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26 de Fevereiro de 2004

Fala sobre as tuas coisas mais pessoais, di-las, é a única coisa que importa, não te envergonhes, as gerais vêm nos jornais.
Elias Canetti

12 de Julho de 2004
Os “sacerdotes” neo-liberais desaconselharam a convocação de eleições gerais antecipadas, por causa dos superiores “interesses nacionais”, que para eles são, evidentemente, acima de tudo económicos.
Os “guarda-livros” de finanças públicas apressaram-se a declarar que a actual situação financeira do Estado Portguês não se compadece com a observância da mais elementar regra democrática de dar aos eleitores a possibilidade de esclarecer, através do voto, aquilo que nunca ficará clarificado de outro modo. E o assunto não é de somenos importância, porque se trata de deixar sem mácula o princípio da legitimidade inequívoca do exercício do poder.
Eu, ignorante confesso da liturgia neo-liberal e conhecedor empírico das regras de equilíbrio financeiro (só sei que não posso gastar mais do que aquilo que tenho), percebi nos últimos dias algo muito simples: a democracia portuguesa não é, na actual situação económica e financeira do país, um “projecto” sustentável a curto e médio prazo.
De facto, custa muito dinheiro respeitar o “espírito” da Democracia. Assim sendo, o melhor será então maximizar as vantagens resultantes desta situação e minimizar os custos. Eleições de dez em dez anos asseguram ainda maior estabilidade do que o actual quadriénio. O óptimo seria que fossem realizadas no espaço de cinquenta anos, mas talvez seja pedir demais, porque fica tudo demasiado senil, como aconteceu com a estabilidade do salazarismo.
Seja como for, não será difícil realizar este desidério político essencial à viabilidade económica de Portugal. Basta defender uma revisão constitucional e, como se trata de um dever patriótico, não faltarão “apoios” para conseguir a maioria qualificada que a Constituição exige. No fundo, são questões meramente formais, que cumprirá observar estritamente ou, se for o caso, tornear, para governar “a bem da nação”.
Fiquemos, pois, com estes timócratas revanchistas desejosos de vingarem as humilhações suportadas durante os desacatos oclocráticos do PREC. O vento corre-lhes de feição, por isso agarram a oportunidade, porque, se mudar a direcção do sopro, como às vezes sucede na história da humanidade, não podem esperar atitudes razoáveis da parte destes dez milhões de sul-americanos da Europa.
Manuel Filipe Canaveira

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13 de Julho de 2004

Ouve lá, tu aí, que conduzes o teu jipe com atitude agressiva –própria de um “winner”- pelas auto-estradas do Cavaquistão. Pensas, por acaso, que vives num país próspero? Julgas que ganhámos o desafio europeu? Estás redondamente enganado, meu caro.
Por acaso já pensaste por que razão ao fim destes quase vinte anos de “Portugal Europeu” continuas a ser considerado um cafre, como já o eras no tempo do “Portugal Africano” e do “Portugal Brasileiro”? O pior é que antes só te chamavam assim além dos Pirinéus, enquanto agora basta transpores o Caia para veres reconhecido esse estatuto.
Eu sei que andas aturdido com esta “crise financeira”. Já percebeste que é a ponta do icebergue da crise económica que tu divisas à tona de água, sem sequer suspeitar da colossal “crise ética” que anda submersa. Não percebes como é que a Irlanda, essa semi-colónia britânica do século XIX que afugentava milhares de labregos para a América do Norte, te passou à frente. Custa-te aceitar que a Grécia, essa semi-colónia otomana do século XIX que vegetava em ignorância e superstição, te levou a palma.
Como foi isso possível após oito séculos de independência e três impérios servidos por tantos barões assinalados? Eu podia responder-te com a acrimónia dos nossos clássicos seiscentistas e dizer-te, sem mais, que o teu país vive, pelo menos desde que um tal Diogo do Couto escreveu lá no século XVI o Soldado Prático, num “tempo de fezes”.
Ao século de ouro de quatrocentos não sucedeu uma “época de ferro” –antes fosse-, mas sim um pântano de vísceras em decomposição que exalam um cheiro nauseabundo. O que te valeu foi o ouro de Minas, os diamantes da Lunda e os “subsídios” europeus que perfumaram o ambiente.
Se te deres ao trabalho de dispensar meio minuto da tua vida recheada de berros e carantonhas futebolísticos a um dos mais eminentes historiadores portugueses do século XX, verás que ele, referindo as ideias do nosso maior intelectual oitocentista, põe o dedo na ferida da tua condição de burguês inepto que vive para consumir e não para produzir:
A ideia de Herculano era a de que os melhoramentos materiais só se tornam desejáveis quando reforçam a estrutura moral e nacional do país, a sua efectiva liberdade. Isto é, desde que não acarretem o enfraquecimento moral ou a dependência do indivíduo dentro do Estado. No caso dos transportes, obtidos com dinheiro estrangeiro, esses melhoramentos não correspondem à autenticidade produtora do País, que não ficava acautelada. Herculano propunha, para além dos melhoramentos materiais, medidas indispensáveis para facilitar as condições de crédito e outros estímulos à produção, que o camponês fosse “ligado” à terra por meio de formas aliciantes de propriedade, pelo desenvolvimento da riqueza real.

[Jorge Borges de MACEDO, Alexandre Herculano. Polémica e mensagem, prémio de ensaio Alexandre Herculano 1977/1978, Ed. Livraria Bertrand, Amadora 1980, p. 52.]

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