos ao trono dos soberanos da nova dinastia dos Valois (o conde de Valois, Filipe VI, sucedeu em 1328 a Carlos IV, O Belo, que não teve filhos), também simbolizava a função demiúrgica do poder real (o rei era visto como um mediador entre Deus e os súbditos).

 

[Vide Michel Pastoureau, Le roi aux fleurs de lis, in L'Histoire, nº 184, p. 67.]

 

Existiam, na época, opiniões distintas da acima descrita. Ângelo Gubernatis, por exemplo, diz na Mitologia das plantas que se atribui o lírio [Flor-de-lis] a Vénus e aos Sátiros, sem dúvida por causa do pistilo vergonhoso e, consequentemente, o lírio é um símbolo de geração, motivo por que, segundo afirma, fora escolhido pelos reis de França para simbolizar a fertilidade da sua raça e a garantia da continuidade dinástica.

 

[Vide Lírio (Lis), in Dicionário dos Símbolos, p. 413.]

 

Estas interpretações divergentes não são incompatíveis em termos simbológicos, como nos esclarece Stephen Reckert:

 

No fim de contas, lírio, lótus e rosa são símbolos funcionalmente idênticos, até porque a coincidentia oppositorum característica do simbolismo é idêntica nos três. Se a rosa é a flor da Virgem, é-o também de Afrodite, e das prostitutas; se o lírio é sinónimo de virgindade, não é menos certo qu'on attribue le lis à Venus et aux Satyres, como recorda um dicionário de símbolos, concluindo que aquilo que torna o lírio simbolicamente intercambiável com o lótus não é senão le bouton fermé... dont l'ouverture... est la réalisation des possibilités antithétiques de l'être.

 

[In Stephen Reckert, Ínsulas estranhas, horto desejado, in A simbólica do espaço. Cidades, ilhas, jardins, p. 145.]

 

Em Portugal, os símbolos cristológicos também surgem no emblema de D. João II. Na Idade Média e alvores do Renascimento, a simbologia do pelicano (que golpeia o corpo para alimentar os filhos com o próprio sangue) era vista, nalguns casos, como uma imagem da missão divina do poder real e da natureza humana do soberano. Noutros, significava o amor paternal, o que levou a iconografia cristã a considerar o pelicano ferido um símbolo de Cristo:

 

...o pelicano foi tomado como representação do sacrifício de Cristo e da sua ressurreição, bem como da de Lázaro. Por isso a sua imagem esteve algumas vezes ligada à da fénix. O simbolismo ligado a Cristo funda-se também na chaga do coração de onde jorra sangue e água, bebidas da vida...

 

[Vide Pelicano, in Dicionário dos Símbolos, p. 517.]

 

No Museu do Louvre existem dois cruxifixos trecentistas, um da oficina de Giotto e outro do pintor toscano Lippo Memmi, onde aparece figurado o pelicano como a ave representativa da paixão de Cristo

 

[Vide Lawrence Gowing, Paintings in the Louvre, pp. 32 e 34.]

 

(85)

Veja-se o quadro pintado em 1804 por Antoine-Jean Gros que se encontra no Museu do Louvre, representando o general Bonaparte a visitar os leprosos durante a campanha da Síria.

 

(86)

Os cónegos regrantes de Santa Cruz de Coimbra, encarregados por D. João III de instruírem o processo de canonização de D. Afonso Henriques, consideravam o monarca um ser "miraculado" que, desde a nascença até à morte, nunca deixou de beneficiar da especial protecção divina, comprovada, aliás, em inúmeras aparições e milagres realizados por Deus na pessoa do rei (ou em terceiros por sua intercessão), dando-se especial relevo ao milagre de Ourique.

 

[Vide Ana Isabel Buescu, Vínculos da memória: Ourique e a fundação do reino, pp. 28-29]

 

(87)

Vejam-se as obras de Frei António de Beja [1º] e André Rodrigues de Évora [2º]:

 

Três excelentes virtudes [sabedoria, justiça e prudência], príncipe ilustríssimo e senhor, devem reluzir em todo o fiel e bom rei, porque sendo semelhante a Cristo Jesus, cujas vezes tem em a terra, mereça com ele reinar em o céu.

 

[In Frei António de Beja, Breve doutrina e ensinança de príncipes, p. 115.]

 

Discípulos são de Deus os príncipes. [Plutarco]

O príncipe é a imagem animada de Deus.

Ministros são de Deus, os príncipes da terra. [Santo Anselmo]

 

[Citado em André Rodrigues de Évora, Sentenças para a ensinança e doutrina do príncipe D. Sebastião, fls. 10, 41 e 48.]

 

(88)

A origem divina da realeza é defendida por António Ferreira em vários dos seus escritos, como demonstrou Dionysia Camões num breve artigo sobre as ideias políticas deste dramaturgo renascentista.

 

[Vide Dionysia Camões, António Ferreira e as ideias políticas da Renascença, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, p. 474.]

 

O mesmo sucede com Sá de Miranda e Camões; o primeiro reputa a dignidade real de sagrada [1º] e o segundo, n'Os Lusíadas, considera o Conde D. Henrique um santo quando alude à viagem por ele realizada à Terra Santa, dizendo que ele transmitiu essa santidade aos seus descendentes [2º]:

 

A dignidade real,/ que tem o mundo a direito,/ (sem ela ter-se-ia mal)/ é sagrada, é natural:/ deixemos medo e proveito.

[...]

O Senhor da natureza/ de que o céu e a terra é cheia,/ vestindo em nossa baixeza,/ de Real sangue se preza,/ por Rei na cruz se nomeia.

 

[In Francisco Sa de Miranda, Carta a el-rei D. João III, in Obras Completas, pp. 36 e 38.]

 

A casa Santa passa o santo Henrique,/ Por que o tronco dos reis se santifique.

 

[In Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto VIII, 9, 7-8]

 

(89)

D. Fernando, príncipe português com quem Góis tinha relações de amizade, tinha adquirido em toda a Europa a reputação de não ter outro prazer que não fosse o das ciências e das belas artes. D. Fernando, que tinha um profundo sentido da tradição, encomendou-lhe uma genealogia dos reis de Portugal e de Espanha desde os tempos de Noé até D. Manuel, seu pai. O príncipe concebia a obra como um belo livro, com iluminuras de desenhos feitos por António de Holanda. Era este o pai de Francisco de Holanda, que cresceu no palácio de D. Fernando, veio a ser um dos grandes artistas do humanismo português e foi mais tarde para Itália, onde se inspirou em Miguel Ângelo. Damião de Góis foi incumbido do contrato com o artista encarregado das iluminuras. Sabendo quanto o livro significava para o príncipe, pensou que se impunha procurar o melhor perito possível. Tratava-se de Simon de Bruges que, segundo Góis, era tão procurado que teria de levar dois anos para acabar o livro português. Na opinião de Góis a espera valia a pena, [...]

 

[In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, pp. 60-61]

 

(90)

O termo é utilizado por Jean Delumeau na sua obra já clássica sobre o Renascimento..

 

[Vide Jean Delumeau, A Civilização do Renascimento, vol. 2º, pp. 148-149.

 

(91)

Parafraseando uma passagem do Cursus Theologicus (1637-1667) do teólogo tomista português João de S. Tomás, o historiador brasileiro Buarque de Holanda escreve o seguinte sobre a identificação da monarquia temporal com a divina:

 

A hierarquia do pensamento subordinava-se [no pensamento escolástico] a uma hierarquia cosmogónica. A colectividade dos homens na terra era uma simples parábola e espelhava palidamente a cidade de Deus. Assim, na filosofia tomista, os anjos que compõem as três ordens da primeira hierarquia, os Querubins, os Serafins e os Tronos, são equiparados aos homens que forma a entourage imediata de um monarca medieval: assistem o soberano no que ele realiza por si mesmo, são os seus ministros e conselheiros. Os da segunda hierarquia, as Dominações, as Potências e as Virtudes são, em relação a Deus, aquilo que para um rei são os governadores por ele incumbidos da administração das diferentes províncias do reino. Finalmente, os da terceira hierarquia correspondem, na cidade temporal, aos agentes do poder, os funcionários subalternos.

 

[In Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, pp. 5-6]

 

Esta concepção tomista de decalcar o ideal de realeza terrestre na celeste - no pensamento português a comparação entre ambas aparece-nos em 1590 na Monarquia de Cristo do carmelita Frei Pedro de Padilha (obra editada em Valladolid) -, é sugerida pelo próprio Aristóteles na Política (Livro III, Capítulo IX):

 

Quanto mais a monarquia se aproxima idealmente do governo celeste, mais a sua alteração é detestável. A realeza não é mais do que um nome vão, ou ela se distingue pela grande excelência daquele que reina. O vício mais diametralmente contrário à sua instituição é a tirania. É portanto, também o pior dos governos

 

[In Aristóteles, Política, p. 88.]

 

(92)

Este quadro, cujo título em português é Coroa da Rosa, data de 1515 e encontra-se na AntoniusKapelle da Catedral de Bamberg, uma das mais importantes cidades imperiais da Alemanha.

Outros exemplos significativos podem ser vistos nos quadros a Fonte da Graça de Van Eyck (Museu do Prado) e no Cristo glorificado na corte celeste de Fra Angelico (National Gallery de Londres), ambos datados de meados do século XV, assim como em A adoração da Santíssima Trindade pintada por Durer em 1511 (Kunsthistoriches Museum de Viena).

Esta visão da "corte celestial" decorre da concepção medieval de Jesus Cristo ter sido investido, em simultâneo, rei e sacerdote, sendo por esse motivo o único instituidor dos poderes espiritual e temporal.

 

[Vide João Morais Barbosa, O De statu et planctu ecclesiae. Estudo crítico, pp. 282-286.]

 

A convicção medieval de que existia uma certa complementaridade entre a monarquia celeste e a terrestre persistia ainda em meados do século XVII, surgindo com toda a evidência num excerto do Leviatã de Hobbes:

 

Em resumo, o Reino de Deus é um reino civil, que consiste, em primeiro lugar, na obrigação do povo de Israel para com as leis que Moisés lhe deveria trazer do Monte Sinai, e que posteriormente o Sumo Sacerdote do momento lhe deveria comunicar perante os querubins do sancta sanctorum. E tendo esse reino sido interrompido com a eleição de Saul, os profetas predisseram que seria restaurado por Cristo, e é por essa restauração que diariamente oramos, quando dizemos na prece do Senhor venha a nós o Vosso Reino; e cujo direito reconhecemos quando acrescentamos porque Vosso é o Reino, o Poder e a Glória, para todos os séculos dos séculos, amen; e cuja proclamação foi a pregação dos apóstolos; e para o qual os homens são preparados pelos mestres do Evangelho, equivalendo a aceitação desse Evangelho (quer dizer, a promessa de obediência ao governo de Deus) a estar no Reino da Graça, porque Deus lhes concedeu gratis o direito de serem súbditos (isto é, filhos) de Deus posteriormente, quando Cristo viesse em majestade para julgar o mundo, e para governar efectivamente o seu povo, ao que se chama Reino da Glória. Se o Reino de Deus (também chamado Reino do Céu, devido à gloriosa e admirável altura desse trono) não fosse um reino exercido por Deus na terra, através dos seus lugar-tenentes e vigários, que transmitem os seus mandamentos ao povo, não teria havido tantas discussões e guerras para determinar através de quem Deus nos fala, nem tantos padres se teriam preocupado com a jurisdição espiritual, nem rei algum a teria negado a eles.

 

[In Thomas Hobbes, Leviatã, p. 321.]

 

(93)

Vide Dante, Monarquia, p. 14.

 

Il tratatto, De Monarchia, è diviso in tre libri. Nel primo dimostra la perfetta forma di governo essere la monarchia; nel secondo prova questa perfezione essere incarnata nell'impero romano, sospeso, non cessato, perchè preordinato da Dio; nel terzo stabilisce le relazioni tra l'impero e il sacerdozio, l'unico imperatore e l'unico papa.

 

[In Francesco De Sanctis, Storia della letteratura italiana, vol. 1º, p. 156.]

 

(94)

Enfim, num reino, cujo fim é assegurar com maior segurança e tranquilidade os benefícios da cidade, um só rei deve reinar e governar, pois que, a não ser assim, nem os membros do reino atingem o fim que lhes é próprio, nem o reino pode escapar à desagregação, conforme a palavra da infalível verdade: todo o reino dividido contra si mesmo está perdido.

 

[In Dante, Monarquia, p. 16.]

 

(95)

Tal como a parte está para o todo, está a ordem da parte para a ordem do todo. É na ordem do todo que residem o fim e perfeição da ordem da parte. Do que resulta que a bondade duma ordem parcial não supera a bondade da ordem total, e que, ao invés, não chega à altura desta. Ora qual é a ordem contida nas coisas: a ordem das partes entre si, e a ordem das partes em relação a um ser que não é uma parte (por exemplo, a ordem das fracções dum exército, ou entre si. ou por relação ao general). A ordem das partes, por relação a um único ser, é superior, porque ela é o fim da outra ordem: a ordem interna das partes existe para a outra ordem, e não inversamente. Por conseguinte, se a forma da ordem externa se encontra nas parcelas da multidão humana, com mais razão deverá encontrar-se na própria multidão, isto é na sua totalidade. O silogismo anterior prova o que dissemos, porquanto a ordem externa é a melhor, quer dizer a forma da mesma ordem. Esta ordem, porém, encontra-se em todas as fracções da multidão humana, tal como foi estabelecido com suficiente evidência no último capítulo; motivo pelo qual deve encontrar-se na multidão inteira. Assim, todas as partes já enumeradas, inferiores aos reinos, e os reinos mesmos, devem ser ordenados a um Príncipe único, ou a um Poder único, quer dizer ao Monarca ou à Monarquia.

 

[In idem, ibidem, pp. 16-17.]

 

(96)

O conceito de rei como senhor natural, protector dos vassalos, em particular os mais humildes, teve larga aceitação na Idade Média, sendo inclusive difundida pela poesia trovadoresca.

 

[Vide Albin Eduard Beau, A realeza na poesia medieval e renascentista portuguesa, in Boletim de Filologia, pp. 320-321.]

 

(97)

Além disso, aquelas coisas que são segundo a natureza optimamente se comportam. Todo o reino natural é governado por um só. E na pluralidade dos membros há um, isto é, o coração que comanda o movimento dos outros; e nas partes da alma há uma força natural que governa as demais, a saber, a razão. As abelhas têm um só rei. E no universo há um só Deus, criador e regedor de todas as coisas. [...]

Com efeito, toda a multidão deriva de um só, e o número começa em um, e, depois, multiplica-se [...]. E um só foi o primeiro homem criado, de que vieram todos os da mesma natureza [...].

 

[In Álvaro Pais, Espelho dos reis, transcrito em Álvaro Pais, p. 86.]

 

 

 

(98)

Isto prova-se pela experiência. As províncias ou cidades, que não são governadas por um só, debatem-se em dissensões e flutuam sem paz, para que se veja realizar aquilo de que o Senhor se queixa pelo Profeta (Jeremias, XII): Numerosos pastores destruíram a minha vinha. Esses tais, antes se devem chamar lobos.

Ao contrário, as províncias e cidades que são governadas por um só rei gozam de paz geral, florescem em justiça, e alegram-se na abundância das coisas. Por isso, o Senhor, por meio de seus profetas, promete, como grande dádiva, que lhes dará um só chefe, e que um só príncipe haverá no meio deles (Ezequiel, XXVXII).

 

[In ibidem, p. 86.]

 

As posições curialistas de Frei Álvaro Pais, melhor definidas no De statu et planctu ecclesiae, põem em causa a indivisibilidade e inalienabilidade do poder régio quando defendem a supremacia do papado no "gládio" secular (concepção decorrente da preexistência do poder temporal no espiritual). Interessa sublinhar, porém, que o princípio da unicidade do Sumo Imperante não é posto em causa em si mesmo, bem pelo contrário, é reforçado pela ideia de apenas caber ao pontífice romano, enquanto garante da unidade da Cristandade, o exercício efectivo e indisputado do poder.

 

[Vide João Morais Barbosa, O De statu et planctu ecclesiae. Estudo crítico, pp. 196-197 e 295-297.]

 

Num interessante artigo de Jeannine Quillet sobre o litígio entre o poder espiritual e o temporal na Baixa Idade Média (sécs. XIV e XV), demonstra-se que não se punha em causa a unicidade do governo supremo da Christianitas, apenas se discutia a qual desses poderes deveria ser este último atribuído.

 

[Vide Jeannine Quillet, Pouvoir temporel et pouvoir spirituel aux XIVe et XVe siècle. Complémentarité ou conflit, in Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - As relações do poder no pensamento político da Baixa Idade Média, vol. 1º, pp. 44-45.]

 

O literato italiano Francesco de Sanctis, em 1870, teve a mesma percepção desta questão, resumindo-a com notável clareza em poucas linhas:

 

"L'eccellenza della monarchia è fondata sull'unità di Dio. Uno Dio, uno imperatore. Le oligarchie e le democrazie sono polizie oblique, governi per accidente, reggimenti difettivi. Fin qui tutti erano d'accordo, guelfi e ghibellini. Non ci erano due filosofie; le premesse erano comuni ai due partiti.

E tutti e due ammettevano la distinzione tra lo spirito e il corpo e la preminenza di quello, base della filosofia cristiana. E ne inferivano che nella società sono due poteri, lo spirituale e il temporale, il papa e l'imperatore. Il contrasto era tutto nelle conseguenze.

Se lo spirito à superiore al corpo, dunque, conchiudeva Bonifazio VIII, il papa è superiore all'imperatore. Il potere spirituale - dic'egli - ha il diritto d' instituire il potere temporale, e di giudicarlo, se non è buono. E chi resiste, resiste all'ordine stesso di Dio, a meno ch'egli non immagini, come i manichei, due principi, ciò che sentenziamo errore ed eresia, Adunque ogni uomo deve essere sottoposto al pontefice romano, e noi dichiariamo che questa sottomissione è necessaria per la salute dell'anima.

 

[In Francesco De Sanctis, Storia della letteratura italiana, vol. 1º, p.156.]

 

(99)

In "Cancioneiro da Vaticana", Cantiga 1089, citada por Albin Eduard Beau, A realeza na poesia medieval e renascentista portuguesa, in Boletim de Filologia, p. 318].

 

(100)

Vide Jacques Krynen, Traité d'absolutisme à l'usage du roi, in L'Histoire, nº 184, p. 74.

 

(101)

In Guilherme de Ockham, A short discourse on tyrannical government, Livro IV, Cap. 13º, pp. 128-129.

 

(102)

Vide John Plamenatz, Man and society, vol. 1º, pp. 36-37.

 

(103)

Vide Dictionnaire des auteurs de tous les temps et de tous les pays, vol. 3º, pp. 216-217.

 

A influência da Fortuna nas acções dos príncipes, uma tese tão cara a Maquiavel, é reprovada pela maioria dos publicistas políticos quatrocentistas:

 

A obra Theogonius, com carta dedicatória a Leonello d'Este, in obitu parentis, é escrita, como confessa em I. p. 133, para se consolar a si próprio [refere-se a Leon Battista Alberti (1404-1472)]: "Io scrissi questi libretti non ad altri che a me per consolare me stesso in mie avverse fortune". Foi publicada em Florença, sem indicação do local, data e nome do editor, em finais do séc. XV, com o título De republica, de vita civili et rusticana et de fortuna, bem elucidativo do seu conteúdo. Nela encarece o valor da amizade e manifesta uma atitude desdenhosa pelos favores da Fortuna, fomentadora da ociosidade, origem de todos os vícios. Pela sua instabilidade e perfídia, a Fortuna é avessa à natureza humana e sua operosidade inteligente. O maior mal que pode sobrevir à república é a prosperidade devida ao favor da fortuna. É este um dos temas mais caros aos autores do Renascimento, de que Pontano é exemplo acabado, com o seu De fortuna.

 

[In Nair da Nazaré Castro Soares, O príncipe ideal no século XVI e a obra de D. Jerónimo Osório, p. 108]

 

Os críticos de Maquiavel esquecem que em O Príncipe a "Fortuna" é comparada à águia, que eleva as suas presas para depois poder despenhá-las das alturas.

 

(104)

Vide John Plamenatz, Man and society, vol. 1º, p. 74.

 

(105)

Vide Martim de Albuquerque, A sombra de Maquiavel e a ética tradicional portuguesa, p. 23 (nota 23).

 

(106)

Vide John Plamenatz, Man and society, vol. 1º, pp. 77-78.

 

(107)

If Adam had not sinned, if man were still in a state of innocence, there would of course be no need for the Temporal Power. That Power is a consequence of sin and a remedy for it, but a remedy only in the sense that it protects men from each other's evil passions; it does not purge them of those passions nor make them masters of their souls, for it cannot bring to them the grace of God wich alone enables them to rise above their baser selves. That is what mediaeval writers mean when they say that secular rulers have authority over men's bodies only but not over their souls.

[...]

Such was the prevailing philosophy. As we have seen, we find it as early as the fourth century in St. Ambrose, we find it more elaborately in Pope Gelasius at the end of the fifth century, and we still find it in the thirteenth century in Aquinas.

 

[In idem, ibidem, vol. 1º, p. 29.]

 

(108)

Vide Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. III Edad Moderna (1. Renacimiento y Barroco), p. 275.

 

(109)

In Frei António de Guevara, Relox de Príncipes, pp. 243-244.

 

(110)

I will say too that the example of the animals does not seem appropriate to me; for deer, cranes, and other animals do not always choose to follow and obey some one, but they change and vary, giving rule now to one, now to another, and come in this way to a kind of republic rather than to monarchy; and this can be called true and equal liberty, when those who sometimes command obey in their turn. Nor do I think that the example of the bees is pertinent, for their king is not of their own species; and therefore whoever wishes to give men a truly worthy lord would need to find one of another species and of a more excellent nature than the human, if men are to be bound in reason to obey him, like herds wich obey, not an animal of their own kind, but a herdsman who is a man, and is of a higher species than their. For these reasons, signor Ottaviano, I hold that the rule of a republic is more desirable than that of a king.

 

[In Baldesar Castiglione, The Book of the Courtier, pp. 304-305.]

 

Ottaviano não contradiz Pietro Bembo neste ponto crucial, afirmando apenas que sendo o rei um ser humano normal, desprovido de qualquer característica ou poder sobrenatural, a sua preeminência política só pode ser justificada pela maior excelência das suas qualidades e virtudes pessoais. Saliente-se, no entanto, o facto de Castiglione, à semelhança de Frei António de Guevara, também mencionar um exemplo que foi frequentemente apontado desde a patrística medieval até finais do XVIII:

 

Emblema XX - Povo sem rei, é sem pastor rebanho [...] Os dois bandos iguais na quantidade,/ Que ali se deixam ver distintamente,/ É o dos gafanhotos diferente,/ Ao das abelhas muito em qualidade. // Este fabrica mel na realidade./Porque tem quem o reja providente;/ Sem governo, o outro bando pestilente,/ No campo estraga a tenra novidade. // Qualquer Imperio pobre, ou poderoso,/ Em bem igual balança o conjecturo./ Ou em ser infeliz, ou venturoso. // Tendo Rei que o governe está seguro;/ E se não tudo nele é desditoso, Destruição no presente, ou no futuro.

 

[Francisco António de Novaes Campos, Príncipe Perfeito, p. 47 (do fac-simile)]

 

A perfeição e eficiência da organização social das abelhas também teve enorme importância na iconologia política dos finais do século XV, influenciando a emblemática real no reinado de Luís XII de França, que tomou por insígnia uma colmeia [Fig. 23].

No século XVII, o brazão da nobre família florentina dos Barberini ostentava como símbolo as abelhas, circunstância que levou o pontífice Urbano VIII - Maffeo Barberini (1568-1644) - a comparar o seu governo à forma cuidadosa como estes insectos seleccionam as melhores flores para produzirem bom mel [ver nota 64 do 3º capítulo].

 

[In Frederick Hammond, Music & spectacle in baroque Rome. Barberini Patronage under Urban VIII, p. 45.]

 

(111)

Vide Baldesar Castiglione, The Book of the Courtier, p. 306.

 

(112)

In idem, ibidem, pp. 307-308.

 

(113)

O enaltecimento da unicidade do poder real assoma em várias estrofes de SOs Lusíadas [1º] - e numa passagem da Carta a el-rei D. João III de Sá de Miranda [2º]:

 

"Dum rei potente somos, tão amado"

[In Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto I, 51, 5]

 

Vereis ao rei potente subjugados

[In Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto I, 51, 6]

 

Que ninguém a seu rei desobedeça

[In Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto II, 84, 6]

 

Um rei ao reino convém;/ vemos que alumia o mundo/ um sol, um Deus o sustém;/ certa a queda e a fim tem/ o reino onde há rei segundo.

 

[In Francisco Sá de Miranda, Carta a el-rei D. João III, in Obras Completas, vol. 2º, p. 37]

 

Em D. Sancho de Noronha, para citarmos um jurista e não apenas literatos, a indivisibilidade e inalienabilidade do poder real são princípios irrefragáveis das leis fundamentais da monarquia portuguesa:

 

[...] assim parece querer o muito alto Deus tamanho poder num homem tão mortal como todos somos e que debaixo de seu governo está tanta diversidade de homens tantos reinos e tantas cidades. Por ser mais seguro para conservação do fim que no regimento real se deve de pretender, o governo de um só que de muitos: porque como do bom rei e príncipe ofício seja procurar pela quietação paz concórdia de seus naturais em justiça e igualdade trabalhando pelo bem comum e sossego de seus reinos que é o fim que em seu governo deve pretender. Isto mui seguro é no regimento de um só que de muitos: porque para muitos quererem uma coisa sem discrepar.

 

[In D. Sancho de Noronha, Oração que disse D. Sancho de Noronha filho de D. Fernando de Faro, nas cortes que o muito alto e muito poderoso rei D. João III de gloriosa memória fez em Almeirim, no ano de MDLIV quando chamou os três estados para o juramento do muito alto e muito excelente príncipe D. João seu filho, in Antologia do Pensamento político português, vol. 2º, p. 45.]

(114)

Diogo Lopes Rebelo, em Do governo da república pelo rei (1496), parece-nos um bom exemplo do forte pendor regalista da estratégia de centralização política empreendida por D. Manuel logo no início do seu reinado. Além disso, revela também a tendência (muito defendida nos círculos universitários parisienses que frequentou) para a crescente curialização da nobreza, processo que, como é sabido, favoreceu a nobilitação dos letrados e subalternizou a fidalguia.

A citação adiante transcrita, extraída do segundo capítulo, onde autor visa demonstrar ser a monarquia o [regime] mais conveniente ao governo da república, parece-nos bastante elucidativa quanto a este aspecto:

 

Ainda se poderá provar pela razão, deduzindo das coisas que existem no corpo natural. Assim como vemos que no corpo natural existe um só coração [Álvaro Pais utiliza, como já vimos, a mesma imagem no Speculum Regum] que influi nos outros membros, e este se chama rei e príncipe (sendo, contudo, um só em qualquer corpo natural), assim também deve haver, no reino, um só rei e supremo príncipe, por cuja autoridade, sinal e mando, todas as coisas sejam governadas.

Confirma-se isto ainda com estoutra razão: a república não é bem governada por muitos de hábitos diferentes, porque, frequentemente, discordam e não chegam a uma só decisão. Pelo contrário, quantas as cabeças, tantas as sentenças; quantas as vontades, tantas as decisões.

[...]

Deve, contudo, advertir-se que, embora a república seja mais bem governada por um rei, do que pelo poder de muitos ou pelo clamor popular, todavia, o rei deve ter varões sábios e doutos, militares graves, e barões, em cujas sentenças e autoridade se apoie."

 

[Diogo Lopes Rebelo, Do governo da república pelo rei, p. 63.]

 

(115)

Vide Fernando Prieto, História de las ideas y de las formas políticas. III Edad Moderna (1. Renacimiento y Barroco), p. 181.

 

(116)

Este proceso político [refere-se à centralização régia nos reinados de Carlos XII e Francisco I] tuvo su correspondiente apoyo ideologico en un grupo de legistas - fue especialmente interesante el formado en la escuela de Derecho de Toulouse - que analizan y explican el poder del rey con los conceptos tomados del Derecho romano.

[...]

La efectiva reducción de la teoria tradicional de los frenos se completa con la critica a la concepción feudal de la monarquía. La monarquía feudal para estos legistas vendría a ser como una especie de contradicción pues la idea monárquica es la pervivencia del "imperium" romano y el mundo de las relaciones feudales, basado sobre la idea contractual, es ajeno al Derecho romano.

 

[Vide idem, ibidem, pp. 182-183.]

 

(117)

In D. Sancho de Noronha, Oração que disse D. Sancho de Noronha..., in Antologia do Pensamento político português, vol. 2º, p. 33.